Chiclete com Banana ANGELI
São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2011
João Gilberto 80, o mito e sua revolução discreta
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
João Gilberto faz 80 anos hoje, envolto numa aura de mito e mistério que ninguém mais estranha e que, nele, assenta perfeitamente.
Afinal, ela o acompanha desde julho de 1958, quando ele gravou um 78 rpm (disco simples, de cera, com uma faixa de cada lado), contendo, num dos lados, um samba de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, "Chega de Saudade". Sua interpretação à voz e ao violão dividiu a música brasileira em antes e depois e fundou um gênero, a bossa nova.
O disco não atingiu apenas os músicos, mais equipados para entender as diversas revoluções que ele propunha - harmônicas, rítmicas, instrumentais, vocais.
Ao ser tocado no rádio, virou também a cabeça de jovens brasileiros de toda parte, para os quais, se alguém tão "diferente" como João Gilberto existia, eles podiam enfrentar a família e seguir suas vocações, não importava em que área.
Aos 27 anos recém-feitos, João Gilberto era tudo de novo naquele momento. E nem por isso se tornou o artista mais popular do Brasil.
O público comprou seu disco, mas o cantor não foi para a capa da revista "Radiolândia", para o auditório da Rádio Nacional ou para as chanchadas da Atlântida, que eram então os termômetros da popularidade. Continuou obscuro, escondido num apartamento de Copacabana, depois Ipanema, ignorado até pelos vizinhos. Nem seus melhores amigos podiam se dizer seus íntimos.
Sua voz e seu violão se estabeleceram, geraram outro 78 rpm (este contendo o ainda mais radical "Desafinado", de Jobim e Newton Mendonça) e ampliaram-se num LP -também intitulado "Chega de Saudade"-, que foi saudado ao sair, em 1959, como os 12 mandamentos da bossa nova. Mas nem a foto do cantor na capa (com o rosto sintomaticamente escondido pelo punho no queixo) o tornou uma figurinha fácil.
O que aconteceu depois -a gravação de novos discos, sua silenciosa partida para os EUA em 1962, a gravação de ainda outros discos e sua volta ao país, mais de 20 anos depois, tão silenciosa quanto a ida- foi apenas consequência.
O que importa é que, desde aquele remoto "Chega de Saudade" em 1958, não deve ter se passado um minuto sem que alguém -primeiro, no Brasil; depois, no mundo- tentasse reproduzir a batida mágica do violão, sintetizada por ele, e pela qual se identificou a bossa nova. E até hoje é assim.
Neste momento, em algum lugar, há alguém de violão em punho, diante de um microfone, beneficiando-se do universo sonoro de João Gilberto -de segunda ou terceira mão, não importa, e talvez sem sequer saber que existe ou existiu um João Gilberto. Se o fato de a criação viver à revelia do criador for uma medida da imortalidade, João Gilberto já é imortal.
Nas raras vezes em que se apresenta num palco, ele quer ser incorpóreo. O terno marrom da Brooks Brothers, a camisa azul-celeste da YSL, a gravata e os sapatos italianos têm a função de torná-lo invisível. Só o violão e a voz devem existir.
Assim como as paredes de seu apartamento no Leblon, do qual quase nunca sai, existem para blindá-lo do mundo.
O mundo não existe. Só existe a música. E mesmo esta é para ser cantada cada vez mais baixinho, num sopro, num sussurro, quase que só em pensamento -única forma, para João Gilberto, de vencer a cacofonia que o mundo insiste em produzir.
Artista celebra aniversário com turnê e DVDs
MARCUS PRETO
DE SÃO PAULO
Estão confirmados os seus shows de 80 anos. E a gravação de dois DVDs.
O acordo com o artista foi firmado numa união entre a Mauricio Pessoa Show e Eventos Culturais Ltda. e a Organização em Comunicação e Propaganda e prevê a captação de patrocínio para até oito apresentações, entre os dias 29 de agosto e 30 de novembro deste ano.
Dos oito concertos, dois devem acontecer fora do Brasil. Os outros estão programados para São Paulo, Rio, Salvador e, possivelmente, Brasília e Belo Horizonte.
