Quem ganha com a terceirização?
Por Cintia Renata Amaral*
A validade da terceirização da forma que está (atividade meio) já é prejudicial, pois paga salários mais baixos do que os "efetivos" recebem, trazendo inclusive uma forma de exclusão dentro da organização, pois os terceirizados são por vezes excluídos, e não raro, são inclusive impedidos de manter contato com os efetivos, afinal de contas, não pode haver qualquer indício de subordinação para não caracterizar relação de emprego, como todos sabemos.
No mais, além de o terceirizado ficar à margem da organização empresarial, este pode ser transferido a qualquer momento de local de trabalho, trazendo-lhe além dos prejuízos financeiros (baixos salários), prejuízos sociais, pois nem ao menos pode criar vínculos sociais, tão importantes para qualquer ser humano, o que só é possível através de um convívio diário e constante.
Além disso, como não estão sob a responsabilidade do tomador, ficam mais sujeitos a acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, o que por sua vez gera mais transtornos, pois nesses casos, o tomador buscará se eximir da culpa, afinal, a responsabilidade é do gerador da mão-de-obra (que muitas vezes não tem capital próprio, pois só vive do lucro sobre o que o tomador lhe paga por empregado), e em uma eventual ação trabalhista, imaginem a dificuldade do trabalhador em buscar testemunhas para o caso, posto que como pode mudar de local de trabalho constantemente, pode ocorrer de nem lembrar de algum colega de trabalho que tenha acompanhado o que lhe ocorreu, já que não houve tempo nem de saber seu nome.
Fato é que a terceirização como atividade meio já deveria ser extinta, pois só traz prejuízos aos empregados e incentiva a exploração, acompanhada da falta de responsabilidade de quem efetivamente explora, ou seja, a tomadora. Estendê-la a todas as áreas, como visa o projeto, significa dizer que o ser humano enquanto trabalhador não passa de número, e deve ser cada vez mais explorado, trabalhar em condições precárias e com baixos salários, com o plus de a figura do empregador definida tão claramente na CLT não mais "assumir os riscos da atividade".
É claro que existem empresas que acreditam na força dos recursos humanos e realmente querem investir nele, mas se a terceirização for aberta a qualquer setor da empresa, será tentador terceirizar tudo, afinal de contas, a empresa só se preocupará em pagar a empresa de mão-de-obra, não se preocupando em treinamentos, investimentos, garantir segurança, e ainda promover algum terceirizado, afinal de contas, na próxima semana ele poderá estar em outro local, algo totalmente aceitável na terceirização.
O que todos precisam saber, é que a terceirização pode atingir a TODOS OS BRASILEIROS EMPREGADOS, portanto, é dever de todos lutar contra a aprovação dessa PL que só traz prejuízos a grande maioria da população brasileira, ou seja, os trabalhadores, em benefício de alguns poucos Empregadores, que poderão explorar mais e lucrar ainda mais com a força da mão-de-obra trabalhadora, algo inadmissível nos dias de hoje, já que não estamos mais no tempo da escravidão, ou pelo menos, essa não é considerada legal.
*Cintia Renata Amaral é advogada que atua na área do Direito do Trabalho, Direito Civil (família, inventário) (relações de consumo), Previdenciário e Contratos em geral. Contato: cintiarenata.adv@outlook.com.
Brasil Debate, 10 de abril de 2015
O projeto da terceirização e o trabalho das mulheres
Por Juliane Furno*
O dia 08 de abril deve entrar para a história brasileira como um marco na legislação sobre trabalho. Foi aprovado – no Congresso Nacional mais conservador do período democrático – o Projeto de Lei 4330, que regulamenta a prática da terceirização do trabalho tanto para as atividades meio (como limpeza e segurança) como para as atividades fins (que compreendem a finalidade dos servidos prestados pelas empresas).
Esse PL já tramita nas esferas federais há cerca de 11 anos, e sua aprovação vinha sendo postergada pela ação contínua de resistência por parte da classe trabalhadora, em especial pelas suas entidades de representação sindical.
