sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Kit de emigração de Portugal

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Folha.com, 06/01/2012
Portugal: ame-o ou deixe-o

Patrícia Campos Mello


O primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, sugeriu no fim do ano que os professores portugueses desempregados emigrem para países como o Brasil e Angola. As declarações causaram enorme celeuma em Portugal, que vive uma das maiores crises de sua história. Aqui no Brasil, a notícia não repercutiu.
Em entrevista ao jornal "Correio da Manhã" em 18 de dezembro, Passos Coelho afirmou que os professores "excedentes" de Portugal deveriam procurar emprego "em Angola e não só. O Brasil tem também uma grande necessidade ao nível do ensino básico e secundário." E acrescentou: "Sabemos que há muitos professores em Portugal que não têm, nesta altura, ocupação. E o próprio sistema privado não consegue ter oferta para todos."
Na entrevista, o primeiro-ministro ressaltou também que Angola teria capacidade para absorver mão de obra portuguesa em setores relacionados a "tecnologias de informação e do conhecimento, e ainda em áreas muito relacionadas com a saúde, com a educação, com a área ambiental, com comunicações".
E para não deixar dúvidas de que estava realmente incentivando a emigração: "nos próximos anos haverá muita gente em Portugal que, das duas uma: ou consegue nessa área fazer formação e estar disponível para outras áreas ou, querendo manter-se sobretudo como professores, podem olhar para todo o mercado da língua portuguesa e encontrar aí uma alternativa."
Questionado sobre o bom senso de se incentivar o êxodo de mão de obra qualificada do país, Passos Coelho não recuou - disse apenas que a questão da emigração é um "episódio lateral" e afirmou ter como princípio falar verdade e não iludir os portugueses.
Paulo Rangel, um outro líder do PSD, o partido do primeiro-ministro, foi além: "deveria ser criada uma agência governamental para ajudar os portugueses que queiram emigrar por não encontrarem trabalho em Portugal".
Isso em um país que tem um dos piores níveis de escolarização da Europa. Segundo o relatório do Desenvolvimento Humano de 2011, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a escolarização média da população de Portugal com mais de 25 anos era de 7,7 anos, enquanto na Grécia e na Itália era de 10,1 anos. Na Alemanha é de 12,2 e nos EUA, de 12,4.
Os professores, irados, mandaram Passos Coelho fazer as malas e se mudar do país.

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Na internet, já surgiram "kits de emigração do Passos Coelho", com os dizeres "Desempregado? Kit de emigração do governo de Portugal". O pacote inclui uma lancheira, espaço para diploma, passagem aérea só de ida, foto de um parente com seu prato favorito.
"Primeiro foi a surpresa e o choque (com as declarações de Passos Coelho); depois virou piada", conta a jornalista portuguesa Rita Siza, do jornal "Público" e colunista da Folha.
O desânimo em Portugal é generalizado. O governo cortou salários e adicionais de férias e Natal dos funcionários públicos. O setor privado está negociando reduções de salários com os funcionários: em uma empresa, foram negociados três cortes salariais em 2011.

Patrícia Campos Mello é repórter especial da Folha e escreve sobre política e economia internacional. Foi correspondente em Washington durante quatro anos, onde cobriu a eleição do presidente Barack Obama, a crise financeira e a guerra do Afeganistão, acompanhando as tropas americanas. Tem mestrado em Economia e Jornalismo pela New York University. É autora dos livros "O Mundo Tem Medo da China" (Mostarda, 2005) e "Índia - da Miséria à Potência" (Planeta, 2008).

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