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Folha.com, 30 de abril de 2015
Por Clóvis Rossi
Martin Luther King tinha, entre outros, um sonho: que seus filhos no futuro não fossem julgados pela cor de sua pele.
Meio século depois do fim (no papel) da segregação racial, o sonho não se realizou: negros continuam a ser mortos apenas pela cor de sua pele.
É o que demonstram os incidentes de Baltimore, apenas os mais recentes em uma série de eventos em que jovens negros são mortos pela polícia.
Nos dias de Luther King, o então presidente, Lyndon Johnson, criou uma comissão, a Kerner Comission, para analisar incidentes semelhantes aos de Baltimore agora.
O relatório da comissão, lembra o "Financial Times", dizia: "Nossa nação se move na direção de duas sociedades, uma negra e uma branca - separadas e desiguais".
Acrescentava: "A segregação e a pobreza criaram no gueto racial um ambiente destrutivo totalmente desconhecido para a maioria dos americanos brancos."
Estamos falando de 1967, ano em que a comissão Kerner emitiu seu relatório. Mas poderíamos estar falando de 2015.
Afinal, em 2015, a segregação já não existe legalmente, mas os negros têm três vezes mais possibilidades do que os brancos de serem pobres e seis vezes mais de irem para a cadeia.
Feche o foco para as áreas mais atingidas pela crise de Baltimore e fique sabendo que 45% da população entre 16 e 64 anos da Grande Mondawmin, onde os distúrbios começaram, não estiveram empregados entre 2008 e 2012.
E que na área em que vivia Freddie Gray, a mais recente vítima da brutalidade policial, a porcentagem é ainda maior (52%). Um terço das casas estavam abandonadas.
Volte a abrir o foco para o conjunto do país e descubra dados alarmantes, de acordo com recente levantamento publicado pelo "The New York Times": para cada 100 mulheres negras entre 25 e 54 anos, há apenas 83 homens negros, quando, na população branca equivalente, existe paridade.
Significa que faltam, no cotidiano das cidades, 1,5 milhão de homens negros ou por estarem na prisão ou por terem sido vítimas de morte prematura.
A consequência inexorável desse quadro é simples de expor: famílias desestruturadas, crianças cuidadas apenas pela mãe, por sua vez obrigada a deixá-las com terceiros para poder trabalhar e sustentá-las, tornando-se presa fácil para as gangues e para as drogas.
Volte-se a Baltimore e o colunista do "Baltimore Sun", Dan Rodricks, traça um retrato da cidade nos quase 50 anos transcorridos desde a explosão racial de 1968, na esteira da morte do reverendo King:
"Os distúrbios daquela época aceleraram a fuga dos baltimoreanos [brancos, entenda-se] para os subúrbios. A população da cidade continuou a cair. Alguns dos bairros mais atingidos pelos distúrbios da época da morte de King jamais se recuperaram ou levaram anos para voltar a algo que se poderia chamar de estabilidade. Os distúrbios e a perda das indústrias, a alta concentração de pobreza nos lados oeste e leste [predominantemente negros] deixaram a cidade de Baltimore quebrada".
Meio século depois, os Estados Unidos continuam com uma fratura exposta.
EUA, a fratura exposta
Por Clóvis Rossi
Martin Luther King tinha, entre outros, um sonho: que seus filhos no futuro não fossem julgados pela cor de sua pele.
Meio século depois do fim (no papel) da segregação racial, o sonho não se realizou: negros continuam a ser mortos apenas pela cor de sua pele.
É o que demonstram os incidentes de Baltimore, apenas os mais recentes em uma série de eventos em que jovens negros são mortos pela polícia.
Nos dias de Luther King, o então presidente, Lyndon Johnson, criou uma comissão, a Kerner Comission, para analisar incidentes semelhantes aos de Baltimore agora.
O relatório da comissão, lembra o "Financial Times", dizia: "Nossa nação se move na direção de duas sociedades, uma negra e uma branca - separadas e desiguais".
Acrescentava: "A segregação e a pobreza criaram no gueto racial um ambiente destrutivo totalmente desconhecido para a maioria dos americanos brancos."
Estamos falando de 1967, ano em que a comissão Kerner emitiu seu relatório. Mas poderíamos estar falando de 2015.
Afinal, em 2015, a segregação já não existe legalmente, mas os negros têm três vezes mais possibilidades do que os brancos de serem pobres e seis vezes mais de irem para a cadeia.
Feche o foco para as áreas mais atingidas pela crise de Baltimore e fique sabendo que 45% da população entre 16 e 64 anos da Grande Mondawmin, onde os distúrbios começaram, não estiveram empregados entre 2008 e 2012.
E que na área em que vivia Freddie Gray, a mais recente vítima da brutalidade policial, a porcentagem é ainda maior (52%). Um terço das casas estavam abandonadas.
Volte a abrir o foco para o conjunto do país e descubra dados alarmantes, de acordo com recente levantamento publicado pelo "The New York Times": para cada 100 mulheres negras entre 25 e 54 anos, há apenas 83 homens negros, quando, na população branca equivalente, existe paridade.
Significa que faltam, no cotidiano das cidades, 1,5 milhão de homens negros ou por estarem na prisão ou por terem sido vítimas de morte prematura.
A consequência inexorável desse quadro é simples de expor: famílias desestruturadas, crianças cuidadas apenas pela mãe, por sua vez obrigada a deixá-las com terceiros para poder trabalhar e sustentá-las, tornando-se presa fácil para as gangues e para as drogas.
Volte-se a Baltimore e o colunista do "Baltimore Sun", Dan Rodricks, traça um retrato da cidade nos quase 50 anos transcorridos desde a explosão racial de 1968, na esteira da morte do reverendo King:
"Os distúrbios daquela época aceleraram a fuga dos baltimoreanos [brancos, entenda-se] para os subúrbios. A população da cidade continuou a cair. Alguns dos bairros mais atingidos pelos distúrbios da época da morte de King jamais se recuperaram ou levaram anos para voltar a algo que se poderia chamar de estabilidade. Os distúrbios e a perda das indústrias, a alta concentração de pobreza nos lados oeste e leste [predominantemente negros] deixaram a cidade de Baltimore quebrada".
Meio século depois, os Estados Unidos continuam com uma fratura exposta.
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