sexta-feira, 24 de abril de 2015

A legalidade ou um jogo de truco?





24 de abril de 2015


Quando os vídeos mentem


Por Paulo Moreira Leite


É certo que o juiz Sérgio Moro, que autorizou a prisão de Marice Correa Lima, a cunhada do tesoureiro do PT João Vaccari Neto, ficou devendo um pedido formal de desculpas a prisioneira. Marice ficou presa por 6 dias, em Curitiba, sem que houvesse um fiapo de prova contra ela.

Pode-se perguntar, será que o Conselho Nacional de Justiça, que tem a missão de zelar pela atuação dos juízes, irá examinar o comportamento de Moro?

Também pode-se perguntar por alguma providência junto ao Ministério Público, que fez o pedido de prisão e tentou até manter Marice na cadeia num regime mais duro. Será que o Conselho Nacional do MP irá debater o assunto? Poderá extrair algum ensinamento desse episódio?

Assistiu-se, neste caso, a uma demonstração de desrespeito pelos direitos humanos mais elementares, em especial pela regra que ensina que toda pessoa é inocente até que se prove o contrário.

Depois de todas essas ressalvas, deve-se reconhecer que vivemos uma situação tão absurda, tão estranha, que Marice pode ser considerada uma pessoa de sorte.

Ela ficou presa por seis dias, na sede da Polícia Federal, em Curitiba, como suspeita de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás, com base numa prova grotesca: imagens de um vídeo de uma máquina bancária na qual faria depósitos clandestinos para sua irmã, Giselda, casada com Vaccari.

O escabroso encontra-se na imagem, sabemos agora: a pessoa que é retratada, fazendo depósitos num caixa eletrônico, simplesmente não é Marice.

É a própria Giselda, a mulher de Vaccari — e essa descoberta, clamorosa, absurda, mudou a história de Marice. Também coloca dúvidas sobre a prisão do próprio Vaccari, como você poderá ler mais adiante.


"Os vídeos não deixam qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice" (Sérgio Moro)

Sem a imagem errada, ela ficaria presa por mais quatro dias, como já fora resolvido por Sérgio Moro, prorrogando seu regime de prisão temporária. Quem sabe acabaria presa por meses, como acontece com a maioria dos primeiros detidos da Lava Jato, que desde novembro foram entregues a carceragem, onde enfrentam a alternativa de confessar e deletar, ou apodrecer.

Longe de uma atuação equilibrada, que ouve as partes, pondera e analisa os pontos da defesa e da acusação com igual boa vontade, pondera, o que prevalece aqui é a vontade de punir e punir.

Marise só conseguiu livrar-se da prisão porque as cenas gravadas pela máquina eletrônica constituem um flagrante técnico, insubstituível, único e vexaminoso.

Como tantas pessoas ouvidas na Lava Jato, Marice foi levada para prestar depoimento e, embora tivesse explicado cada uma das acusações, não lhe deram crédito algum. Suas negativas foram vistas como falta de disposição para colaborar. A segurança nas respostas, como agravante: prova de sangue frio.
 
Ela saiu do interrogatório para a cadeia. Ninguém achou muito estranho — pois as cenas da Lava Jato são assim mesmo.

Como se estivesse preparando o que iria acontecer, dias antes o líder do PSDB Carlos Sampaio aproveitou uma sessão da CPI do Petrobras — aquela dos roedores — para falar da cunhada de Vaccari em termos ofensivos.

Nos últimos dias, uma revista chegou a escrever que “de acordo com as investigações, Marice operava uma central de propinas em casa.”

Um jornal disse que havia a “suspeita” de que ela de que estivesse “foragida”. Sua presença no Panamá, como uma das responsáveis pelo trabalho administrativo de um congresso da CSA, Central Sindical das Américas, foi apresentada como cascata. Bastava um ligação por DDI e uma consulta ao Google para saber que se trata de uma das principais centrais sindicais do mundo, nascida em 2008, fundada com apoio da CUT, liderada militantes de vários países, inclusive dos Estados Unidos.

