sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A torturante construção de uma verdade torturada



'AUDITOR NÃO PERGUNTOU QUAIS TINHAM SIDO AS SEVÍCIAS'
NEM A MÍDIA NUNCA SE INTERESSOU POR ELAS...


Trecho: 'Em depoimento à Justiça Militar, em 21 de outubro de 1970, Dilma contou ao juiz da 1ª Auditoria da 2ª Circunscrição Judiciária Militar que foi seviciada quando esteve presa no Dops, em São Paulo. O auditor não perguntou quais tinham sido as sevícias. No interrogatório, Dilma explicou ao juiz por que aderiu à luta armada. O trecho do depoimento é este: "Que se declara marxista-leninista e, por isto mesmo, em função de uma análise da realidade brasileira, na qual constatou a existência de desequilíbrios regionais [e] de renda, o que provoca a crescente miséria da maioria da população, ao lado da magnitude [da] riqueza de uns poucos que detêm o poder e impedem, através da repressão policial, da qual hoje a interroganda é vítima, todas as lutas de libertação e emancipação do povo brasileiro... [diante] dessa ditadura institucionalizada optou pelo caminho socialista"


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A torturante construção de uma verdade torturada

Roberto Efrem Filho

No último setembro, às vésperas das eleições presidenciais, a Folha de S.Paulo engatinhou até as barras das fardas e togas do Superior Tribunal Militar, sob o intuito de revelar o mistério sangrento que ela julga existir no passado de Dilma Vana Rousseff. A partir da revelação midiática de verdades presentes nos processos militares, a Folha intentava, naquele momento, solapar a candidatura da petista, incrustando definitivamente em Dilma o estigma de terrorista. Nesta quarta-feira, dia 17 de novembro, o jornal em questão anunciou, em matéria de capa, sua aparente vitória: o STM decide pela abertura pública do processo sobre a presidente eleita. Em alguns dias, os meios de comunicação divulgarão seus recortes das informações constantes naqueles documentos empoeirados. O que revelarão? A torturante construção de uma verdade torturada.
Foucault definiu a tortura como um mecanismo de produção de verdades. Nela haveria algo de inquérito, na medida em que através da violência se investiga ou se cria um acontecimento, mas também persistiria algo de duelo, de modo que o torturado digladia com o torturador, resiste à dor, silencia ou rejeita acusações, desafiando a força absoluta que contra ele se impõe. A tortura constrói verdades ao tempo em que o torturado é levado à exaustão da confissão oficialesca ou à incapacidade profunda de afastar de si incriminações ou fatos, ainda que se negue a confessar. O torturador entra no jogo vencendo e sai dele auto-proclamadamente vencedor. O torturado, mesmo resistindo, resta destroçado, julgado e condenado do início ao fim do processo, perdedor.

Parte das verdades que os meios de comunicação pretensamente descortinarão nos próximos dias foram construídas segundo crudelíssimos estratagemas de tortura.Outra parte, se não obtida na atitude imediata da mão torturadora, constitui-se deargumentos criados para respaldar a tortura posterior. Emergirão, assim, das letras de oficiais torturadores e da edição dos meios de comunicação, fatos esculpidos a sangue pelo próprio aparelho repressor. Dilma Rousseff foi torturada durante anosa qual a Folha designou, noutro momento, como “ditabranda”. Duelou, contundente, com um Regime que a obrigou a mentir para proteger as vidas de novos possíveis torturáveis, como ela própria atestou no memorável discurso de resposta ao senador Agripino Maia (DEM - RN), quem, àquela ocasião, numa reunião de uma comissão parlamentar, levantava suspeitas acerca da honestidade da então ministra. Dilma, contudo, nada guarda de perdedora.

Aqui, acredito, encontram-se vestígios do que movimenta a Folha de S.Paulo e os interesses a ela associados. Porque apesar de matérias de capa e decisões judiciais, alguns setores sociais historicamente vencedores – ou “dominantes”, para utilizar a expressão da melhor tradição marxista – não andam vencendo o bastante neste país. Esses setores se valem da manipulação retórica das bandeiras políticas de movimentos democráticos, como a da abertura dos arquivos da ditadura, convertendo-as em alavancas para o ataque à opção popular. Basta relembrar a oposição desses mesmos setores às propostas do PNDH 3 a esse respeito e o mencionado oportunismo virá, constrangido, à tona. A abertura dos arquivos, afinal, trata-se originariamente de uma investida democrática contra os segredos de déspotas e não de um afã punitivo sobre pessoas que se levantaram contra o autoritarismo, as quais, a despeito de terminologias seletivas e conservadoras, nada têm de “terroristas”.