Batizado de "João Gilberto 80 Anos - Uma Vida Bossa Nova", o projeto vem sendo negociado desde janeiro.
Segundo Antonio Barreto Junior, da OPC, a turnê foi desenvolvida exatamente "conforme a vontade de João".
Os DVDs também estão em contrato, afirma Mauricio Pessoa. Um deles trará o registro dos espetáculos. O outro, feito em estúdio, um encontro de João com artistas nacionais e internacionais.
Para isso, foi escolhida "por João" uma equipe italiana. A codireção será de Claudia Faissol. Mãe da filha caçula do músico, Faissol atualmente trabalha em documentário sobre ele.
"Convencê-lo a gravar os DVDs foi um parto. João está traumatizado com questões de direitos autorais", diz Pessoa. Tudo foi negociado por meio de Faissol e do advogado do artista: os empresários nunca o encontraram.
O banquinho & o violão
Rafael Andrade - 24.ago.08/Folhapress
João Gilberto no palco durante apresentação realizada no Theatro Municipal do Rio
DE SÃO PAULO
Tímido mais espalhafatoso não há.
João Gilberto está sempre recolhido. Mas, a cada vez que ressurge, traz com ele enorme repercussão. Justamente por cultivar tamanha distância do mundo fora de seu apartamento, ganhou fama de esquisito, produzindo, ainda que a sua revelia, um vasto anedotário.
O rigor que persegue quanto à precisão de sua sonoridade é fonte de muitas das histórias que lhe valeram o rótulo de excêntrico (além de algumas brigas). Ao longo dos anos, seu entorno foi se ajustando ao perfeccionismo do artista que parecia sempre pedir mais do que a técnica podia dar. Surgiram personagens indispensáveis para que o espetáculo prosseguisse. O técnico de som japonês Usami Tishihiko, por exemplo, tornou-se cláusula contratual ao conceber o set ideal para as performances do músico.
Por motivos diferentes, João Gilberto marcou aqueles com quem cruzou em sua trajetória, do empresário Flávio Ramos, produtor do show que reuniu João, Tom Jobim e Vinicius de Morais em 62, à condessa Georgina Brandolini, dona do imóvel em que o músico vive.
FRANCIS HIME,
cantor e compositor
João Gilberto é João Gilberto por causa de sua musicalidade, associada a uma originalidade, cultivada por um empenho constante em se aperfeiçoar
JOÃO CARLOS MARTINS,
pianista
João Gilberto é um dos três músicos brasileiros de origem popular que mais fizeram pelo Brasil. Carmen Miranda e Tom Jobim são os outros dois. Carmen foi criticada e menosprezada. JG e Tom deixaram de ser populares e viraram clássicos. João Gilberto tem a melhor dicção e afinação da música brasileira. Ele é como um mestre do barroco, fez de cada nota uma joia. Merece o respeito do mundo inteiro
TOM ZÉ,
cantor e compositor
O aparelho verbivocal do ser humano conhecia já o tratamento dado pelo canto lírico, pelo canto folclórico anasalado, que repetia uma coisa ancestral, e outras derivações. João Gilberto deu a ele, entretanto, uma função bastante peculiar e diferente. Na hora que ele quis cantar, ele encontrou um microfone dinâmico tão sensível que pôde transformar aquele fio de voz numa coisa gravável
IVETE SANGALO,
cantora
Ele jamais abriu mão de ser ele mesmo
TULIPA RUIZ,
cantora
[João é João] por causa do jeito com que ele dirige as palavras, do bordão do violão, da dicção, da velocidade que ele tem na pronúncia
JAIR RODRIGUES,
cantor
Ele veio com os acordes do seu violão moderno e cantando daquela forma, sem precisar esganiçar a voz. Ele cantou a bossa nova, que acabou acontecendo no mundo inteiro. Ele sempre foi uma figura muito simpática. A importância dele é pro mundo inteiro. O João é Brasil de ponta a ponta no mundo inteiro. Esse homem é maravilhoso, ele enaltece a nossa música. É uma coisa extraordinária.