Quando a prisão temporária estava para vencer, o Ministério Público entrou com pedido para que sua permanência na cadeia fosse transformada em prisão preventiva, que pode ser mantida por tempo indeterminado. Os procuradores escreveram: “Tudo indica que Giselda [mulher de Vaccari] recebe uma espécie de ‘mesada’ de fonte ilícita paga pela investigada Marice, sendo que os pagamentos continuam sendo feitos até março de 2015. Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado que há risco concreto de reiteração delitiva”.

Juristas experientes sabem que acusações genéricas como “perigo para a ordem pública” costumam encobrir a falta de fatos concretos e provas contundentes. Podem até emocionar o público em determinadas conjunturas mas não alimentam o bom Direito.

São uma herança genérica da “ameaça a segurança nacional” que era o fantasma favorito da ditadura militar. Convivem melhor com o silêncio dos acusados, a falta de direitos de defesa. No Brasil da Lava Jato, um traço marcante é a falta de habeas corpus para presos sem culpa formada - outro traço do AI-5, que começou com a suspensão do habeas corpus.

O juiz Sergio Moro examinou o pedido do MP. Não atendeu à solicitação para mudar o regime de prisão da nova detida, mas prolongou o regime anterior. Num despacho assinado para explicar a decisão, Moro fez questão de referir-se aos supostos depósitos de Marice para dizer: “A extensão temporal (dos delitos) assusta o juízo.” Ele ainda salientou que “nem mesmo as sucessivas prisões decorrentes do andamento da Operação Lava-Jato intimidaram Marice.”

A sorte de Marice é que, desta vez, não foi apenas o despacho de Moro que chegou aos meios de comunicação. O vazamento incluiu um presente envenenado, que os jornalistas não se deram ao trabalho de conferir. Disse um portal, dois dias antes da solutra de Marice:

– Câmeras de segurança de caixa eletrônico mostram Marice fazendo depósito na mesma hora em que entrou dinheiro na conta da mulher do ex-tesoureiro do PT. Ela havia negado ter feito tais operações.

Fiasco autoritário.

Um trabalho típico de quem é capaz de classificar uma senhora como perigo para a “ordem pública e econômica” mas não é capaz de distingui-la da irmã.

Comprovado o desastre, cabe extrair algumas lições. Marice foi presa como coadjuvante de um enredo no qual João Vaccari Neto é apresentado como personagem principal, ao menos até agora.

Visto com frieza, os argumentos para soltar Marice deveriam ser reconsiderados para se avaliar a sorte de Vaccari.

A presença da cunhada na denúncia era uma tentativa de dar materialidade à visão de que ele residia no centro de um universo de propinas e verbas clandestinas que não só ajudavam alimentar os cofres do PT, mas também enriqueciam a família.

Vaccari sempre sustentou que fez seu trabalho rigorosamente dentro da lei. Sustenta por exemplo que nunca se encontrou com o doleiro Alberto Yousseff, que fazia a lavagem de recursos para o esquema — nunca foi desmentido e pelo visto não o será. Pode estar errado? Pode. Mas é preciso provar. 

Quando as provas contra Marice se desfazem, é razoável perguntar por que o próprio Vaccari continua preso. Depondo hoje à tarde na CPI da Petrobras, o executivo Augusto Mendonça Neto, do grupo Toyo Setal, admitiu a existência de um cartel de empreiteiros e pagamento de propinas para diretores da Petrobras. No que diz respeito a Vaccari, contudo, por duas vezes, respondendo ao deputado Leo Britto (PT-AC) Mendonça Neto assegurou que era outra coisa: “Tenho todas as contribuições detalhadas, os comprovantes entregues, no meu depoimento (da delação premiada).”

Você pode acreditar ou não. Mas, em todo caso, deve lembrar-se de que todos são inocentes até prova em contrário. Como todos aprenderam, às vezes, até os vídeos mentem.



 
Carta Maior, 23/04/2015


A legalidade ou um jogo de truco?


Por Saul Leblon




Conta-se que em uma revista semanal de conhecida isenção jornalística, repórteres não raro recebem um título pronto e a recomendação expressa: providenciar um texto ‘investigativo’ que o justifique.

