segunda-feira, 6 de abril de 2015

Polifonia e ódio de classes dos 'filhos da mídia'








Carta Maior, 16/03/2015



Manifestações da 'middle class': polifonia e ódio de classes dos 'filhos da mídia'



Por Francisco Fonseca



As manifestações ocorridas no domingo, dia 15/03, encerram algumas lições que, embora mereçam maior maturação, podem ser sintetizadas em alguns temas-chave.

 
POLIFONIA
 
O primeiro deles refere-se à constatação de que os manifestantes não têm um foco claro e sobretudo não têm a mínima noção sobre o processo político. Em outras palavras, há clara polifonia de insatisfações, envoltas num conservadorismo difuso: crítica genérica à corrupção, preocupação com a perda de privilégios, sentimento de “caos”, temor quanto ao futuro econômico, crença em governo sem partidos, arroubos autoritários, não aceitação do resultado eleitoral e, claro, a ira contra um partido que promoveu importante diminuição das desigualdades sociais.
 
Essa polifonia, com alguns outros elementos, já fora vista em junho de 2013 e, agora, quase que como extensão dela, se renova com o resultado eleitoral extremamente apertado no ano passado.
 
Deve-se notar que esse conservadorismo difuso, que imputa ao PT a causa dos males do país e, sobretudo, desse grupo particular de manifestantes, uma vez que pertencentes a estratos sociais homogêneos, estava presente desde as reformas do Governo Lula, mas somente no ano passado adquiriu densidade.
 
Em outras palavras, aparentemente os eventos de junho de 2013 – iniciados por jovens estudantes militantes de uma causa popular, a “tarifa zero” – alavancaram, paradoxalmente, os setores conservadores, o que pode ser expresso em três eventos: polarização eleitoral à presidência, Congresso Nacional extremamente conservador e, agora, manifestações de rua.
 
 
O ÓDIO DE CLASSE DA “MIDDLE CLASS” TRADICIONAL
 
A classe média “tradicional”, composta, entre outros, por profissionais liberais, por executivos de médio e alto escalão de empresas, normalmente privadas, e de uma gama de trabalhadores que vivem “por conta própria” – caso de certos tipos de consultores e um sem-número de prestadores de serviços –, cuja renda é alta, desenvolveram ódio de classe aos pobres sem igual.
 
Esses grupos associam o PT ao “definhamento do mérito individual” em razão: a) das políticas redistributivas, sobretudo da transferência de renda via Bolsa Família, que supostamente implicaria “ajuda aos não merecedores” e formação de “curral eleitoral”; b) da participação dos pobres, dos trabalhadores sindicalizados e dos movimentos sociais nas políticas de governo; e c) da percepção simbólica de que se trata de um governo “para” os trabalhadores, em que a classe média tradicional não teria espaço; d) do incômodo de que a ascensão econômico/social dos trabalhadores faz com que esses grupos ocupem espaços reais – mas com profunda significação simbólica – até então exclusivo desta classe média e das elites. Alguns exemplos são marcantes: cotas para grupos vulneráveis, notadamente os negros, em universidades e cargos públicos; revisão da forma de ingresso na universidade, retirando o vestibular – instrumento de filtragem das elites – como única forma para tanto; acesso a bens de consumo e serviços jamais tidos pelos pobres, casos dos automóveis, viagens aéreas, frequência e consumo em shopping centers, consumo de bens de determinadas marcas etc. Em outras palavras, a “meritocracia”, verdadeira ideologia utilizada para justificar privilégios históricos, nesse caso, estaria, de acordo com essa percepção, sendo corroída pelos governos petistas: daí o ódio potencial ao PT, mas agora ostensivo e destituído de vergonha de se pronunciar. Afinal, o lema “cada macaco no seu galho” estaria sendo desrespeitado pelo petismo, o que seria inadmissível a uma sociedade cujas entranhas ainda é fortemente hierárquica e desigual (em vários sentidos), uma vez que os legados latifundiário e escravista não foram desfeitos.
 
Essa middle class, cujo norte é a simbologia do “self made man” estadonidense, percebeu que, pelo voto, não ganhará e, dessa forma, parece ter descoberto o uso das redes sociais para se mobilizar, o que é inédito em se tratando desse agrupamento social, cuja visão predominante é o individualismo.
 
