sábado, 11 de abril de 2015

5 sinais de que os EUA não estão conseguindo superar a crise estrutural capitalista








Carta Maior, 11/04/2015



5 sinais de que os EUA não estão conseguindo superar a crise estrutural capitalista


Por Antonio Gelis-Filho



As últimas semanas trouxeram notícias surpreendentes, mesmo para aqueles acostumados a analisar os eventos geopolíticos. É muito difícil fugir da conclusão de que atingimos uma etapa crítica na transição entre o sistema-mundo capitalista que conhecemos e algo que ainda está por vir. Parece ter expirado o prazo de validade do modelo adotado pelos países ricos para lidar com a crise estrutural que se tornou mais visível a partir de 2008, modelo esse que inclui a criação de dinheiro sem qualquer lastro em riquezas reais, a negação maciça da existência de qualquer problema maior pela mainstream media e a repressão policial crescente como única “política social” para lidar com a crescente pobreza nessas sociedades outrora tão afluentes. Vários são os sinais de que atingimos o “fim do começo” da transição.  


1. Desespero norte-americano em Lausanne?


Um “acordo para firmar um acordo” foi assinado em Lausanne, Suíça, entre o governo do Irã e o grupo de potências conhecido por P5 1: China, EUA, França, Rússia, Reino Unido e Alemanha. Na realidade, as dificuldades nas discussões sempre foram entre EUA e Irã. Este último deseja prosseguir com seu programa nuclear que alega ter finalidades pacíficas. Os EUA há tempos consideram o Irã um dos integrantes do dito “eixo do mal” e exige o fim das atividades nucleares que considera suspeitas. A surpresa vem da análise minuciosa do texto assinado: compreende-se porque o governo de Teerã o celebra como uma vitória. Após anos exigindo e comandando sanções contra o Irã, negando-lhe o benefício de qualquer dúvida, Washington assinou um texto que essencialmente baseia-se em apenas postergar o momento no qual Teerã poderá desenvolver sua bomba se assim o desejar. Não surpreendentemente, o governo de Israel, os republicanos norte-americanos e mesmo alguns democratas já anunciaram sua oposição ao texto e sua recusa em aceitar a assinatura do texto definitivo em três meses. Por que Washington cedeu tanto em Lausanne? Os críticos de Obama argumentam que o presidente teria colocado seu desejo de alcançar um importante resultado diplomático, um “legado” qualquer, acima dos interesses nacionais. Pouco provável. Mais razoável é supor que o governo norte-americano já não tem condições de impor seus interesses no Oriente Médio e busca desesperadamente a aparência de uma vitória diplomática. Chega a ser impressionante que o governo norte-americano tenha assinado um documento, ainda que não definitivo, no qual aparentemente o Irã não terá a obrigação de franquear suas instalações militares aos inspetores internacionais e que cala sobre o reconhecimento de Israel. Tudo isso enquanto EUA apoiam o ataque saudita a grupos iemenitas que por sua vez são apoiados por Teerã. É difícil não perceber nesse acordo uma espécie de fadiga dos Estados Unidos em relação à disputa geopolítica no Oriente Médio.


2. A queda da demanda mundial e o estouro da “bolha do xisto”


Vendido como uma solução “mágica” para o problema de oferta mundial de petróleo, ainda que altamente poluente, o petróleo extraído de depósitos de xisto (“tight oil”) revela-se como mais uma bolha insuflada pela indústria financeira. As denúncias já vinham sendo feitas há tempos, mesmo em publicações de negócios como Forbes (vide o texto “Why shale oil boosters are charlatans in disguise”, publicado em janeiro de 2014). Com a queda mundial da demanda econômica, que pode ser vista, por exemplo, em um preço muito baixo para o frete marítimo, o preço do petróleo também caiu. Arábia Saudita e Rússia podem ainda lucrar com seu petróleo convencional cujos custos de produção são baixos, mas os altos custos da produção de xisto já cobram seu preço: o número de sondas de perfuração em operação é o mais baixo desde 2011. A inviabilidade do petróleo do xisto como alternativa ao petróleo convencional ficou clara nesse evento. E muito da esperança norte-americana de uma recuperação real de sua economia e de seu poder geopolítico baseava-se nisso.