PAULINHO DA VIOLA,
cantor e compositor
João Gilberto é único. A minha geração veio um pouco depois da dele e fomos todos influenciados pelo seu trabalho. Ele é um marco na música brasileira e internacional. Até no Japão os músicos da bossa nova tocaram. Ele é João Gilberto porque é João Gilberto. Foi capaz de marcar a vida de todos aqueles que tiveram a oportunidade de ouvi-lo
JOÃO GORDO,
ex-punk e apresentador
Você acredita que eu nunca ouvi uma música dele? Se você colocar pra eu ouvir, eu não sei quem é João Gilberto, não. Pode me chamar de ignorante, de estúpido... Eu sou roqueiro 'véio' (Ignorante, estúpido... (Ivan))
CÍNTIA KELLY
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE SALVADOR
A cidade baiana de Juazeiro, onde João Gilberto nasceu, vai homenagear os 80 anos do artista com uma programação que inclui shows, oficinas de violão, concurso cultural e exposições.
O artista não participará das homenagens, cujo ponto alto será a apresentação do mineiro João Bosco. Ele sobe ao palco montado na orla do rio São Francisco.
O violonista Aderbal Duarte, discípulo do homenageado, também se apresentará. A comemoração começou ontem, no Centro de Cultura que leva o nome do artista, com a abertura de uma exposição sobre a vida dele.
A programação inclui até uma missa musical na catedral da cidade. O prefeito de Juazeiro, Isaac Carvalho (PC do B), deve anunciar hoje o tombamento da casa onde o cantor nasceu.
De acordo com a prefeitura, a ideia é transformar o imóvel em um espaço em homenagem ao artista. A casa - que pertence à irmã de João Gilberto, Maria Oliva Oliveira do Nascimento, a Vivinha - está alugada para uma empresa do governo do Estado.
A prefeitura informou que pretende preencher o espaço com móveis utilizados pelo cantor baiano. Para isso, espera contar com o apoio de sua família.
A cama em que ele nasceu, por exemplo, também é propriedade da irmã Vivinha, que até hoje mora na cidade.
Colaborou PEDRO LEAL FONSECA
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A DIAMANTINA
O hóspede da casa de baixo era louco? "Por que insistia em tocar violão de madrugada, aquele plim-plim-plim sem fim, uma nota só, que nem uma araponga?"
Furiosa, a professora Eni Assumpção Baracho, do conservatório musical de Diamantina (294 km ao norte de Belo Horizonte, Minas), crivava de perguntas o sobrinho Antônio de Jesus Neves, então com 27 anos, que se encantara com o recém-chegado João Gilberto, ainda um desconhecido, aos 25 anos.
"Eu tentei explicar para ela que João estava treinando. Que ele era um exímio violonista", lembra Antônio, hoje 82 anos. A professora desacreditou.
Anos depois, João Gilberto estourou com o disco "Chega de Saudade" (1959).
"Quando passei na papelaria, vi a capa da [revista] "Manchete". Ou seria "Cruzeiro'? Era ele. Comprei a revista e fui mostrar para a tia."
"Quem é esse cabra?", desafiei. "Uai, tá parecendo aquele amigo de vocês."
"É o próprio que você falou que não sabia tocar violão!"
Não podiam ser mais distintos os mundos da professora que morava em cima, e o de João Gilberto, que morava em baixo do mesmo sobradão. A separá-los, só a madeira do chão, como é típico em edifícios coloniais - isolamento acústico, nenhum.
A professora tinha por música os vozeirões de Orlando Silva, Carlos Galhardo e Silvio Caldas, além das modinhas e serestas mineiras.
Ao térreo do sobrado, porém, tinha chegado uma gente moderna. Dadainha, irmã de João Gilberto, mudara-se para a cidade quando o marido, o engenheiro Péricles Rocha de Sá, foi encarregado de construir estradas, ligando a cidade ao restante do país.
Fazia parte dos planos de governo de Juscelino Kubitschek (1902-76), natural de Diamantina, depois alcunhado - veja só - de "presidente bossa nova".
