Um novo degrau de ruptura
Por Saul Leblon
O conservadorismo reconhecido e não dissimulado do Financial Times deu contornos ainda mais desconcertantes a uma informação exclusiva publicada na sua edição de 6ª feira última, 27-01. Documento sigiloso do governo alemão, obtido pelo jornal, preconiza literalmente que a Grécia seja privada de sua soberania orçamentária terceirizando-se o comando financeiro do país a um diretório nomeado pela UE. Simultaneamente, o Parlamento grego seria induzido a aprovar uma lei que legitimaria a precedência do pagamento aos credores sobre qualquer outro gasto público nacional, até que se possa zerar esse passivo. Ou seja, nunca.
No estilo peremptório conhecido dos mercados, o diktat prussiano conclui que diante da insatisfatória competência de Atenas para cumprir acordo anteriores, "a Grécia tem que aceitar a cessão de sua soberania orçamentária para a administração européia por um tempo".
O desembaraço de um poder financeiro que se move a contrapelo da democracia e da soberania das Nações é conhecido. Brasil e outras nações latino-americanas viveram isso na pele nos anos 80/90. Mas exceto no Tratado de Versalhes, nunca antes havia se manifestado na Europa de forma tão desabrida como agora, quando interventores são nomeados e ajustes são impostos a elites genuflexas e Parlamentos catatônicos, que renunciam a referendos e plebiscitos para não afrontar o imperativo financeiro.
O importante a reter é a incompatibilidade entre a asfixia necessária à preservação da riqueza financeira e as necessidades sociais e salvaguardas democráticas nos dias que correm.
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista e debate promovidos por Carta Maior durante o FSM, em Porto Alegre, chamou a coisa pelo nome e extraiu dela as consequências cabíveis que o jogo de faz-de-conta da mídia e de amplos círculos políticos e econômicos hesita em nomear: " A Taxa Tobin já se tornou anacrônica: a questão que está posta pela crise é o controle público de todo o sistema financeiro", disse Belluzzo.
Aqueles que subestimam a importância dos debates travados em Porto Alegre na última semana, elidem a gravidade desse divisor descortinado pelo intelectual cujo nome foi incluído entre os 100 maiores economistas dissidentes do século XX no 'Biographical Dictionary of Dissenting Economists'. Por certo não o fazem por menoscaso ao vencedor do Prêmio Juca Pato de 2005, mas, sim, por não conseguirem lidar com o fardo de uma disjuntiva histórica que os coloca ostesivamente em rota de colisão com a democracia e a civilização.
Como disse o próprio Belluzzo, na cerimonia de entrega do Juca Pato, em 2005: "O que está em jogo é o conflito entre os dois processos de universalização que se propagam desde o Iluminismo: a busca da igualdade entre os homens e os povos e a criação e acumulação da riqueza através da expansão mercantil". Não era apenas uma frase, mas a premonitória visão de um novo degrau de ruptura que agora chegou.
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