Carta Maior, 08/04/2015
Como a austeridade morde os direitos fundamentais na Europa
Por Lena Bjurström, no Politis.fr
A crise econômica e as medidas de austeridade tiveram um impacto considerável sobre os direitos fundamentais na Europa. Esta é a principal conclusão de estudo realizado para a Comissão Liberdades Civis, Justiça e Assuntos Internos, do Parlamento Europeu.
Realizado na Grécia, Chipre, Bélgica, Itália, Espanha, Irlanda e Portugal – países escolhidos para representar uma diversidade de situações na Europa – o estudo aponta uma clara deterioração de diversos direitos fundamentais.
Além do acesso ao emprego e o direito à aposentadoria, os setores da educação, saúde e justiça também foram afetados pela crise e pelas medidas de austeridade.
Nos sete países analisados, com a notável exceção da Bélgica, o orçamento para a educação foi severamente cortado. Redução do número de escolas e de professores (com o aumento, consequentemente, do número de alunos por turma), cortes de despesas com transporte escolar e com a manutenção das escolas: tais medidas têm impacto direto sobre o ambiente de aprendizado dos alunos e sobre a qualidade da educação. Países como Grécia, Chipre e Irlanda também reduziram, quando não eliminaram, muitos programas de apoio às famílias mais pobres, como ajudas de custo do governo para refeições ou fundos para a compra de mobiliário para salas de aula.
Os orçamentos para os cidadãos em situação mais vulnerável são particularmente os mais afetados pelas medidas de austeridade. Em Portugal, o orçamento destinado à educação de crianças portadoras de deficiência foi diminuído. Na Grécia, os cursos de línguas para filhos de imigrantes foram drasticamente reduzidos.
"Crianças com deficiência, ciganos, e filhos de imigrantes foram afetados de forma desproporcional pelas medidas impostas", observa o estudo.
A situação é semelhante para o direito à saúde. Consequência direta dos cortes drásticos nos orçamentos dos hospitais públicos (leitos, pessoal...), na maioria dos países estudados, o tempo de espera para ser atendido disparou. É preciso esperar sete meses por uma consulta em um hospital público do Chipre. Em 2012, 570 mil pessoas esperavam por uma intervenção cirúrgica na Espanha, e 480 mil na Irlanda.
O estudo também observou uma redução das ajudas financeiras dos Governos, e, consequentemente, um aumento do custo de vida para as famílias, especialmente na Grécia, onde "os planos de resgate da dívida (do país) transferiram o custo da saúde do Governo para o paciente, com um aumento significativo nos preços das consultas e dos medicamentos", aponta o relatório.
De maneira geral, os cortes orçamentários ameaçam o acesso universal aos cuidados com a saúde. Alguns grupos vulneráveis não têm mais assistência, como na Espanha, onde os imigrantes em situação irregular só podem ser atendidos pelo sistema de saúde público em casos de emergência. Em Portugal, os moradores de regiões distantes dos grandes centros têm cada vez menos acesso aos serviços de saúde, resultado direto do fechamento de inúmeros hospitais.
Finalmente, o acesso à justiça também foi afetado pelo rigor orçamentário, com supressão da assistência jurídica e taxação de honorários de advocacia. Mesmo que as consequências de austeridade na Justiça pareçam menos importantes, o estudo aponta que o impacto de algumas das medidas só poderá ser medido daqui a muitos anos.
Em suma, as políticas de austeridade aplicadas desde o início da crise "afetaram os sistemas que garantem os direitos fundamentais", conclui o estudo. O documento aponta ainda uma "preocupação crescente" com estas medidas de austeridade, que "podem não só fracassar no cumprimento de seu objetivo principal, isto é, contribuir para a recuperação econômica", como também ameaçar direitos "reconhecidos como inalienáveis, que não deveriam ser limitados por argumentos financeiros".
Tradução de Clarisse Meireles
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