O juiz Sergio Moro e a equilibrada equipe responsável pela operação Lava Jato poderiam ter feito estágio na referida redação, com a qual, aliás, mantém laços de simpatia recíproca e de valores compartilhados.

Mesmo que não o tenham feito há sinais preocupantes de comungarem um singular método Paraná de investigação nessa  sua cruzada como  paladinos contra a corrupção, assim incensados com direito a pôster épico na primeira página da Folha de São Paulo.

Armados de uma sentença - como os títulos prévios da mencionada revista -, eles se puseram a campo para compor um lego jurídico em que as peças servem na medida em que se encaixam nos espaços reservados.

Tudo recortado pelas lâminas de um primarismo, cujo fio da meada se resume a um juízo de valor: a corrupção no Brasil nasceu - e morrerá, se depender da monarquia de Curitiba - junto com o PT.

A última e mais desconcertante  evidencia de que a Nação está ao sabor desse jogo de cartas marcadasem que a investigação cumpre papel acessório  à sentença, foi  a prisão do tesoureiro do PT , João Vaccari Neto, de sua esposa, Giselda Rousie de Lima, e da nora, Marice Corrêa de Lima.

Quatro dias após à prisão da nora de Vacari, em 17/04 – antes declarada foragida e assim denegrida pelo jornalismo isento durante as 48 horas em que se encontrava  em um Congresso sindical no Panamá, o juiz Sergio Moro pediu a prorrogação de sua detenção.

Justificando-a, em pomposa declaração à mídia, praticamente sentenciou a investigada.

"Embora Marice não tenha sido identificada nominalmente, os vídeos apresentados não deixam qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima", afirmou o juiz Sérgio Moro, no feriado da última terça-feira (Globo.com 21/04/2015 12h22)

O responsável pela Lava Jato respaldou sua esférica assertiva no exame de imagens das câmeras de segurança de um banco, a partir das quais o ‘método Paraná’ de investigações corroborou a manchete preconcebida.

Aquela nacionalmente martelada nas horas seguintes, que atribuía  à Marice Corrêa de Lima a responsabilidade por depósitos considerados suspeitos na conta da irmã, Giselda (esposa do tesoureiro do PT).

Pronto. Mais uma porta da corrupção petista arrombada pelo ‘método Paraná’.

No pedido de prorrogação, Moro alegou que a medida ‘oportunizará’ novo depoimento de Marice "na qual ela poderá esclarecer ou não sua participação nos depósitos em espécie realizados na conta da esposa de João Vaccari Neto e as circunstâncias que envolveram esses fatos".

O ‘método Paraná’ de investigações sustentava que entre 2008 e 2014, a mulher de Vaccari, Giselda Rousie de Lima recebeu cerca de R$ 323 mil em depósitos da ordem de R$ 10 mil mensais.

As quantias em alguns casos teriam sido depositadas em caixas eletrônicos.

O vídeo alardeado por Moro, de março de 2015, fecharia a peça condenatória contra Marice. Seria ela a mulher que  aparece em uma agência bancária, efetuando um depósito.

“Assim, tudo indica que Giselda recebe uma espécie de “mesada” de fonte ilícita paga pela investigada Marice (em depósitos)  feitos até março de 2015”, diziam os procuradores, segundo o portal Globo.com.

Em depoimento à Polícia Federal, Marice, em vão, afirmou não ter feito nenhum depósito para Giselda em março de 2015.

Sim, em vão, porque o ‘método Paraná’ já tinha seu labirinto decifrado.

“Nesse contexto, a prisão preventiva de Marice é imprescindível para a garantia da ordem pública e econômica, pois está provado que há risco concreto de reiteração delitiva”, defendia o MPF, que ainda pedia a apuração da viagem dela ao Panamá, "pois levanta suspeitas da manutenção de depósitos ocultos no exterior, como por diversas vezes se verificou com outros investigados nesta operação".

O juiz Sérgio Moro foi além.

O herói substituto de Joaquim Barbosa na narrativa conservadora avaliou como ‘perturbadora a extensão temporal aparente da prática criminosa’ por parte de Marice Corrêa de Lima.

