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Carta Maior, 20/04/2015
O império norte-americano apodrecendo por dentro
Por Luis Matías López - público.es
Este artigo fala sobre como o império norte-americano está afundando, podre por dentro, mas estufando o peito e com uma enganosa aparência de boa saúde. Como na Trilogia USA, de John Dos Passos, cheio daquele aroma esquerdista das primeiras três décadas do Século XX, o livro Desagregação – Por Dentro de Uma Nova América, de George Packer, jornalista oriundo da escola do The New Yorker, fala dos trinta anos de lenta decadência ianque, com os momentos decisivos desse processo, a partir da crise do petróleo em 1973 (“o último ano da Década de 50”, segundo um dos personagens do livro). Naquele momento, os Estados Unidos submergiu numa crise existencial e de identidade, uma fratura interna cujo resgate requer mais que a simples recuperação econômica.
Se Dos Passos apresentava doze personagens de ficção representativos da realidade social da época (desde um tipógrafo, a uma empregada, um mecânico ou um jornalista e ativista), Packer expõe a experiência vital de um punhado de personagens reais. Através deles reflete as luzes e sombras de um país no divã do psiquiatra, fragmentado e dividido, das cidades sem alma e em processo de descomposição, cada vez mais dependente do veículo privado, sem redes de transporte que facilitem a integração e a atividade comunitária, com bairros arrasados pelo tsunami dos despejados desabrigados.
Trata-se de um país que, enquanto ostenta ainda a supremacia tecnológica e científica, poderá manter a liderança mundial, e dar lições de moralidade e democracia. Apesar disso, o país vai descobrindo que é mais desigual que nunca, discrimina seus cidadãos, rouba seu dinheiro e seus serviços essenciais, destrói a classe média, o tecido social com o que, durante muitas décadas, vestiu seu modelo de grandeza. Com uma analogia extrema, pode-se dizer que as opções hoje estão entre ganhar um milhão de dólares por ano ou nove dólares por hora trabalhando no Wal-Mart.
Packer expõe este lamentável panorama em Desagregação, mas sem o mesmo fôlego ideológico esquerdista de Dos Passos, deixando uma certa margem, para que nem todos os leitores tirem as mesmas conclusões, mas com uma eficácia similar. Seus personagens são parecidos e ao mesmo tempo diferentes dos da Trilogia USA. O fato de serem reais agrega um pouco mais de força como categoria. O livro segue suas rotinas através dos tempos, vê como eles evoluem, se derrubam e se levantam, enfrentam dificuldades, os vê confiar e se decepcionar com os políticos, a ilusão com projetos empresariais condenados ao fracasso, e também os casos excepcionais onde se faz realidade o individualista e quase nunca solidário sonho americano.
Gente comum, pode ser um jornalista cheio de ideais que vasculha a sujeira das hipotecas do subprime que destruíram milhões de famílias indefesas diante das entidades financeiras; uma operária negra, mãe solteira e filha de uma viciada em drogas, expulsa do mercado de trabalho pela crise da indústria metalúrgica, e que se transforma em ativista comunitária; um visionário empreendedor que combate a crise da gasolina cara (uma tragédia para o estilo de vida norte-americano, hoje contornada pela queda no preço do petróleo) desenvolvendo a produção de biodiesel, usando até mesmo óleo jogado fora pelos restaurantes; um magnata do Silicon Valley que se tornou rico com Facebook, PayPal e outros projetos tecnológicos, mas que logo vai às bordas da ruína e reclama das universidades que não ensinam como gerir uma empresa; um assessor político e lobista testemunha das misérias da política, mas que mantêm durante décadas uma lealdade a Joe Biden (atual vice-presidente) que não sintoniza com o perfil egoísta que se conhece dele; um magnata corresponsável pelo crash financeiro que, apesar de tudo, termina sendo Secretário do Tesouro do Governo Obama… e um Obama que representou a esperança quando foi eleito, mas que, a cada dia que passa, se revela mais parecido com outro presidente vendido (ou acolhido) pelos poderes fáticos, a começar pelo financeiro.