Mas deve-se atentar para o papel jogado pelos “inocentes úteis” das chamadas “classes médias ascendentes”, em que o papel das políticas governamentais petistas é crucial para sua ascensão, por meio do ProUni, da valorização do salário mínimo, da ampliação e consolidação do mercado interno, da extensão do crédito (produtivo e ao consumidor), da ampliação das universidades públicas e de seu acesso mais diverso (como apontamos acima), entre outras. Esses grupos, genericamente chamados de “classe C”, tendem a reproduzir o discurso de valorização do mérito individual, esquecendo-se que sua ascensão é resultante da vontade política, consolidada em políticas públicas, reitere, dos Governos Lula e Dilma. Daí deriva o perigo do discurso das classes médias tradicionais e das elites se “popularizarem”, virando a tendência reformista incremental de centro-esquerda representada – embora de forma bastante contraditória – pelo petismo, em prol do conservadorismo de uma “nova direita”.
 
 
OS FILHOS DA MÍDIA
 
Está claro que a despolitização em geral, mas particularmente das classes médias, advém diretamente do papel dos meios de comunicação, cujo sistema institucional/legal, de influência política, e modelo de negócio não foi alterado com a redemocratização.
 
O desserviço à democracia que o aparato de emissoras de rádio e televisão – que são concessões públicas, nunca é demais relembrar – e os grandes jornais e revistas fizeram, particularmente desde a redemocratização, e fazem ao país é elemento crucial para a constituição da visão tosca dos manifestantes. Assim, a junção de “interesse de classe”, que motiva defesa de privilégios, se junta com a mais completa ignorância política, manifesta na despolitização generalizante, na incapacidade de reflexão (senso comum) e na insolidariedade social.
 
Tal como apontado por diversos analistas, parte desses grupos que foram às manifestações polifônicas de 2013, que votaram – em grande parte – em Aécio e Marina –, e que agora foram às manifestações do dia 15/03, são claramente “filhos da mídia, o que implica, sem meias palavras: capacidade manipulatória dos grandes meios de comunicação, sobretudo a Rede Globo de Televisão; inculcação estrutural da “ignorância política”, mesmo em tempos de acesso à internet e redes sociais – instrumentos de que são useiros e vezeiros – , o que torna suas capacidades críticas bastante limitadas, tal como se vê nos discursos tanto dos “líderes” como dos “liderados”; e profunda despolitização.
 
Não é coincidência que a crítica generalizada aos partidos – embora com ódio particular ao PT –, à política e mesmo à democracia apareça como elemento basilar do discurso antipolítico. É por isso, igualmente, que as lideranças que promoveram as manifestações do dia 15/03, e mesmo as anteriores, logo após as eleições, são distantes dos partidos e adotam forte discurso antipardidário e mesmo antipolítico. Nesse cenário, o PSDB e outros partidos de oposição que, ao apoiar irresponsavelmente o pedido de “impeachment” no bojo de toda forma de preconceito e criminalização do PT, não perceberam que têm grandes chances de serem tragados por movimentos outsiders. Isso representa enorme perigo à democracia e ao sistema político, uma vez que põe por terra instituições, procedimentos e processo democrático sem ter nada a oferecer em seu lugar!
 
A inapetência e falta de coragem política do PT em reformar democraticamente a mídia, como o fizeram a Argentina, o Uruguai, o Equador, assim como a Inglaterra, entre outros, está custando caro ao próprio PT e à democracia como um todo. Mais ainda, a manutenção bilionária da verba publicitária destinada à grande mídia, mesmo com toda forma de boicote, mentiras, manipulação e golpismo de seus órgãos, em nome supostamente da “aliança de classes”, que se esgotou, aparentemente explica a timidez reformista nesse quesito.
 
Tal mídia golpista, apoiada numa base social insatisfeita, está ganhando sobrevida, uma vez que crescentemente perde leitores, ouvintes e telespectadores. As manifestações de 15/03 foram, portanto, conclamadas, infladas e coordenadas pelos grandes meios privados de comunicação, capitaneadas pelo Sistema Globo de Comunicação.
 
Não deixa de ser significativo que, sem isso, certamente o número de participantes seria muito menor, até pelo perfil individualista, despolitizado e desmobilizado dessas classes médias.
 