Atrás da irmã foi João Gilberto, justamente no ano em que JK tornou-se presidente (1956). Passou sete meses lá.
"Ele só parecia ter uma preocupação: ficar ótimo na música. Ele não veio aqui para se inspirar. Veio para fazer algo que já estava na cabeça dele", lembra Geraldo Miranda, 77, bancário aposentado, outro amigo mineiro que João Gilberto conquistou.
"Entro um dia no sobrado, e encontro João com um elástico, prendendo o dedo mínimo ao punho da mão direita. Era um exercício. Treinava sem parar - puxando e soltando, puxando e soltando."
O pesquisador Wander Conceição, 50, entrevistou 40 contemporâneos da estada de João Gilberto em Diamantina e prepara um livro sobre o tema. De um amigo que compartilhava discos de jazz com o artista, ouviu: "Ele tinha um ritual de estudos que sempre se iniciava com João beijando uma imagem de Santa Terezinha".
Esse amigo era dos poucos admitidos no "estúdio" do sobrado, quando João se concentrava ao máximo. Na verdade, o estúdio era o banheiro. "A acústica do cubo de 2,30 metros de aresta permitia a João se escutar. Foi fundamental para que ele exercitasse a batida da bossa nova", afirma Conceição.
A disciplina dos estudos e a devoção a Ary Barroso e a João Donato -"Ele era doido por Donato" - não impediram, entretanto, João Gilberto de exercer seus encantos.
"Uma das amigas dele adorava Carlos Drummond de Andrade. João recitava-lhe Drummond e dizia: olha essa dissonância... é isso o que eu quero fazer na música." O relato é de Conceição.
Até serenata, gênero de que JK tanto gostava, João Gilberto praticou em Diamantina. Mas do seu jeito.
Os amigos lembram quando ele decidiu fazer uma. "João, com essa vozinha, você não vai acordar ninguém, não", advertiu Geraldo.
"Ele pediu para segurarem o violão, tomou uma pedrona e jogou-a ladeira abaixo. A moça acordou com o barulho. E ele cantou."
Geraldo e Antônio nunca mais viram João Gilberto. Fausto Miranda, 78, irmão de Geraldo, teve mais sorte. Ajudante de garçom num restaurante de Nova York, o Brazilian Coffee Restaurant, numa noite de 1966, recebeu a incumbência de entregar comida num apartamento.
"Subi, bati a campainha. Quando a porta se entreabriu, era ele." De João, recebeu o LP "The Warm World of João Gilberto" (1963). Com dedicatória. É o único registro da voz e violão do amigo que a turma mantém.
O sobrado, tombado pelo patrimônio histórico, abriga uma imobiliária. O banheiro-estúdio foi dividido ao meio.
Show deu "maior prejuízo" e "maior alegria" da vida de empresário
DENISE MENCHEN
DO RIO
Dono do antigo restaurante Au Bon Gourmet, de Copacabana, o empresário Flávio Ramos, 84, diz que João Gilberto foi responsável pelo maior prejuízo de sua carreira. Mas também pelas maiores alegrias de sua vida.
Em 1962, Ramos abriu as portas do seu restaurante para um show que deveria reunir João, Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Nos cerca de 20 dias entre a assinatura do contrato e o início da temporada, porém, outros seis músicos se juntaram ao time -todos a pedido de João.
"Um dia, ele disse para mim: "Flavinho, você não acha que está fazendo falta um contrabaixozinho suave? Porque o meu violão não enche tudo...'", lembra Ramos, que contratou Otávio Bailly.
Pouco depois, foi a vez de Jobim procurar o empresário. "Olha, Flávio, o João me pediu para eu falar com você porque ele está sem coragem, mas queria ver se você acertava com o Milton Banana", recorda Ramos.
O empresário ainda argumentou que isso encareceria demais o show, mas novamente acabou cedendo. E o baterista se juntou ao grupo.
"Quando eu já estava contente e realizado, todos se juntam, inclusive o Aloysio [de Oliveira, produtor], e dizem: "Decidimos que cada um vai abrir mão de um percentual, mas nós precisamos dos Cariocas'", lembra.
