O Estado de São Paulo, 20 de novembro de 2010
Desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) centralizou o julgamento de processos administrativos abertos contra juízes acusados de nepotismo, tráfico de influência e corrupção, passando a fazer o que as corregedorias judiciais não vinham fazendo por razões corporativas, as entidades sindicais da magistratura lançaram duas frentes de luta para reduzir as sanções que podem ser aplicadas a integrantes da categoria. Em quase cinco anos de funcionamento, o CNJ já puniu 26 magistrados.
Na arena parlamentar essas entidades tentam evitar a aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que agrava a pena administrativa máxima a juízes corruptos. Prevista pela Lei Orgânica da Magistratura, a aposentadoria compulsória é a maior punição administrativa que um juiz pode sofrer. Ela foi aplicada a 19 dos 26 magistrados já condenados pelo CNJ - entre eles, 3 desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, 1 desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e até de 1 ministro do Superior Tribunal de Justiça, que no passado dirigiu a Associação dos Magistrados Mineiros, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Federação Latino-americana de Magistrados. Os dois últimos foram acusados de terem recebido dinheiro em troca de concessão de liminares e de darem sentenças favoráveis a empresas de caça-níqueis.
O problema da aposentadoria compulsória é que ela premia o magistrado condenado no plano administrativo por corrupção com salários proporcionais ao tempo de serviço. Alegando que essa prerrogativa é imoral, foram apresentadas duas PECs com o objetivo de revogá-las. A primeira foi apresentada em 2003 pela senadora Ideli Salvatti (PT-SC). A segunda PEC, de autoria do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), foi protocolada em 2007. Enquanto esta última vem tramitando lentamente, a primeira já foi aprovada em dois turnos pelo Senado. Mas, na Câmara, acaba de sofrer a primeira derrota.
Atendendo a um pedido da AMB, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), emitiu parecer contrário ao seu acolhimento. Endossando a tese da entidade, cujos diretores acusam a PEC da senadora Ideli Salvatti de "fragilizar" a magistratura, ele afirmou que o afastamento de juízes por decisão administrativa deixa a corporação vulnerável a "perseguições ou censura". Segundo Padilha, penas como perda do cargo só poderiam ser decretadas por sentença judicial. "A proposta não retira garantias dos magistrados, que devem estar incomodados com as decisões do CNJ", refuta o presidente da OAB, Ophir Cavalcanti.
A outra frente de luta da magistratura foi aberta no campo judicial. Em nova ofensiva contra o CNJ, a AMB e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) ajuizaram duas ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) questionando a competência do órgão para baixar resoluções com o objetivo de coibir a corrupção nos tribunais. O principal alvo das duas entidades é a Resolução n.º 30, que uniformizou os procedimentos para o julgamento administrativo de juízes acusados de irregularidades. Baixada em 2007, ela foi recebida pela magistratura como uma capitis diminutio das corregedorias judiciais. Para a AMB e a Anamatra, o CNJ não poderia legislar administrativamente sobre a matéria, devendo limitar-se ao exame das decisões dos tribunais e suas corregedorias.
Se ceder ao corporativismo e julgar favoravelmente as duas Adins, o Supremo estará promovendo um perigoso retrocesso. Isso porque, se a Resolução n.º 30 for considerada inconstitucional, as 19 aposentadorias compulsórias já aplicadas pelo órgão responsável pelo controle externo do Judiciário, em cinco anos de existência, poderão ser anuladas. E, com isso, juízes condenados por corrupção poderão retornar à carreira.
A OAB e o MP já começaram a se mobilizar para tentar deter o poderoso lobby da magistratura nos campos político e jurídico. O embate mostra como é difícil modernizar as instituições brasileiras e acabar com o corporativismo que compromete sua eficiência e credibilidade.
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