Não somente os cidadãos são personagens em Desagregação. As cidades também, e duas muito em particular: Youngstown (Ohio) e Tampa (Florida). A primeira foi sempre irrespirável, e não no sentido figurado, já que há anos as chaminés dos altos-fornos formam parte da paisagem urbana, e sujam o ambiente com suas pestilentes emanações. Ao mesmo tempo, esse veneno inevitável era o símbolo da prosperidade, garantia o pleno emprego e bons salários, dando aos habitantes a oportunidade de organizar suas vidas sem angústias materiais. Até que a crise veio e esvaziou muitos bairros, atingiu milhares de famílias que não podiam pagar hipotecas a preços irreais, multiplicou as cotas de delinquência e a proporção de pobres dependentes da assistência social, e forçou a uma diminuição da população de forma brutal e irreversível.
Algo parecido ocorreu em Tampa, embora essa região da Florida o impacto no desenvolvimento não foi na indústria metalúrgica, mas, sim, na do sol, fonte de qualidade de vida que deveria atrair os endinheirados de todo o país, o que provocou uma descontrolada bolha imobiliária, com novos bairros se proliferando como fungos, os preços das propriedades dobrando de valor de um dia pro outro, onde quem não tinha onde cair morto embarcava na compra imobiliária em prestações, com a confiança de que em pouco tempo poderia vender e ganhar lucros fabulosos. Algo parecido ao que aconteceu na Espanha, mas numa escala ainda mais brutal. Porque a consequência foi uma epidemia de despejos. Quando a bolha estourou, o vazio destruiu as ilusões de milhares. O peso da falta de consciência, estimulada sem escrúpulos pelos especuladores, fez com que tantos sofressem um golpe do qual a maioria não conseguiria se recuperar jamais.
O sonho de Tampa era o de se transformar na “próxima grande cidade americana”, promovido inclusive com duas finais do Super Bowl e uma convenção do Partido Republicano, e não restou nada. Enquanto isso, a política, sempre a maldita política, e a emergência explosiva do Tea Party, impediam que surgissem projetos de regeneração da qualidade de vida para os cidadãos, como o de uma linha ferroviária urbana que reduzisse a dependência do automóvel privado, a reabilitação do centro como ponto de encontro dos moradores, para acabar com o isolamento dos bairros mais distantes, nascidos da péssima planificação urbanística e privados de serviços mais essenciais.
Assim como nos livros de John Dos Passos, Packer mescla as histórias individuais, fruto de centenas de entrevistas, com os retratos nem sempre condescendentes (e às vezes destrutivos) confeccionados a partir de fontes secundárias, de personagens conhecidos como o escritor Raymond Carver, o cronista da desesperança operária durante a Era Reagan, transformado em clássico moderno; o político republicano Newt Gingrich, personificação do conservadorismo mais reacionário; o empresário San Walton, dono do gigante das vendas baratas, criador do Wal-Mart, referência em termos de salários miseráveis e intolerância com os sindicatos; a apresentadora Oprah Winfrey, o rapper Jay-Z, o economista e Secretário do Tesouro Robert Rubin, a ativista Elisabeth Warren e a paladina da comida saudável e ecológica Alice Waters. Junto com eles, vários perdedores sem esperança de redenção, sempre na luta desesperada por conseguir uma assistência médica adequada, um covil onde se possa viver mal em troca de uns poucos dólares e ter o suficiente para comprar algumas roupas e dar de comer aos filhos, com a necessidade vez ou outra de ter que aceitar as humilhações da sempre insuficiente caridade pública ou privada.
Essa Desagregação, citada no título livro, trouxe paradoxalmente “muito mais liberdade”, segundo Packer. Liberdade de ganhar ou perder (“o esporte favorito dos norte-americanos”), para superar o fracasso e refazer a vida na terra das oportunidades, onde qualquer um pode chegar a ser presidente. Mas, sobretudo, liberdade para que te despeçam, te droguem, te levem à bancarrota, para que você fracasse, fique sozinho (a porcentagem de famílias de uma só pessoa é a mais alta da história)…Liberdade que faz desaparecer o tecido industrial, arrasa as cidades e os pilares da cidadania, das igrejas aos sindicatos e as organizações cívicas.
