quinta-feira, 16 de abril de 2015

Justiça e Meritocracia





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Brasil Post, 16 de abril de 2015



Justiça e Meritocracia



Por Tayná Leite
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Uma quantidade expressiva de pessoas acredita estar onde está porque trabalhou (ou alguém por ela) por isso e que quem não está é porque não trabalhou ou trabalhou pouco (ou quem por ela).

Tendo sido algumas vezes citada em roda de amigos e até para desconhecidos como exemplo de determinação e força de vontade, gostaria de usar este espaço para deixar bem claro: não estou onde estou porque trabalhei por isso... Estou onde estou porque sou branca, inteligente, de classe média e tive muitas oportunidades. Sim, agarrei-as e transformei o meu privilégio e oportunidades em frutos positivos para mim e a minha família. Mas tenho plena consciência de que em outro contexto as coisas poderiam ter sido completamente diferentes.

A questão da maioridade penal é apenas uma das que tem me tocado profundamente pois não consigo crer que 80% da população realmente não enxergue a catástrofe na qual estamos nos dirigindo caso isso de fato passe. A discussão política cada vez mais agressiva e desprovida de empatia e a indiferença de muitas pessoas ao sofrimento humano também têm me deixado bastante perplexa e, por vezes, desesperançosa.

Não acho que seja questão de tirar o livre arbítrio das pessoas. É questão de permitir que todos possam sair do mesmo ponto de partida. É não punir mais ainda as vítimas. É compreender que reconhecer privilégios não desmerece e nem diminui o seu esforço (ou de quem por você).

Particularmente eu vejo a meritocracia como a falácia na qual os privilegiados se agarram para justificar para si mesmos as injustiças deste mundo.

Eu mesma já acreditei nessa falácia e algumas vezes me espelhei no meu exemplo para bradar essas barbaridades por aí. Afinal de contas não é fácil admitir para si mesma e para os outros que mais do que tudo nessa vida o que eu tive foi: SORTE!

Sim, sorte de nascer em uma família com dificuldades financeiras mas com um background financeiro. Sorte de os malucos dos meus pais terem ido morar na Itália e eu ter tido um ensino básico de primeira. Sorte de ter uma inteligência acima da média e sempre ter me destacado nos ambientes escolares e depois profissionais.

Sorte de saber cativar as pessoas certas e de elas se mobilizarem por mim. Sorte por ser branca, sorte por não ter nenhuma limitação física que limitasse minha aceitação e por aí vai... Como diria o já saudoso Eduardo Galeano: "A primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la."

"Ahhhhh que exagero! Você acha então que é tudo uma questão fatalista e que as pessoas não têm escolha e o esforço não deve ser recompensado?" Não! Não acho!

Acho que as pessoas têm escolha dentro de seus contextos e nem sempre o esforço é recompensado pois vivemos em uma sociedade injusta. Acho que pessoas que como eu possuem tudo quanto é tipo de privilégio têm a obrigação moral de ajudar a melhorar a situação de quem ficou lá atrás no sorteio da vida!

E, mais do que tudo acredito em um pensamento como o de John Rawls:
"Fazer justiça não é recompensar o mérito moral. Fazer justiça consiste em ter benefícios advindos da cooperação social, em cumprimento às regras do jogo (principio das igual liberdade e princípio da diferença). Justiça, portanto, nada tem que ver com a loteria da vida, isto é da diferença natural, justiça tem que ver com como as instituições lidam com esses fatos."
Espero e peço ao Universo todos os dias que a minha condição atual jamais me faça esquecer das injustiças e misérias deste mundo e nem de estender o braço para quem não tem, não teve e não terá a mesma sorte! 
 
 

*Feminista, advogada,  executiva, palestrante e uma mulher atrás das perguntas certas...


 

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