3. Mais uma “recuperação espetacular” da economia norte-americana vira pó em semanas


Em dezembro de 2014 jornais do mundo inteiro publicaram a notícia de que a economia norte-americana vinha crescendo a taxas anualizadas de 4% (alguns diziam 5%). Comentaristas eufóricos explicavam que finalmente a economia dos EUA tinha saído da crise, que seu crescimento seria saudável e sustentado. Previa-se um 2015 róseo para a economia norte-americana. Para quem segue os eventos internacionais, entretanto, parecia apenas a manifestação de um ritual semestral que se repete desde a crise de 2008: alguns indicadores econômicos positivos isolados são analisados fora de seu contexto maior, análises estridentemente eufóricas são publicadas na mídia e meses depois, quando a “recuperação” mostra-se inexistente, todos se esquecem do assunto. Esta vez, porém, parece ter sido a gota d’água: escrevendo no excitável Financial Times, o comentarista Gavyn Davies recentemente (29/03/2015) afirmou que as expectativas otimistas do Banco Central dos EUA (Federal Reserve) para 2015  já estavam sendo desmentidas pelos dados reais.  Quem ainda acreditará quando The Economist e Wall Street Journal anunciarem novamente o fim da “recessão”? A verdade, dura e incontornável, é que não há recuperação econômica real à vista, seja nos EUA, na Europa ou no Japão.  


4. A criação do AIIB e o vexame público de Washington


O AIIB - abreviatura em inglês de Banco da Ásia para Investimento em Infraestrutura - era uma proposta do governo da China lançada no final de 2013 para contornar as limitações encontradas pelo país asiático em instituições lideradas pelo ocidente, tais como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Banco para o Desenvolvimento da Ásia. Com sede em Beijing, a proposta sempre foi resistida pelos Estados Unidos. Finalmente lançado em outubro de 2014, o banco atraiu países asiáticos com grandes economias, tais como Índia e Indonésia. Mas a grande surpresa viria em março de 2015: a despeito das ressalvas públicas feitas por Washington à instituição, países tradicionalmente aliados aos EUA, como Reino Unido, Austrália, Coreia do Sul, Alemanha, França e até Taiwan submeteram ou decidiram submeter suas candidaturas a membros do banco. Até mesmo o ex-Secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, publicou um texto em seu blog afirmando que “o mês passado [março de 2015] pode ser lembrado como o momento no qual os Estados Unidos perderam sua posição de garantidores do sistema econômico mundial”, em grande parte baseando sua análise nos eventos que cercaram a criação do banco.


5. E a economia da Rússia não entrou em colapso


Esquecida pela mídia ocidental, a guerra econômica contra a Rússia parece ter fracassado. O rublo continua existindo e o governo de Moscou não mostra qualquer sinal do enfraquecimento tão sonhado pelo ocidente. A situação na Ucrânia, cuja integração à União Europeia parece ter desaparecido da pauta de discussões em Bruxelas, evolui para uma verdadeira guerra interna pelo poder, onde “oligarca devora oligarca”. O leste do país tornou-se de fato independente. A histeria ocidental anti-Rússia parece ter consumido seu combustível, ao menos por enquanto.  Com isso, mais uma trapalhada geopolítica ocidental perde fôlego, embora a proximidade de eleições em países europeus importantes sugira que políticos desesperados possam pensar em ações desesperadas.
 
O fim do começo é também o fim do período pós-crise de 2008 durante o qual os governos ocidentais acreditavam em sua capacidade de recuperação. A próxima etapa será, salvo surpresas, a de uma difícil negociação com suas populações, que finalmente começam a entender que o passado não retornará, que os níveis de vida pré-2008 foram embora para sempre e que o futuro não será mais o que costumava ser. Desnecessário dizer, esses serão momentos de extraordinário risco, de grandes oportunidades e de permanente surpresa para todos que vivem nestes tempos tão intensos.  
 