Pode-se argumentar que, de toda forma, e muito mais claramente que na Espanha, esse desmoronamento social foi contido, que a economia dos Estados Unidos leva vários anos em expansão, que a taxa de desemprego foi tão reduzida que quase se pode falar em pleno emprego, que o pior já passou, que chegou de novo a hora do otimismo. Mas se trata de uma ilusão, porque a forma com que políticos, banqueiros e grandes empresários enfrentaram essa crise não curou as feridas, não ha reconstruiu o tecido social que havia antes. Até porque ter um emprego, na era da precariedade e do arrocho salarial, já não és garantia de uma vida digna. Nem lá nem cá.
Após a II Guerra Mundial, houve nos EUA uma espécie de época dourada do capitalismo, mais de duas décadas em que o contrato social implícito estabelecia uma distribuição da riqueza que não chegava a ser equitativa, mas tampouco era abusiva demais, um sistema onde todos ganhavam (ainda que alguns poucos levassem muito mais que a grande maioria) e a paz social se mantinha com o desenvolvimento econômico. Mas a paisagem atual é bem diferente, mostra uma degradação sem volta atrás, que começa na Era Reagan e se manteve ininterrupta durante as administrações dos democratas – nem Carter, nem Clinton e muito menos o Obama do yes, we can puderam reverter.
Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%. O câncer da desigualdade chegou ao ponto de metástase, corroendo a sociedade inteira. Os ricos são mais ricos que nunca. Os pobres, muito mais pobres. Packer não tenta fazer pregação ideológica, se limita a contar histórias e refletir os fatos. Oficialmente, não toma partido. E não faz falta, porque as conclusões são evidentes.
Desagregação não é o primeiro livro que ilustra uma tragédia existencial, nem será o último. Contudo, posso estar muito enganado, mas creio que deverá se tornar referência sobre a crise mais destrutiva da história dos EUA. No fim das contas, esse foi o grande mérito de John Dos Passos na Trilogia USA: que é inevitável se referir às suas novelas para analisar aquela época conturbada, mas não tanto quanto a atual, em que o império ainda pretende ditar a pauta no mundo enquanto a podridão corrói suas entranhas.
Luis Matías López é ex redator-chefe e ex-correspondente em Moscou do El País da Espanha, membro do Conselho Editorial de PÚBLICO até a desaparição de sua edição em papel.
Se Dos Passos apresentava doze personagens de ficção representativos da realidade social da época (desde um tipógrafo, a uma empregada, um mecânico ou um jornalista e ativista), Packer expõe a experiência vital de um punhado de personagens reais. Através deles reflete as luzes e sombras de um país no divã do psiquiatra, fragmentado e dividido, das cidades sem alma e em processo de descomposição, cada vez mais dependente do veículo privado, sem redes de transporte que facilitem a integração e a atividade comunitária, com bairros arrasados pelo tsunami dos despejados desabrigados.
Trata-se de um país que, enquanto ostenta ainda a supremacia tecnológica e científica, poderá manter a liderança mundial, e dar lições de moralidade e democracia. Apesar disso, o país vai descobrindo que é mais desigual que nunca, discrimina seus cidadãos, rouba seu dinheiro e seus serviços essenciais, destrói a classe média, o tecido social com o que, durante muitas décadas, vestiu seu modelo de grandeza. Com uma analogia extrema, pode-se dizer que as opções hoje estão entre ganhar um milhão de dólares por ano ou nove dólares por hora trabalhando no Wal-Mart.
Packer expõe este lamentável panorama em Desagregação, mas sem o mesmo fôlego ideológico esquerdista de Dos Passos, deixando uma certa margem, para que nem todos os leitores tirem as mesmas conclusões, mas com uma eficácia similar. Seus personagens são parecidos e ao mesmo tempo diferentes dos da Trilogia USA. O fato de serem reais agrega um pouco mais de força como categoria. O livro segue suas rotinas através dos tempos, vê como eles evoluem, se derrubam e se levantam, enfrentam dificuldades, os vê confiar e se decepcionar com os políticos, a ilusão com projetos empresariais condenados ao fracasso, e também os casos excepcionais onde se faz realidade o individualista e quase nunca solidário sonho americano.