 
A DIREÇÃO IDEOLÓGICA DO MOVIMENTO
 
Se a direção operacional das manifestações, que as organizaram, se dá por grupos “ingênuos” (quanto ao significado do jogo político) e “amadores” (quanto ao distanciamento do sistema institucional), a verdadeira direção ideológica e política está nas mãos de setores do capital, caso sobretudo do capital financeiro, associado a frações do capital produtivo. O Sistema Globo de Comunicação ocupa papel central na canalização desses grupos, que os financiam, por meio de patrocínio, o que implica articulação orgânica.
 
Foi assim nas manifestações de junho de 2013, em que a mudança de posição da Rede Globo foi muito significativa, tendo em vista que sentiu estar distante do “sentimento dos manifestantes”. Aparentemente aprendeu a lição e, agora, além de invocar, conclamar e, num certo sentido, organizar as manifestações, quer claramente dirigir suas ações desde o nascedouro, controlando-as, tal como nos ensinou Gramsci.
 
O que está em jogo, a partir de agora, mesmo que os manifestantes sejam os eleitores de Aécio ou simplesmente antipetistas, ancora-se na seguinte indagação: conseguirão pautar as ações governamentais, o que, na prática, significa transmitir pautas dos “dirigentes” político/ideológicos do movimento? Mais ainda, contribuirão para manter o Governo Dilma “nas cordas”, esperando apenas o gongo tocar para acabar a luta, consagradora, isto é, fazer “sangrar” não apenas o governo mas o PT e o projeto petista por quatro anos, como expressou o senador Aloysio Nunes?
 
 
O QUE FAZER?
 
Longe de se ter uma “receita”, e muito menos pronta e acabada, antes de tudo há de se ler a realidade e ter estratégias e táticas claras e articuladas, o que significa concretamente: a) defender renhidamente que o país está muito melhor do que quando Lula ascendeu ao poder; b) não se intimidar (“sair das cordas”), adotando postura propositiva e não defensiva; c) extinguir completa e imediatamente toda e qualquer verba federal de todos os meios de comunicação comprometidos com o golpismo, ato que depende do Executivo; d) mudar, o mais rapidamente possível, a articulação política no Congresso e aproximar-se dos movimentos sociais; e) compreender que a “conciliação de classes” se esgotou, como se observa na fragorosa derrota à presidência da Câmara dos Deputados, o que implica arcar com os ônus da coalizão, sem qualquer bônus; f) criar, paulatinamente, e com forte apoio popular da sociedade politicamente organizada, formas de alterar o modus operandi do Congresso, notadamente por meio da pressão social; g) compreender que, se não houver claro projeto de poder a possibilidade de o legado petista ser liquidado é muito grande, o que poderá implicar retrocesso de diversos direitos sociais; h) trazer os militantes “de volta” ao apoio a um projeto de poder, tal como o foi no segundo turno das eleições, o que somente se fará se houver alteração na política econômica (ajustes mais leves tocados por um ministro atinente a um projeto popular, o que não passa pela permanência de Joaquim Levy) e não retrocesso de direitos; i) responder aos manifestantes das classes médias e aos movimentos populares com projeto de reforma política, o que implica, por exemplo, encampar a proposta da Coalizão pela Reforma Política; j) trazer para esse projeto setores das classes médias, que se sentem completamente abandonados, por meio de políticas como a taxação de grandes fortunas, impostos efetivamente progressivos etc: numa palavra, desoneração tributária das classes médias pela via da taxação das grandes fortunas.
 
A grande questão diz respeito a uma aliança entre os pobres e setores das classes médias, tal como ocorreu no mundo nórdico, e não a aliança de todos com todos, em que não se enfrentam nenhum dos grandes problemas nacionais, tais como agronegócio, política tributária, grandes fortunas, etc.
 
Entre tantas outras ações, as ideias acima são linhas gerais para se pensar em substituir a lógica da coalizão para governar, efetivar a reforma política e a mudança de rumo na economia (em prol do crescimento com distribuição de renda).
 
Nenhuma dessas ideias são fáceis de se implantar, pois esbarram, como nunca, num Congresso hostil, numa mídia golpista e em largos setores médios com “sangue nos olhos”, num contexto em que a economia mundial ainda sofre com os efeitos do crash de 2008. Ainda assim, o espaço para a inventividade da política é enorme.
 