 
 
 
 
 




​Carta Maior,09/04/2015



O machado da guerra, o anzol da paz e os crápulas transparentes


​Por ​Jorge Beinstein - Pátria Latina - Buenos Aires



Seria errado subestimar as especificidades dos casos colombiano e venezuelano, mas também seria grave limitar-nos às tramas nacionais ou dotá-las de uma autonomia excessiva. Muito já se escreveu acerca da globalização do capitalismo, por vezes para diluir tudo numa dinâmica supranacional esmagadora – mas em certos casos com um resultado oposto, onde o global surge como uma referência abstrata, inapreensível ou então a operar como uma força exógena misteriosa sobre o aparentemente "concreto" ou "tangível", o que está ao alcance da mão, tão complicado e "nacional" que só pode ser entendido pelos que estão submersos nessa realidade. Então exagera-se o nível de poder real das oligarquias e máfias locais, de suas supostas frações "reacionárias" ou "civilizadas", de suas contradições em países como a Colômbia onde estão instaladas bases militares do Império, ou naqueles como a Colômbia e Venezuela onde proliferam os negócios transnacionalizados financeiros, midiáticos, narcos, comerciais, etc e onde importantes setores sociais altos e médios são do ponto de vista político-cultural simples prolongamentos coloniais da sociedade estadounidense.   
 
Os Estados Unidos desenvolvem atualmente uma guerra global cujo fracasso significaria o fim do Império. A lógica da reprodução do parasitismo norte-americano leva a super-potência a uma multiplicação de ofensivas à escala planetária, destinadas a quebrar os obstáculos que travam seu projeto de super-exploração devastadora dos recursos naturais e humanos do conjunto da periferia. Os dirigentes do Império consideram que essa pilhagem desaceleraria a decadência em curso, impediria o colapso do dólar, baixaria drasticamente os custos de mercadorias e salários coloniais, engordando os lucros das suas empresas, mantendo seus mercados internos cada vez mais concentrados.   
 
A América Latina e o Caribe constituem um espaço decisivo do referido projeto, sua recolonização integral é uma peça chave da uma ofensiva planetária cuja implementação na região abrange um amplo leque de operações convergentes. Trata-se de uma mega estratégia flexível que inclui as desestabilizações de média intensidade no Brasil e Argentina, a intervenção direta encoberta na Colômbia, os golpes de estado em Honduras e Paraguai, a tentativa de desestabilização de alta intensidade apontando para a intervenção militar na Venezuela, o ensaio de "abraço de urso" procurando desarticular Cuba, a instalação de postos avançados militares no Peru, etc. O objetivo final é a transformação do pátio traseiro latino-americano numa região caótica, sem barreiras estatais nem rebeldias significativas à sua dominação.   
 
A exacerbação das intervenções imperialistas coincide com (e busca aproveitar) o declínio dos governos progressistas cujas dificuldades abrem brechas que facilitam essas investidas. A agudização da crise global impacta a América Latina, as altas taxas de crescimento econômico ficaram no passado, as contradições sociais agudizam-se em põe em xeque os equilíbrios progressistas que demonstram sua fragilidade. Um bom exemplo disso é o Brasil, onde o governo encaminha para a direita a sua política econômica causando descontentamento popular sem por isso acalmar o apetite das elites e das classes médias reacionárias, cada vez mais reacionárias, que procuram a revanche rumo à hiper-concentração de rendimentos e a submissão integral dos pobres.   
 
É dentro desse contexto global-regional que devem ser enquadradas as operações imperiais em curso sobre a Colômbia e a Venezuela.   

 
O machado da guerra   
 
A Venezuela surge como o objetivo central do capítulo latino-americano da guerra energética global dos Estados Unidos. A república bolivariana conta com 20% das reservas mundiais de petróleo convencional, o primeiro lugar global. A confrontação deste fato com a informação sobre as reservas limitadas e em declínio a médio prazo do petróleo convencional e do xisto nos Estados Unidos seria suficiente para medir a urgência do Império em devorar esse bocado. A propaganda acerca das supostas imensas reservas norte-americanas de petróleo de xisto acabou por se chocar com a dura realidade: recentemente a Agência de Energia dos Estados Unidos informou que antes do fim da presente década a produção norte-americana de petróleo de xisto chegará ao seu nível máximo, a seguir ao qual começará a decair. Na realidade a crise desse setor já começou, impulsionada pela baixa do preço do petróleo que reduziu sensivelmente seus lucros (tornando-os negativos num número crescente de casos).   
 