Gente comum, pode ser um jornalista cheio de ideais que vasculha a sujeira das hipotecas do subprime que destruíram milhões de famílias indefesas diante das entidades financeiras; uma operária negra, mãe solteira e filha de uma viciada em drogas, expulsa do mercado de trabalho pela crise da indústria metalúrgica, e que se transforma em ativista comunitária; um visionário empreendedor que combate a crise da gasolina cara (uma tragédia para o estilo de vida norte-americano, hoje contornada pela queda no preço do petróleo) desenvolvendo a produção de biodiesel, usando até mesmo óleo jogado fora pelos restaurantes; um magnata do Silicon Valley que se tornou rico com Facebook, PayPal e outros projetos tecnológicos, mas que logo vai às bordas da ruína e reclama das universidades que não ensinam como gerir uma empresa; um assessor político e lobista testemunha das misérias da política, mas que mantêm durante décadas uma lealdade a Joe Biden (atual vice-presidente) que não sintoniza com o perfil egoísta que se conhece dele; um magnata corresponsável pelo crash financeiro que, apesar de tudo, termina sendo Secretário do Tesouro do Governo Obama… e um Obama que representou a esperança quando foi eleito, mas que, a cada dia que passa, se revela mais parecido com outro presidente vendido (ou acolhido) pelos poderes fáticos, a começar pelo financeiro.
Não somente os cidadãos são personagens em Desagregação. As cidades também, e duas muito em particular: Youngstown (Ohio) e Tampa (Florida). A primeira foi sempre irrespirável, e não no sentido figurado, já que há anos as chaminés dos altos-fornos formam parte da paisagem urbana, e sujam o ambiente com suas pestilentes emanações. Ao mesmo tempo, esse veneno inevitável era o símbolo da prosperidade, garantia o pleno emprego e bons salários, dando aos habitantes a oportunidade de organizar suas vidas sem angústias materiais. Até que a crise veio e esvaziou muitos bairros, atingiu milhares de famílias que não podiam pagar hipotecas a preços irreais, multiplicou as cotas de delinquência e a proporção de pobres dependentes da assistência social, e forçou a uma diminuição da população de forma brutal e irreversível.
Algo parecido ocorreu em Tampa, embora essa região da Florida o impacto no desenvolvimento não foi na indústria metalúrgica, mas, sim, na do sol, fonte de qualidade de vida que deveria atrair os endinheirados de todo o país, o que provocou uma descontrolada bolha imobiliária, com novos bairros se proliferando como fungos, os preços das propriedades dobrando de valor de um dia pro outro, onde quem não tinha onde cair morto embarcava na compra imobiliária em prestações, com a confiança de que em pouco tempo poderia vender e ganhar lucros fabulosos. Algo parecido ao que aconteceu na Espanha, mas numa escala ainda mais brutal. Porque a consequência foi uma epidemia de despejos. Quando a bolha estourou, o vazio destruiu as ilusões de milhares. O peso da falta de consciência, estimulada sem escrúpulos pelos especuladores, fez com que tantos sofressem um golpe do qual a maioria não conseguiria se recuperar jamais.
O sonho de Tampa era o de se transformar na “próxima grande cidade americana”, promovido inclusive com duas finais do Super Bowl e uma convenção do Partido Republicano, e não restou nada. Enquanto isso, a política, sempre a maldita política, e a emergência explosiva do Tea Party, impediam que surgissem projetos de regeneração da qualidade de vida para os cidadãos, como o de uma linha ferroviária urbana que reduzisse a dependência do automóvel privado, a reabilitação do centro como ponto de encontro dos moradores, para acabar com o isolamento dos bairros mais distantes, nascidos da péssima planificação urbanística e privados de serviços mais essenciais.