Se a constituição cidadã de 1988 foi um “ponto fora da curva” em um momento histórico de recessão econômica e de aposta das promessas de “salvação” de corte liberal, o mesmo se pode dizer quanto à aprovação de um dos principais projetos de precarização e rebaixamento da força de trabalho, em um período histórico de avanços trabalhistas, representado pelo baixo índice de desemprego e pela constante valorização real do salário mínimo.
Esse parece ter sido mais um dos indícios de que o ano de 2015 pode marcar nova inflexão na correlação de forças no cenário nacional. Ajuste fiscal, aprovação do PL 4330 e as perspectivas de que avançará a proposta de redução da maioridade penal demonstram a ofensiva dos setores da direita e conservadores e a abertura para o seu florescimento em meio a um governo de coalização. Os setores mais à direita do governo têm se fortalecido em meio à falta de unidade e proposição da esquerda.
A regulamentação da terceirização, sob o argumento de maior produtividade do trabalho e competitividade da indústria nacional, esconde sua verdadeira face. O que está por trás desse projeto é a retomada das taxas de lucro dos grandes empreendimentos mediante o estrangulamento do fator trabalho.
Segundo dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE (2014), os trabalhadores que são terceirizados recebem uma média de 24,7% a menos que os funcionários contratados diretamente pela empresa fim.
Visto que as mulheres ganham em geral somente 80% do salário dos homens, isso significa que seus rendimentos seriam ainda menores! Além disso, as mulheres já são a maioria entre os trabalhadores terceirizados, por um agravante histórico da construção do patriarcado, o qual relega as mulheres – de forma naturalizada – uma posição subalterna no mercado e as reserva às posições com piores rendimentos e mais desvalorizadas socialmente.
Com a aprovação do PL 4330, a prática da terceirização passa a ser legitimada e incentivada, e as mulheres são a categoria mais atingida por essas formas de contratação, em especial as mulheres negras.
Além disso, há uma institucionalização no imaginário social coletivo de que as mulheres devem desempenhar os trabalhos domésticos e de cuidado, segundo uma lógica de divisão sexual do trabalho. Essa situação já cria uma dupla jornada de trabalho para as mulheres, que têm seus empregos no mercado e suas obrigações nas tarefas de reprodução.
Como, em geral, os trabalhadores terceirizados trabalham em média 3h diárias a mais que os contratados diretos, e pressupondo que as mulheres são a maioria das terceirizadas, isso representa mais uma adição na quantidade de horas de trabalho que as mulheres desempenham, contabilizando as remuneradas e as não remuneradas.
Outro aspecto importante é quanto à segurança do trabalho. No uso da terceirização, o trabalhador fica desprotegido do ponto de vista da responsabilização por acidente de trabalho, uma vez que a empresa não se responsabiliza pela sua contratação. Entre os estudos recentes, muitos apontam os trabalhadores terceirizados como as principais vítimas de acidentes de trabalho, vários deles fatais.
Para finalizar, a institucionalização da prática da terceirização fere as conquistas históricas da classe trabalhadora, uma vez que atingem seu principal legado que são os direitos adquiridos.
O trabalhador terceirizado não raras vezes é contratado de forma a burlar a legislação trabalhista, mediante contratos temporários e contratos de pessoa jurídica (PJ), que passam à margem do conjunto de direitos trabalhistas conquistados pelo movimento sindical organizado. Para as mulheres, isso representa mais precarização e maior flexibilização do trabalho. O que já é uma realidade para a maioria pode se tornar uma totalidade.
A prática da terceirização ainda contribuiu para romper os poucos laços de solidariedade que existem no interior da classe trabalhadora, na medida em que fragiliza e desunifica a representação sindical e cria uma lógica de acirramento da concorrência.
*Juliane Furno é graduada em ciências sociais pela UFRGS, mestranda em desenvolvimento econômico na Unicamp e militante do plebiscito constituinte do comitê Unicamp
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