quinta-feira, 30 de abril de 2015

O “confronto” de Curitiba





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Observatório da Imprensa, 30 de abril de 2015



O “confronto” de Curitiba


 
Por Luciano Martins Costa



 
 
 
A imprensa brasileira descobriu, da pior maneira possível, que existe um estado de tensão entre o governo do Paraná e os servidores públicos do Estado, e que o principal foco dessa situação é o descontentamento dos professores da rede oficial de ensino. A pior maneira de a mídia se relacionar com um fato que tenta inutilmente esconder acontece quando a realidade se manifesta de forma tão intensa que não pode mais ser mantida fora do noticiário.

O evento que obrigou a mídia tradicional a expor aquilo que as redes sociais já vinham denunciando há muito tempo foi a extrema violência com que a polícia paranaense dispersou uma manifestação liderada por professores, contra a proposta de mudança no sistema de financiamento da previdência dos servidores públicos do Estado. Até mesmo o contido apresentador do Jornal Nacional, o telejornal de maior audiência do País, ainda ensaiando o novo estilo coloquial do programa, teve que se render à evidência das imagens.

Ainda assim, os jornais de circulação nacional parecem ter combinado suas manchetes e amanhecem nesta quinta-feira (30/4) falando em “confronto”. Não, senhores editores. Não houve “confronto” entre manifestantes e policiais em Curitiba. O que houve foi uma carga militar, planejada pelo comando da PM, com autorização do governador, contra professores e outros funcionários públicos, transeuntes, curiosos e até contra pais e mães que haviam sido chamados a recolher seus filhos numa escola infantil.

O número de feridos passa das duas centenas, e o total apresentado pelos jornais é subestimado, pelo simples fato de que muitos dos atingidos por balas de borracha, golpes de cassetete e fragmentos de bombas de efeito moral preferiram ir para suas casas ou se reunir na sede de entidades sindicais após o ataque. Apesar da evidente tentativa de relativizar a violência policial nos títulos e destaques das reportagens, as narrativas dos jornais não podem esconder que a responsabilidade pela ação violenta é do governador, e as últimas notícias dão conta de que o risco político de uma desaprovação geral pode causar a demissão do secretário da Segurança Pública ou do comandante da Polícia Militar.


O “curitibaço” e a Cracolândia

Também houve um distúrbio em São Paulo na mesma data, durante ação de cadastramento de usuários de drogas que se reúnem no local conhecido como Cracolândia.

Os dois principais jornais paulistas destacam os dois eventos na primeira página, sendo que a Folha de S. Paulo usa imagens de Curitiba e de São Paulo para ilustrar sua fachada. No entanto, são dois contextos absolutamente distintos, e a única ligação entre eles – uma operação policial – nem de longe pode ser considerada como uma circunstância comum.

Em São Paulo, uma atividade corriqueira que tenta resgatar viciados das ruas oferecendo-lhes treinamento e trabalhos remunerados de zeladoria, descambou para o descontrole quando, durante uma ação para retirar barracas e limpar as calçadas, um estrondo de origem não identificada provocou uma correria. Policiais que patrulham a região foram atacados por um grupo de drogados e um deles disparou para o chão.

Fragmentos do projétil feriram dois moradores de rua. A tropa de choque foi chamada a intervir para conter o tumulto que se seguiu.

A operação “De Braços Abertos”, realizada pela prefeitura de São Paulo com apoio da Polícia Militar e da Guarda Civil Metropolitana, enfrenta a resistência de traficantes, que ameaçam os servidores públicos, e, eventualmente, sofre a oposição de autoridades policiais que não acreditam na eficiência do programa. O estado de tensão na região é permanente, como foi relatado por este observador no dia 30 de março (ver aqui), após uma visita à Cracolândia e  conversas com funcionários que atuam na área de saúde pública.

Os incidentes de Curitiba são de outra natureza, e refletem a incapacidade do governo do Paraná de lidar com o direito dos professores e outros servidores públicos de levar às ruas seu descontentamento com o salário e outras questões de seu contrato com o Estado. Por trás desse desentendimento ruge o radicalismo político insuflado pela mídia diariamente.

Também os professores da rede estadual de ensino de São Paulo realizam uma greve parcial há 45 dias. No caso paulista, a versão oficial, que desconhece o movimento (ver aqui), é desmentida por uma sucessão de atos públicos na região metropolitana da capital e em cidades do interior. O leitor de jornais só conhece essa versão oficial.

Até que haja um… “confronto”.

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