Sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Por Mauro Malin
Estão cobertos de razão, no caso dos documentos da ditadura sobre a atuação política de Dilma Rousseff, os que impugnam liminarmente tudo que foi obtido sob tortura. Ora, como podem os jornalistas construir reportagens com base no que ficou registrado judicialmente após a militante presa ter sido submetida a torturas? O Estado de S.Paulo, na edição de sábado (20/11), abordou o assunto com propriedade. Tanto na reportagem de Tatiana Fávaro como no comentário de Marcelo Godoy, o contexto em que foi produzida a papelada é colocado em relevo. A Folha de S.Paulo e o Globo, entretanto, tomaram ao pé da letra o legado dos esbirros.
Os três jornais, infelizmente, valorizam o fato de que a torturada tenha revelado isso ou aquilo.
Muito anos atrás, fiz na França um trabalho universitário sobre a política do Partido Comunista Italiano. Não encontrei, na considerável literatura compulsada, nenhuma "cobrança" em relação a "comportamento" de torturados. Nem na Itália, nem na França, nem em qualquer outro lugar onde agiram a Gestapo e outros organismos de repressão política. Lembro-me de ter comentado várias vezes o assunto com meu amigo Armenio Guedes, veterano dirigente comunista, e ter obtido sempre a mesma resposta: "Depois da guerra, ninguém na Europa se mostrou interessado em discutir quem falou ou não falou sob tortura. Isso não faz sentido."
Lição para as atuais e futuras gerações A tortura, escreveu um sobrevivente da Gestapo e de Auschwitz, Jean Améry, "é o mais horrível evento que um ser humano pode reter na memória". Quando, portanto, jornais transcrevem "revelações" escritas por algozes, descem aos porões enlameados que eram o universo de eleição dos torturadores.
Em relação ao que Dilma Rousseff possa ter feito ou deixado de fazer ao longo de sua militância, remeto a tópico que escrevi em agosto sobre reportagem da revista Época. Chama-se "Revista ignora a anistia".
O melhor aproveitamento que pode ser dado à documentação sobre Dilma Rousseff é usá-la para denunciar a tortura ‒ ainda em pleno uso contra "presos comuns" ‒ e a repressão política. Essa é a lição que precisa ficar para as atuais e futuras gerações de brasileiros.
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