domingo, 5 de junho de 2011

"Que mundo tão parvo / onde para ser escravo é preciso estudar"

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São Paulo, domingo, 05 de junho de 2011

INDIGNADOS UNIDOS

ESPANHA

"Nunca vi tanto garçom que possui doutorado"

LUISA BELCHIOR
DE MADRI

RODRIGO RUSSO
ENVIADO ESPECIAL A BARCELONA

"Uma faculdade, dois mestrados, três idiomas, cinco anos de experiência e um estágio de 600 euros".
Os dizeres na placa que a cientista ambiental Lilian García, 25, segurava em uma das manifestações que tomaram as ruas de Madri na semana passada eram fictícios. "Esse estágio foi há três anos. Desde então estou desempregada".
Como ela estão 45% da população jovem espanhola, em torno de 700 mil pessoas.
Com os protestos e acampamentos nas praças do país, revelaram ao mundo uma Espanha que já não consegue dar conta de inseri-los no mercado de trabalho.
O resultado é que os jovens que podem deixam o país em busca de empregos em vizinhos europeus - em 2010, 166 mil emigraram.
Chamada de geração "ni-ni" - ni estudia, ni trabaja -, este quase milhão de espanhóis tem a melhor formação na história do país e um dos piores cenários de emprego.
Javier Garcia, 28, veio dos EUA participar dos protestos. "Eu odeio ter que estar longe do meu país para poder trabalhar. Tenho muitos amigos aqui sem emprego. Nossa geração é a mais bem preparada da história. Nunca vimos tantos garçons com doutorado e três idiomas".
Em Barcelona, o movimento dos "indignados" ganhou força após o dia 27 de maio, quando, a pretexto de limpar a praça Catalunha, onde os jovens acampavam, policiais agrediram os manifestantes, deixando 121 pessoas feridas.
A agilidade com que os acampados divulgaram pelas redes sociais fotos e vídeos de policiais agindo violentamente foi determinante para que a praça fosse novamente liberada para os protestos.
Em uma das entradas da praça, uma faixa avisa aos transeuntes: "Estamos construindo um mundo melhor, desculpem os transtornos".
"Estávamos anestesiados, cansados de políticos", diz Judith Casas, 33.
Já para o estudante de ciências ambientais Raul Sanchez, 25, que trabalha em um call center e é garçom aos finais de semana, o movimento é um meio de pedir outro modelo para empregos: "Não queremos mais trabalhar só com turismo ou construção", desabafa. Sua renda mensal é de 1.000.
Os jovens têm inspiração na praça egípcia Tahrir, onde protestos levaram à queda da ditadura, e na população da Islândia, que em referendos rejeitou o pagamento de dívidas externas do país.

GRÉCIA

"As pessoas estão fartas, é isso", diz manifestante

EM BERLIM

O grego Aryiris Panagopoulos desembarcou anteontem na Espanha com um objetivo: combinar com os colegas espanhóis um "protestaço" simultâneo para hoje nas emblemáticas praças do Sol, de Madri, e Syntagma (da Constituição), de Atenas.
Depois de episódios violentos que culminaram na morte de manifestantes há cerca de um ano, os gregos andavam quietos.
Precisaram de um empurrãozinho dos espanhóis e de rumores de novas medidas econômicas no país para retomarem, no último dia 25, os protestos na capital.
Desde então, grupos distintos ficam acampados em tendas na praça. Eles se chamam, como os espanhóis, de "indignados", e são um movimento sem líderes definidos ou ligação com grupos políticos tradicionais.
"São jovens, são estudantes, são aposentados, funcionários públicos. Não tem isso de idade nem de setores. As pessoas estão fartas, é isso", explica o grego de 48 anos.
"Eu diria que três quartos da população estão descontentes com a atual situação no país, especialmente com o acordo com o FMI", afirma o jornalista grego Nick Malkoutzis, editor-adjunto da versão em inglês do jornal "Kathimerini".
Os protestos não têm um tema determinante, mas giram em torno da rejeição ao acordo fechado pelo país com o FMI no ano passado, às medidas de austeridade impostas pelo governo para atender a esse acordo, e a uma classe política considerada corrupta e desvinculada da população.
Como nos demais casos, as redes sociais são um meio importante de convocação da população e de articulação com grupos em outros países. Blogs, comunidades no Facebook e twitteiros tentam quebrar a barreira da língua para os de fora.
"Atenas é muito pequena, todos se conhecem e muito se espalha no boca a boca. Mas, claro, usamos muito a internet. E felizmente a mídia na Grécia tem bastante autonomia", diz Panagopoulos.
Malkoutzis remete à Grécia Antiga para descrever como se organizam os distintos grupos na Syntagma.
"Há a linha de frente, que fica diante do Parlamento e da polícia. Atrás deles, no acampamento, é como uma versão moderna da ágora [praça na Grécia antiga]. Pessoas em grandes ou pequenos grupos, discutindo, tentando trabalhar em temas comuns ou conversando sobre quais deviam ser os rumos do protesto. Um pega o microfone, fala, e passa adiante. Um experimento interessante".
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PORTUGAL

"Sou da geração sem remuneração", cantam jovens

VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

No dia 4 de fevereiro, quatro portugueses entre 25 e 28 anos conversavam num café de Lisboa sobre como era difícil a vida dos jovens desempregados ou com emprego precário no país.
Um mês e meio depois (12 de março), um protesto convocado por eles reuniu 200 mil pessoas nas ruas de Lisboa e outras 300 mil espalhadas pelo país.
O segredo do sucesso do movimento da "geração à rasca" (em apuros) é mais uma vez as redes sociais.
"As redes sociais são uma marca desse nosso tempo. Elas mostram que é possível ter manifestação política à margem dos partidos, dos sindicatos", diz Paula Gil, 28, integrante do grupo original.
"Por um lado, ficamos impressionados com a velocidade. Por outro, não, porque nós e nossos amigos vivíamos a mesma situação."
Paula é formada e tem mestrado em relações internacionais, trabalha desde os 18, mas nunca teve um emprego formal, com direitos.
"Essa é a situação de Portugal hoje. Metade da população economicamente ativa do país está desempregada ou em trabalho precário."
Paula nega que o movimento tenha sido inspirado pela "Primavera Árabe".
"Eles lutavam por liberdade e democracia, contra uma ditadura. Nós temos democracia, apenas queremos exercê-la."
Na conversa do bar, ela e os amigos comentavam as músicas da banda Deolinda, um grupo de fado moderno.
Uma delas, "Que Parva que Sou", parece um hino da geração à rasca.
Diz: "Sou da geração sem remuneração/ e não me incomoda esta condição./ Que parva que eu sou!/ Porque isto está mal e vai continuar,/ já é uma sorte eu poder estagiar./ Que parva que eu sou!/ E fico a pensar, que mundo tão parvo/ onde para ser escravo é preciso estudar."
Depois do 12 de março, o grupo ganhou voz. Hoje, recolhe as 35 mil assinaturas necessárias para apresentar um projeto de lei que quer criar regras mais duras para o trabalho temporário.
Segundo Paula, uns poucos continuam acampados no Porto e em Coimbra.
Em Lisboa, há apenas assembleias populares, quando as pessoas se reúnem nas ruas para discutir os problemas do país.

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