Mas não se trata só de petróleo. Apesar da demonização mediática internacional do processo venezuelano, este continua a operar como um incentivo importante para os movimentos populares da região, para os comportamentos estatais independentes quanto à dominação estado-unidense. Apesar do desaparecimento de Chavez, a Venezuela continua a ser uma peça decisiva de articulações rebeldes diante do poder imperial, como o ALBA e outras iniciativas regionais em direção a outros espaços da periferia.   
 
A "Ordem Executiva" de Obama contra a Venezuela, declarando-a uma "ameaça extraordinária" à segurança nacional dos Estados Unidos [NR] , não é um exercício retórico e sim um passo decisivo de uma ofensiva que procura encurralar o governo e as forças armadas venezuelanas, estimular a oposição, mobilizando seus grupos conspirativos mais radicais. Com essa decisão Washington dá um salto qualitativo na deslegitimação do estado venezuelano perante o Ocidente, abrindo desse modo um capítulo de intervenções diretas e encobertas, de reconhecimentos legais ou de fato a "representantes da oposição", de apoio a possíveis levantamentos armados, a uma agressão do exército colombiano, etc, ou seja, a cenários conhecidos em outros lugares da periferia como a Síria ou a Líbia. Essa é a linha de ação principal.   
 
Não faltam funcionários de governos progressistas latino-americanos – inclusive do próprio governo venezuelano – inclinados a ver o lado moderado da tormenta. Supõem eles que a declaração imperial tende antes a pressionar a Venezuela a fim de empurrá-la astutamente para a direita, procurando a instalação de um "governo de unidade nacional" (mistura pragmática de chavistas razoáveis e opositores conciliadores) amigo ou menos inimigo dos Estados Unidos. Essa ilusão na realidade também faz parte da estratégia estado-unidense, golpeando por um lado e oferecendo ao mesmo tempo uma saída pacífica, tentando assim abrandar o campo inimigo, criar fissuras e deserções, o jogo faz parte do manual para principiantes em guerras coloniais.   
 
Washington sabe muito bem que a longo prazo não há alternativa suave para a Venezuela. Qualquer inflexão para a direita, brutal ou gradual, geraria uma concentração de rendimentos acompanhada inevitavelmente por revanches sociais das classes superiores que automaticamente desencadeariam rebeliões populares. O processo bolivariano não trouxe a transição socialista prometida, não quebrou a espinha dorsal do capitalismo (descolagem imprescindível do caminho pós capitalista), afundou-se numa confusa e interminável "transição" rumo à transição anunciada, enchendo suas cabeças de esperanças, forjando identidade popular, auto-estima dos humildes. Isso não pode ser apagado facilmente.   
 
Assim como na Venezuela existe um fascismo maciço nas classes médias e altas que só se conforma com uma contra-revolução sangrenta, também existe um chavismo profundo nas classes baixas que aprendeu a odiar o capitalismo, os Estados Unidos, que sabe combater. O chavismo não esmagou o país burguês impondo o país popular e socialista, a resultante da sua condução desordenada foi a criação de dois países incompatíveis entre si.   
 
Para Washington trata-se de conquistar a Venezuela, nem mais nem menos. Não para instaurar uma nova ordem colonial e sim para parasitar livremente sobre o caos, para saquear riquezas navegando no meio da desarticulação violenta de uma sociedade estrategicamente submetida. Para visualizar o futuro venezuelano desejado por Washington não é preciso ler velhos textos acerca da ascensão do fascismo na Itália ou dos neofascismos militares mais recentes da América Latina – basta dar uma olhada ao Iraque ou à Líbia de hoje.  
 
 
O anzol da paz   
 
Uma peça chave na conquista da Venezuela é o exército colombiano, a força armada regular com maior experiência de combate da região, com 460 mil pessoas (incluindo as três armas mais a polícia nacional). Trata-se de longe do maior aliado militar com que contam os Estados Unidos na América Latina, útil tanto para a realização de incursões rápidas como para uma invasão em grande escala e como aparelho de retaguarda no caso de uma guerra prolongada na Venezuela. A estas forças profissionais é preciso acrescentar várias dezenas de milhares de paramilitares operacionais no imediato ou de recrutamento fácil. 
 