As manifestações de 15/03, para além do número dos participantes – em que as Polícias Militares dos tucanos ajudaram a inflar –, e cujo perfil é sobejamente conhecido, pode ser um “traque” ou uma “dinamite”. Os próximos lances o revelarão, mas ao PT, à centro-esquerda e ao governo federal cabem tarefas de curto e médio prazos no sentido de estancar a sangria, sair das cordas, defender seu projeto – que precisa ser cada vez mais popular, mas incorporador de segmentos das classes médias em detrimento do grande capital –, e criar condições para que novas bases sociais sejam criadas e recriadas a ponto de derrotar, tantas outras vezes mais, o conservadorismo elitista, o neoliberalismo e o ódio de classes!
 
Não é pouca coisa o que está em jogo!
 
 
 
 




06/04/2015 na edição 845




Por que não há uma narrativa pública alternativa?


Por Venício A . de Lima 



Cinco meses se passaram desde o segundo turno das eleições presidenciais de 2014. Os votos foram apurados, o Tribunal Superior Eleitoral declarou um vencedor que tomou posse e assumiu o poder em 1º de janeiro de 2015. Apesar de tudo isso, a sensação que se tem ao se ler, ouvir ou assistir ao noticiário político dominante nos oligopólios privados de mídia é de que permanecemos em campanha eleitoral, estamos às vésperas de um “terceiro turno”.

A instrumentalização partidária oposicionista reafirma, dia após dia, que vivemos o pior de todos os mundos e que a culpa por “tudo que está aí” recai exclusivamente na presidente da República reeleita e em seu partido. E que ainda vai piorar. E muito.

Em relação aos estados onde houve vitória da oposição política – se o exemplo do Distrito Federal puder ser generalizado – os problemas de hoje, mesmo se decorrentes do excesso de chuva que acaba de despencar, continuam sendo atribuídos exclusivamente aos descalabros do derrotado governo anterior, aliás, do mesmo partido da presidente reeleita.

Esse jornalismo do “quanto pior melhor” sempre assentado na historicamente falsa retórica de combate à corrupção e de defesa da democracia – acaba por contaminar até mesmo mentes supostamente esclarecidas. Elas se recusam a “pensar para além” do noticiário partidarizado e, sem ignorar a gravidade da crise econômica e dos diversos inquéritos sobre corrupção em andamento (Lava Jato e Zelotes, dentre outros), ignoram os fartos indícios do jogo de interesses que está sendo jogado nos e pelos oligopólios de mídia.


Linguagem pública dominante

Raras vezes terão os oligopólios de mídia e seus muitos “intelectuais deferentes” (Bourdieu) praticado de forma tão homogênea  a mesma pauta, o mesmo enquadramento, seletividade e omissão em relação aos fatos a serem noticiados e a mesma linguagem pública. Tudo sem o contraditório, sem vozes alternativas.

Ao contrário de outras eleições, agora não foram desativados os aparatos profissionais de guerrilha digital utilizados contra o governo e seus aliados ao longo da campanha eleitoral de 2014. Assim, “robôs” [cinquenta?] de alto custo [estimativa de 10 milhões entre novembro e março] continuam alimentando permanentemente com conteúdos de intolerância e ódio as redes sociais virtuais.

Da mesma forma, na grande mídia e nas redes sociais vem sendo construída, dia após dia, uma linguagem pública que associa a presidente, seu governo e seu partido como agentes históricos exclusivos da corrupção brasileira. Essa linguagem converge com a radicalização dos movimentos de rua cuja liderança, aparentemente espontânea, não consegue mais disfarçar a existência de pelo menos uma coordenação estratégica originária no núcleo pensante da oposição partidária.

Derrotada nas eleições presidenciais, ameaçada na exclusividade do seu paraíso consumista e amparada no moralismo udenista histórico, a classe média elitizada dos principais centros urbanos “coloca tudo no mesmo saco” e – com o entusiasmo explícito da mídia comercial – sai às ruas para se manifestar contra a corrupção, contra o PT, a favor do impeachment. E mais. Para o pesadelo daqueles que viveram os meses e dias que antecederam ao golpe civil-militar de 1964 – se apropria do verde e amarelo para fazer renascer slogans do tempo da Guerra Fria como “o Brasil jamais será vermelho”, para mandar os eleitores vencedores para “a Cuba que os pariu”, para dar um basta na “doutrinação marxista” de Paulo Freire e para pedir a volta dos militares.