Militares e militantes, é verdade, estavam em lados opostos de um mesmo conflito. Entre eles, no entanto, faz-se impossível comparar responsabilizações. Não se encontravam numa “guerra justa” – se é que isso já existiu! – porém em meio a um processo categoricamente assimétrico, em que um Estado, aí sim, terrorista, mobilizava suas truculentas estruturas por cima de agrupamentos de homens e mulheres, todos em sua maioria jovens, como era o caso de Dilma Rousseff, contestadores daquela ordem arbitrária. Se alguns desses grupos e pessoas praticaram, como alguns alarmam, assaltos a bancos ou seqüestros – e não se tem, até hoje, comprovação de que Dilma é uma dessas pessoas – e se desses atos resultaram, por exemplo, mortes acidentais, a quem caberia, enfim, a culpabilização? A realidade daqueles anos, torturada tal qual a verdade extorquida e recriada nos porões, muitas vezes exigiu mais daqueles militantes do que é humanamente exigível de qualquer um dos filhos da minha geração estudantil. Seria deles então a culpa? Poderia ser Dilma Rousseff chamada de assassina? Não. Do contrário, estaríamos nós convergindo para mais uma confissão oficialesca, uma verdade dolorosamente produzida, uma ficção estruturada sobre um passado que querem brando e solenemente esquecido.
sobre os cadafalsos internos e opacos da ditadura –
Roberto Efrem Filho é mestre em direito pela UFPE e docente do Departamento de Ciências Jurídicas da UFPB.
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"Grande" imprensa assume voz da tortura e da ditadura

Editorial - Carta Maior
 
A chamada “grande imprensa” brasileira envergonha e enfraquece a nossa jovem democracia. O uso da palavra “grande”, neste caso, revela-se cada vez mais inapropriado. Não é grande no sentido da grandeza moral que uma instituição pode ter, posto que enveredou para o domínio da mesquinharia, da manipulação e da ocultação de seus reais interesses. E não é grande também no sentido quantitativo da palavra, uma vez que vem perdendo leitores e público a cada ano que passa. Mais do que isso, vem perdendo credibilidade e aí reside justamente uma das principais ameaças à ideia de democracia e de República. As empresas que representam esse setor se autonomearam porta vozes do interesse público quando o que fazem, na verdade, é defender seus interesses econômicos e os interesses políticos de seus aliados.

Falta de transparência, manipulação da informação e ocultação da verdade ditadura militar (que elas apoiaram entusiasticamente, aliás) fornece mais um prova disso. Os seus veículos estão interessados em uma parte apenas da história, como de hábito. Uma parte bem pequena. Mas bem pequena mesmo. Só aquela relacionada ao período em que a presidente eleita Dilma Rousseff esteve presa nos porões do regime militar, onde foi barbaramente torturada. O interesse é denunciar o que a presidente eleita sofreu e pedir a responsabilização dos responsáveis? Não seria esse o interesse legítimo de uma imprensa comprometida, de fato, com a ditadura? É razoável, para dizer o mínimo, pensar assim. Mas não é nada disso que interessa à “grande” imprensa.

O objetivo declarado é um só: torturar Dilma Rousseff mais uma vez. Remover o lixo que eles mesmo produziram com seu apoio vergonhoso à ditadura e tentar, de algum modo, atingir a imagem de uma mulher que teve a coragem e a grandeza de oferecer à própria vida em uma luta absolutamente desigual contra a truculência armada e o fascismo político. O compromisso com o resgate da memória do país é zero. Talvez seja negativo. Se fosse verdadeiro e honesto tal compromisso as informações dos arquivos da ditadura contra Dilma e outros brasileiros e brasileiras que usufruíram do legítimo direito da resistência contra uma ditadura não seriam publicadas do modo que estão sendo, como sendo um relato realista do que aconteceu. Esse relato, nunca é demais lembrar, foi escrito pelas mesmas mãos que torturavam, aplicavam choques, colocavam no pau de arara, violentavam e assassinavam jovens cujo crime era resistir a sua perversidade assassina e mórbida.

Ao tomar esses relatos como seus e dar-lhes legitimidade a chamada “grande imprensa” está assinando definitivamente seu atestado de óbito como instituição democrática. O problema é mais grave do que simplesmente alimentar um terceiro turno de uma eleição que já foi decidida pela vontade soberana do povo. O mais grave é tomar a voz da morte, da violência e do arbítrio como sua! Tomar a voz do torturador como sua e vendê-la à sociedade como se fosse uma informação útil à democracia e ao interesse público.

O que seria útil à democracia e ao interesse público neste caso seria publicar o arquivo secreto do comportamento dessa imprensa durante a ditadura. É verdade que a Folha de S.Paulo emprestou carros para transportar presos que estavam sendo ou seriam torturados? Se esse jornal está, de fato, interessado em reconstruir a história recente do Brasil por que não publica os arquivos sobre esse episódio? Por que não publica o balanço de quanto dinheiro ganhou com publicidade e outros benefícios durante os governos militares? Por que o jornal O Globo não publica os arquivos secretos das reuniões (inúmeras) do sr. Roberto Marinho com os generais que pisotearam a Constituição brasileira e depuseram um presidente eleito pelo voto popular?

Obviamente, nenhuma dessas perguntas será motivo de pauta. E a razão é muito simples: essas empresas e seus veículos não estão preocupadas com a verdade ou com a memória. Mais do que isso, a verdade e a memória são obstáculos para seus negócios. Por essa razão, precisam sequestrar a verdade e a memória e apresentar-se, ao mesmo tempo, como seus libertadores. É uma história bem conhecida em praticamente toda a América Latina, onde a imensa maioria dos meios de comunicação desempenhou um papel vergonhoso, aliando-se sistematicamente a ditaduras e a oligarquias decrépitas e sufocando o florescimento da democracia e da justiça social no continente.
constituem o tripé editorial que anima as pautas e as colunas de seus porta vozes de plantão. O repentino e seletivo interesse dessas empresas por uma parte da história do Brasil no período da

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