Mas essa força agressiva potencial está manietada no território colombiano por uma insurgência que não pôde ser subjugada depois de meio século de repressão e que, no caso de uma guerra civil ou de invasão da Venezuela, poderia converter-se no núcleo principal de uma vasta guerra popular abrangendo ambos os países – ou pelo menos num aliado estratégico decisivo dos combatentes venezuelanos. Para os estrategistas do Império, retirar essa insurgência da cena regional é um objetivo prioritário. Não conseguiram fazê-lo pela via militar, tentam agora alcançá-lo através de uma complexa operação que envolve pressões diretas e indiretas e ofertas tentadoras combinadas com a ameaça (e a prática) permanente do garrote bélico. Tentam converter a crescente debilidade (e decrescente legitimidade) do regime colombiano numa espécie de armadilha letal colocada aos pés da insurgência, "permitindo" sua extensão (que tende à sobre-extensão) política mais ou menos legal com a finalidade de criar-lhe ataduras sistêmicas de todo tipo (institucionais, políticas, ideológicas, sociais, etc) que a impeçam de sair da rota do apaziguamento. Ao enquadramento local acrescenta-se um não menos embrulhado jogo de pressões regionais e extra-regionais mais ou menos "amistosas" para completar o cerco psicológico. Apaziguar, deslocar, adormecer, penetrar esse fator perturbador extremamente perigoso constitui a obsessão desses manipuladores de alto nível. A estratégia tem algo de ciência e algo de pôquer porque se baseia principalmente na capacidade (difícil de medir) de absorção (de degradação politiqueira) do regime colombiano cuja evolução articula-se cada vez mais em torno de duas dinâmicas inter-relacionadas que podem ser maquiadas, ornamentadas com garantias democráticas ilusórias mas não eliminadas uma vez que constituem o núcleo duro, sobredeterminante da reprodução do sistema, da sua inserção no capitalismo global. 
 
Em primeiro lugar o aparelho militar, cujo sobredimensionamento em relação à sociedade colombiana corresponde à longa guerra interna que protagoniza assim como à sua vinculação-dependência ao aparelho militar norte-americano e às suas estratégias coloniais. Atravessado por negócios mafiosos próprios e laços diretos com o império, o aparelho militar dispõe de margens de autonomia significativas em relação às camarilhas burguesas locais com as quais compartilha interesses. Não é segredo para ninguém que os Estados Unidos contam com as forças armadas da Colômbia para suas futuras operações militares regionais e extra-regionais. Só algum progressista iludido pode acreditar que o Império e seus lacaios locais possam alguma vez aceitar pacificamente a democratização e redução significativa dessa estrutura criminosa
 
Em segundo lugar a crescente hegemonia econômica na Colômbia do complexo agro-mineral exportador (agricultura quase sem camponeses e mineração ultra-extrativista) expulsor de população e destruidor do meio ambiente. Este modelo vai-se impondo na América Latina, tanto em países com governos neoliberais como progressistas, e responde à lógica global do capitalismo, dos seus polos imperialistas (decadentes mas poderosos) decididos a saquear os recursos naturais da periferia. 
 
A eliminação ou subordinação democrática desse núcleo duro equivaleria em termos concretos à quebra da espinha dorsal do capitalismo colombiano. Custa a crer que os donos do sistema se resignem a perdê-lo enquanto o Império exacerba sua guerra planetária. 

 
Os crápulas transparentes 
 
Os Estados Unidos expandem seu desdobramento militar pela América Latina, secundados pelos seus aliados da OTAN. 
 
Vejamos algumas notícias recentes. No Paraguai, acaba de desembarcar um contingente de peritos britânicos em inteligência militar, segundo foi informado pelo governo desse país, os quais assim se somam a um número desconhecido de "assessores" norte-americanos formais e de mercenários de diferentes origens [1] . Em Honduras, os Estados Unidos decidiram instalar (na base de Palmerola) uma denominada "Força-Tarefa de Finalidade Especial Ar-Terra de Fuzileiros Navais – Sul" que, dotada da mais alta tecnologia, estará em condições de operar rapidamente em qualquer zona da região considerada "em situação de crise" [2] . No Peru, em 2015, estão a chegar 3200 fuzileiros navais (marines) norte-americanos, prolongando as tarefas de apoio que já realizavam destinadas, segundo a informação oficial, "a combater as ameaças insurgentes" [3] . 
 