A linguagem pública que se consolida, de forma seletiva e cínica, entende como prova de corrupção até mesmo o que não passa da mais simples normalidade democrática como, por exemplo, a indicação de um novo ministro ligado ao partido que venceu as eleições. Na verdade, como afirmou Bernardo Kucinski, o golpe no plano ideológico-midiático, já foi dado e foi vitorioso. A esquerda ‘morreu’ da forma mais ignominiosa possível, acusada de venal e corrupta”.


“Justos  e corretos”

E por que não há uma narrativa pública alternativa, por que não se ouvem no espaço público vozes que reconheçam eventuais erros, respondam a acusações infundadas e reajam à tática kafkiana de se buscar o crime depois de decidida a sentença? Sobretudo, por
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que não há uma narrativa pública alternativa
que, para além de governos e partidos, defenda o processo democrático contra ameaças golpistas e combata a incrível amnésia daqueles que pedem a volta da ditadura?

A resposta óbvia a esta pergunta é porque os oligopólios privados de mídia controlam a agenda e o acesso ao debate público. E eles jamais foram, não são e nunca serão plurais e diversos. Mas não se trata apenas disso.

Na verdade, quem primeiro deveria estar interessado na construção de uma narrativa pública alternativa seria o governo reeleito e seus partidos aliados. Também os movimentos sociais e sindicatos que defendem o projeto que garantiu o sucesso de políticas de inclusão social. Todavia, a mídia estatal (NBR) e pública (EBC), os blogs, portais e redes sociais, a mídia comunitária e sindical, todos em conjunto, não são capazes de construir uma narrativa pública alternativa.

No que se refere ao governo, falta apoio e comprometimento com a mídia pública para que ela, como reza a Constituição (artigo 223) e a exemplo do que ocorre em outras democracias, se constitua em complemento e alternativa de qualidade à mídia privada comercial.

Por outro lado, há uma secretaria que trata especificamente da comunicação, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República. Cabe a ela coordenar a divulgação de informação pública e também a distribuição dos recursos da publicidade oficial.

O grande paradoxo, todavia, é que os critérios técnicos utilizados para distribuição das verbas oficiais de publicidade têm financiado e consolidado, ao longo dos anos, exatamente os oligopólios de mídia que constroem a linguagem pública dominante, sem pluralidade e sem diversidade.

Na verdade, uma Instrução Normativa publicada no Diário Oficial da União às vésperas do Natal de 2014, tornou ainda mais rigorosos os critérios técnicos já em vigor e praticamente exclui as pequenas empresas de mídia da distribuição das verbas oficiais de publicidade (cf. Instrução Normativa nº 7, de 19 de dezembro de 2014, publicada no DOU de 23 de dezembro de 2014).

Na posse do novo ministro da Secom-PR, na terça-feira (31/3), a presidente da República, além de renovar seu compromisso constitucional com as liberdades de expressão e da imprensa, fez referencia a atuação da Secom-PR dentro do que chamou de “critérios justos e corretos”. Como não se sabe exatamente o que “justos e corretos” virão a significar na prática da execução das políticas de comunicação social, resta esperar para ver.


O papel do Estado e os riscos da crítica

Nas democracias contemporâneas, o apoio financeiro do Estado às empresas alternativas de mídia é praticado em nome da diversidade e da pluralidade sem as quais a liberdade de expressão, como bem sabemos, se transforma em privilégio de uns poucos oligopólios.

Se não houver apoio do Estado brasileiro à mídia pública e comunitária, se não se alterar a política de distribuição dos recursos de publicidade oficial e se, como manda a Constituição de 1988, não se regular o § 5º do artigo 220 que proíbe monopólios e oligopólios nos meios de comunicação social, jamais teremos uma linguagem alternativa àquela dos oligopólios de mídia no espaço público.

Em períodos de crise política, intolerância, ódio e falsas unanimidades, a postura crítica em relação aos oligopólios de mídia significa correr o risco de ser acusado de partidarismo e/ou de ignorar a crise e/ou, ainda, de defender “o controle da mídia para impedi-la de denunciar a corrupção do governo”.

A hora exige que se corra este risco.



Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim de Em defesa de uma opinião pública democrática – conceitos, entraves e desafios (Paulus, 2014), entre outros livros

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