A reforma do Ministério e as crises políticas
Jornal do Brasil, 20/01/12
A reforma do Ministério e as crises políticas
Por Mauro Santayana
Getúlio Vargas, que, além de seu reconhecido patriotismo, se associou ao exercício do poder executivo como nenhum outro governante brasileiro, via seus auxiliares com ceticismo sábio. Raramente os elogiava, a não ser em situações pontuais, se isso era de interesse político ou administrativo. Sua máxima é conhecida: todo ministério é um ministério de experiência. Os ministros serviam, enquanto bem serviam ao país, em seu critério de chefe. Quando não serviam, individualmente ou em bloco, substituía-os, sem grandes dramas, a não ser para alguns dos dispensados. Como se sabe, o poder é como o amor: dele ninguém se liberta sem algum sofrimento.
Ninguém consegue governar só, nem mesmo os déspotas mais audazes. Nos sistemas democráticos, ou que assim se identificam, os chefes governam com facções políticas. Essas facções – e sempre foi assim – poucas vezes se formam a partir de escolhas ideológicas sinceras. Organizam-se a partir de razões objetivas, como os interesses econômicos e corporativos, e de sentimentos subjetivos, como os da amizade e do carisma de seus líderes.
Há, no entanto, os casos, freqüentes na História, de psicopatia política. Alguns gravíssimos, como os de Nero, Calígula, Hitler e Franco; outros ridículos, além de criminosos, como os de Mussolini, Berlusconi, Salazar e os vizinhos Somoza, Pinochet, Stroessner e Trujillo. Isso sem falar em nossa própria realidade, com Médici, Collor e Jânio Quadros. Mas, nem mesmo Filippo Maria Visconti – o cruel Duque de Milão, tirano em estado puro, como o definiu Elias Cannetti – governava só. Ele, que exerceu o poder de 1412 a 1447, para manter o ducado íntegro, dependeu de seu chefe militar Francesco Sforza, de quem fez genro e sucessor.
Os historiadores e analistas das causas e razões do poder se dividem na dúvida permanente: governar é ciência ou arte? Mesmo os chefes mais intuitivos dependem de um mínimo de conhecimento para o exercício do poder. Os governantes devem saber mandar. Tancredo recomendava aos seus auxiliares pensar antes de dar uma ordem. Deveriam estar certos de que a ela seria cumprida, ou seja, de que o subordinado teria condições de executar bem a missão. Saber mandar é saber escolher – mas nem sempre o chefe de governo tem a possibilidade de nomear a pessoa certa para os cargos. Daí o conselho de Vargas: todo ministro vive uma situação precária em seu cargo, uma vez que são demissíveis ad-nutum.
Discutir, nesse momento de nossa estação histórica, o desconforto da presidente da República em negociar com um parlamento eclético e, em grande parcela, alheio aos interesses do povo brasileiro, é ocioso. Ela só pode administrar a circunstância que seus antecessores lhe legaram. E isso, queiram ou não os seus opositores atropelados pela realidade, ela vem fazendo com êxito, dentro dos limites do possível.
Muitos contestam a substituição de tantos ministros que, acusados de corrupção, não puderam, ou não quiseram, defender-se convincentemente dos erros que lhes atribuíam. Esquecem-se de que, mesmo com os escolhos de uma coligação política quase teratológica, ela construiu o governo mediante as consultas com suas bases parlamentares e líderes políticos aptos a recomendar os titulares do Ministério. Tratava-se, como todos os outros, de um ministério de experiência. Nas últimas semanas, antes da reforma recomendada pelo calendário eleitoral, ela pôde reunir informações e confrontá-las com as razões de Estado e suas próprias razões, a fim de reorganizar o Ministério. Que será, sempre como recomenda a inteligência política, de experiência, passível de ser substituído, no todo ou em parte, e em qualquer momento, de acordo com as circunstâncias.
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