Assim, o quarteto vocal acabou incorporado ao show -que, diz Ramos, ficou caro demais para dar lucro, apesar da casa cheia nas 40 noites em que ficou em cartaz.
Mesmo assim, o empresário não guarda arrependimentos. O show, afinal, fez o Au Bon Gourmet entrar para a história - foi ali que foram executadas, pela primeira vez, canções como "Garota de Ipanema" e "Corcovado".
O convívio foi intenso, e o clima era de constante gozação. Os atrasos de João Gilberto eram alvo de piadas.
Apesar de os shows estarem marcados para as 23h, muitas vezes Ramos ligava por volta das 23h15 para João e ele ainda estava em casa. "Sério que já é tão tarde? Nossa, nem tinha percebido. Tem como mandar um carro me buscar?", respondia.
Após as apresentações, ia direto para casa. Já os demais músicos costumavam continuar a festa em outra casa noturna do empresário.
Segundo o empresário, o show tinha público para mais tempo. O esgotamento dos músicos, porém, o levou ao seu encerramento.
Ramos manteria contato próximo com Tom e Vinicius, mas nunca mais conseguiria encontrar João Gilberto.
TRIBUNAL
MÚSICO CORRE O RISCO DE SER DESPEJADO
No dia 29, João Gilberto pode receber uma ordem de despejo do apartamento que aluga, no Leblon (zona sul do Rio). Nesse dia, será promovida na 24ª Vara Cível do Rio uma audiência de conciliação entre os representantes do cantor e da dona do apartamento. Segundo apuração da Folha, este imóvel é ocupado, no entanto, por uma mulher. O cantor vive em outro apartamento no bairro.
Briga com gravadora impede a circulação dos primeiros discos
COLUNISTA DA FOLHA
O maior presente que se poderia dar a João Gilberto nos seus 80 anos, e que beneficiaria toda a cultura brasileira, não sairá do pacote das intenções: o fim da querela envolvendo os seus três primeiros LPs - as obras-primas "Chega de Saudade" (1959), "O Amor, o Sorriso e a Flor" (1960) e "João Gilberto" (1961) -, gravados na antiga Odeon, hoje EMI, e impedidos de circular há mais de 20 anos.
O motivo é um processo do cantor contra a gravadora, ao se sentir desrespeitado por uma edição não autorizada de 1987, que considerou lesiva a ele e aos discos.
Naquele ano, a EMI juntou os três LPs num álbum triplo, lançado aqui com o título "O Mito", e espremeu-os (38 faixas!) num mesquinho CD simples -lançado nos EUA pela World Pacific e intitulado "The Legendary João Gilberto".
Em ambos, ela alterou a ordem original das faixas, embaralhando-as sem motivo ou critério aparente; remixou em estéreo sete faixas gravadas originalmente em mono, alterando sua sonoridade, e acrescentou faixas de um compacto da época, inclusive fundindo algumas.
De fato, interferiu na concepção original do artista - fora outras graves modificações ao alcance somente do ouvido desse artista. Mas quem mandou a EMI desafiar tal ouvido?
Não importa mais quem tem razão - o prejuízo, já incalculável, é do Brasil. Imagine se os profetas do Aleijadinho estivessem, não expostos no adro da igreja, mas encaixotados e recolhidos a um almoxarife em Congonhas. Ou que, tantos anos depois de estreada, a peça "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues, não pudesse mais ser encenada. Ou que o romance "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, já consagrado, não fosse mais reimpresso.
Os três LPs de João Gilberto não se limitaram a dar de presente ao mundo a bossa nova. Ensinaram que ela era tanto um jeito de tocar quanto de compor - e, com isso, reapresentaram toda a música popular brasileira a si mesma.
Mostraram também que samba, choro, marchinha, samba-canção, valsa, baião, enfim, o nosso legado musical, além de eterno, podia ser moderno. E despertaram pelo menos duas gerações inteiras de jovens para o Brasil.
Um homem faz aniversário. Mas como se celebra um patrimônio? (RUY CASTRO)
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