Assim como nos livros de John Dos Passos, Packer mescla as histórias individuais, fruto de centenas de entrevistas, com os retratos nem sempre condescendentes (e às vezes destrutivos) confeccionados a partir de fontes secundárias, de personagens conhecidos como o escritor Raymond Carver, o cronista da desesperança operária durante a Era Reagan, transformado em clássico moderno; o político republicano Newt Gingrich, personificação do conservadorismo mais reacionário; o empresário San Walton, dono do gigante das vendas baratas, criador do Wal-Mart, referência em termos de salários miseráveis e intolerância com os sindicatos; a apresentadora Oprah Winfrey, o rapper Jay-Z, o economista e Secretário do Tesouro Robert Rubin, a ativista Elisabeth Warren e a paladina da comida saudável e ecológica Alice Waters. Junto com eles, vários perdedores sem esperança de redenção, sempre na luta desesperada por conseguir uma assistência médica adequada, um covil onde se possa viver mal em troca de uns poucos dólares e ter o suficiente para comprar algumas roupas e dar de comer aos filhos, com a necessidade vez ou outra de ter que aceitar as humilhações da sempre insuficiente caridade pública ou privada.
Essa Desagregação, citada no título livro, trouxe paradoxalmente “muito mais liberdade”, segundo Packer. Liberdade de ganhar ou perder (“o esporte favorito dos norte-americanos”), para superar o fracasso e refazer a vida na terra das oportunidades, onde qualquer um pode chegar a ser presidente. Mas, sobretudo, liberdade para que te despeçam, te droguem, te levem à bancarrota, para que você fracasse, fique sozinho (a porcentagem de famílias de uma só pessoa é a mais alta da história)…Liberdade que faz desaparecer o tecido industrial, arrasa as cidades e os pilares da cidadania, das igrejas aos sindicatos e as organizações cívicas.
Pode-se argumentar que, de toda forma, e muito mais claramente que na Espanha, esse desmoronamento social foi contido, que a economia dos Estados Unidos leva vários anos em expansão, que a taxa de desemprego foi tão reduzida que quase se pode falar em pleno emprego, que o pior já passou, que chegou de novo a hora do otimismo. Mas se trata de uma ilusão, porque a forma com que políticos, banqueiros e grandes empresários enfrentaram essa crise não curou as feridas, não ha reconstruiu o tecido social que havia antes. Até porque ter um emprego, na era da precariedade e do arrocho salarial, já não és garantia de uma vida digna. Nem lá nem cá.
Após a II Guerra Mundial, houve nos EUA uma espécie de época dourada do capitalismo, mais de duas décadas em que o contrato social implícito estabelecia uma distribuição da riqueza que não chegava a ser equitativa, mas tampouco era abusiva demais, um sistema onde todos ganhavam (ainda que alguns poucos levassem muito mais que a grande maioria) e a paz social se mantinha com o desenvolvimento econômico. Mas a paisagem atual é bem diferente, mostra uma degradação sem volta atrás, que começa na Era Reagan e se manteve ininterrupta durante as administrações dos democratas – nem Carter, nem Clinton e muito menos o Obama do yes, we can puderam reverter.
Em 1980, 50% dos estadunidenses pensavam que a próxima geração viveria pior que a sua. Hoje a cifra subiu para um assustador 80%. O câncer da desigualdade chegou ao ponto de metástase, corroendo a sociedade inteira. Os ricos são mais ricos que nunca. Os pobres, muito mais pobres. Packer não tenta fazer pregação ideológica, se limita a contar histórias e refletir os fatos. Oficialmente, não toma partido. E não faz falta, porque as conclusões são evidentes.
Desagregação não é o primeiro livro que ilustra uma tragédia existencial, nem será o último. Contudo, posso estar muito enganado, mas creio que deverá se tornar referência sobre a crise mais destrutiva da história dos EUA. No fim das contas, esse foi o grande mérito de John Dos Passos na Trilogia USA: que é inevitável se referir às suas novelas para analisar aquela época conturbada, mas não tanto quanto a atual, em que o império ainda pretende ditar a pauta no mundo enquanto a podridão corrói suas entranhas.
Luis Matías López é ex redator-chefe e ex-correspondente em Moscou do El País da Espanha, membro do Conselho Editorial de PÚBLICO até a desaparição de sua edição em papel.
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