No mesmo despacho em que determinou a prorrogação da prisão temporária, o magistrado menciona que há registros de envolvimento de Marice no escândalo do Mensalão.

Vai por aí o ‘método Paraná’.

Atire primeiro.

Pergunte depois.


O constrangimento do ambiente jurídico é que as fotos e vídeos sobre os quais se baseou o assertivo e pomposo ajuizamento de Moro neste caso  desmentem o  preconcebido de forma clara, serena e ostensiva.

Será apenas um ponto fora da curva na Lava Jato? Ou a síntese de um ambiente condenatório embalado pela cumplicidade irrestrita daqueles que em vez de arguir incensam o flerte com o arbítrio?

Agora se sabe, da boca do próprio juiz Moro, que Marice não era a mulher dos  vídeos que, há dois dias, ele dizia ‘não deixarem qualquer margem para a dúvida de que a pessoa em questão é Marice Correa de Lima" (Globo.com 21/04)

A mídia tolamente hipnotizada ou deliberadamente cínica, em boa parte cúmplice do ‘método Paraná’ de sentenciar antes, para investigar depois, olhava para as fotos dos vídeos publicadas em suas próprias página como os bobos da corte da fábula do Rei Nu: elogiava a fina seda do monarca de Curitiba.

E Moro estava despudoramente nu de razão neste caso.

Mas de tal forma confiante no silêncio obsequioso da mídia aliada que não hesitava em expor ao ridículo suas palavras, lado a lado das fotos que as contradiziam.

E a mídia nada disse diante do exclamativo estupro das evidências.

Nada disseram os colunistas da indignação seletiva
 nas longas, constrangedoras últimas 48 horas em que as fotos circularam como a criança da fábula que gritava ‘ o rei está nu, o rei está nu’.

Foi preciso o próprio rei admiti-lo para  jornalismo genuflexo, de novo, endossá-lo.

As irmãs Giselda (esposa de Vaccari) e Marice (nora) são parecidas.

Mas não são iguais.


Da análise pedestre, a olho nu, sem a ajuda dos recursos digitais hoje disponíveis, avultava a diferença entre a nora condenada pelo ‘método Paraná’ e a imagem capturada pela PF das câmeras do caixa automático.

Quem fazia o depósito a Giselda nos vídeos era a própria Giselda.

Só Moro não via – ou não podia ver sem ter que descartar mais uma peça teimosa do lego com o qual quer levar o  PT ao inferno, a Petrobrás ao fundo do pré-sal, as empreiteiras nacionais a falência e o Brasil ao buraco sem fim. Ou pelo menos tentá-lo  até 2018, quando então, os bobos da corte que hoje elogiam a seda fina de seu traje invisível  vestiriam outro monarca para catapultá-lo ao trono do Brasil.

Erros acontecem.

Evitá-los é o dever de todos.
 

Sobretudo, porém, é o dever de um juiz não ceder à sulfurosa sofreguidão dos que antepõem aos fatos - e às fotos -  a sua opção política,  temerariamente envelopada em força de lei, como se a investigação legal fosse um jogo de truco cuja principal matéria prima é o blefe contra adversários políticos marcados para morrer.

O caso Marice/Giselda pode não ser um ponto fora da curva na circularidade vertiginosa em que evolui a Lava Jato.

Não se faça juízo prévio dos fatos em investigação neste episódio ou em qualquer outro em questão.

Não só da Lava Jato, mas também da extensão imponderável dos ilícitos no metrô de SP ou no escândalo de Furnas em que, segundo depoimento público do doleiro  Alberto Youssef – esquecido pela monarquia de Curitiba -  Aécio Neves e a irmã desfrutaram de um comissionamento de longos cinco anos a US$ 100 mil por mês.


Dê-se a todos a isonômica e devida presunção da inocência.

Antes que condenações prévias, a exemplo do caso caricatural das irmãs Marice/Giselda, subordinem o ambiente jurídico brasileiro ao arbítrio de um rei nu e ao elogio da seda fina que o veste por parte dos bobos da corte.

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