Em relação à dupla Colômbia-Venezuela, as notícias não podem ser mais claras. Em princípios deste ano foi anunciada a instalação no departamento de La Guajira, fronteiriço com a Venezuela (próximo de Maracaibo) de uma unidade blindada capaz de deslocar-se rapidamente, chamada "Força-Tarefa de Armas Combinadas Medianas" (FUTAM). A nova unidade militar disporá de blindados da última geração. Segundo a publicação especializada "defensa.com", no ato oficial de entrega dos mesmos o ministro da Defesa da Colômbia, Juan Carlos Pinzón, "referindo-se a um cenário futuro de pós-conflito perante a possibilidade de chegar à paz com a guerrilha das FARC, ressaltou que as Forças Armadas da Colômbia 'têm hoje capacidade de inter-operar com outras do mundo, especialmente com as de outros países com padrões internacionais e com missões que busquem garantir a paz global'...". Os "outros países" são em primeiro lugar os Estados Unidos e seus sócios da OTAN & Co. que "garantem a paz" (?) com suas guerras na Líbia, Iraque, Afeganistão, Iémen, Síria, Palestina, Ucrânia... 
 
Isto coincide com o que se verificou na "mesa de peritos" convocada pelo ministro Pinzon acerca do tema do futuro das forças armadas colombianas. Ali, Mary Beth Long, ex-subsecretária da Defesa dos Estados Unidos, assinalou que "os militares (colombianos) estão estudando outras ameaças na região que podem representar seus vizinhos como a Venezuela, preparar-se para essas eventualidades e os felicito por isso porque há outros desafios no horizonte, e sua força pública, sua liderança e sua polícia já se estão a preparar para isso" [4]
 
Mas o departamento de La Guajira não é apenas o lugar de uma base operativa destinada a agredir a Venezuela. Há poucos dias a agência de notícias ADITAL informava: "Desde que o principal rio da região foi represado e a sua água privatizada pela indústria agrícola e pela maior exploração da mina de carvão a céu aberto do mundo, a maior comunidade indígena da Colômbia, constituída pelos povo Wayúu, morre de fome e de sede. Situada no extremo norte do país, na península desértica de La Guajira, a população sofre devido à desnutrição, subindo a pelo menos 37 mil as crianças indígenas desnutridas. Há dados a assinalar que cerca de 14 mil meninos e meninas já morreram de inanição".
 

(1) "Expertos británicos proveen asistencia de inteligencia en Paraguay" , HISPANTV, 19 de marzo de 2015 
 
(2) "EEUU creará fuerza especial para América Latina con sede en Honduras" , ANNCOL, 3 de Abril de 2015 
 
(3) "Arribó al Perú el segundo contingente de soldados de EEUU" , defensa.com, 19 de febrero de 2015 
 
(4) "Exsubsecretaria de Defensa dice que Colombia se prepara para eventuales conflictos con Venezuela" , noticias-uno, 28 de marzo de 2015 
 
(5) Marcela Belchior, "Privatización de río provoca 14 mil muertes de indígenas por inanición" , ADITAL, 5 de Abril de 2015 
 
[NR] Mas em 08 de Abril um subordinado de Obama desmentiu a "Ordem executiva" do seu chefe. Ver: Venezuela: Ahora el gobierno de EEUU dice que no dijo lo que dijo su Presidente 

 
[*] Doutorado em economia e professor catedrático das universidades de Buenos Aires e Córdoba, na Argentina, e de Havana, em Cuba. É autor de  Capitalismo senil: a grande crise da economia global, publicado no Brasil pela editora Record (2001). Dirige o Instituto de Pesquisa Científica da Universidade da Bacia do Prata e publica regularmente em  Le Monde Diplomatique  (em castelhano). 

Nenhum comentário:

Postar um comentário