sábado, 14 de janeiro de 2012

Os Estados Unidos não são uma corporação

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UOL, 14.01.2012

Os Estados Unidos não são uma corporação, como prega Mitt Romney

 

Paul Krugman



Emmanuel Dunand/ AFP

Republicano Mitt Romney cumprimenta eleitores em Manchester, após conquistar a segunda vitória nas primárias republicanas

“E a ganância – lembrem-se das minhas palavras – não salvará apenas a Teldar Paper, mas também essa outra corporação problemática chamada Estados Unidos da América”.
Foi assim que o personagem fictício Gordon Gekko encerrou o seu famoso discurso “A ganância é boa” no filme de 1987 “Wall Street”. No filme, Gekko foi punido. Mas, na vida real, o gekkoismo triunfou, e um dos principais motivos pelos quais a renda tem aumentado muito mais rapidamente para os 1% mais ricos do que para a classe média é a aplicação de políticas baseadas na ideia de que a ganância é algo de positivo.
Entretanto, hoje eu vou me concentrar no resto da sentença, que compara os Estados Unidos a uma corporação. Esta é também uma ideia que tem sido amplamente aceita. E ela consiste na principal base argumentativa de Mitt Romney para explicar por que ele deveria ser eleito presidente. Na verdade, ele está afirmando que, para que a economia norte-americana seja consertada, nós precisamos de um líder que tenha tido sucesso empresarial.
É claro que ao apresentar esse argumento ele praticamente convidou analistas a fazerem um escrutínio intenso da sua carreira como empresário. E o que vimos foi que existe pelo menos um traço de Gordon Gekko no que se refere ao período que Romney passou na empresa de fundos private equity Bain Capital. Lá, Romney não era nenhum gerenciador empresarial de longo prazo encarregado de sanar as finanças de firmas, mas sim um corretor de compra e venda de companhias. A atuação dele era frequentemente prejudicial aos trabalhadores das companhias que eram alvos dos negócios (aliás, quando é que ele vai divulgar as suas declarações de renda?). E ele também não melhorou a sua credibilidade ao fazer alegações absurdas quanto ao papel de “criador de empregos” que teria desempenhado.
Mas existe um problema mais profundo quanto a essa ideia de que este país precisa de um empresário bem sucedido como presidente: os Estados Unidos não são de fato uma corporação. Elaborar uma boa política econômica para o país não tem nada a ver com a maximização de lucros corporativos. E os empresários – até mesmo os grandes empresários – em geral não contam com o talento especial que é necessário para fazer com que um país experimente uma recuperação econômica.
E por que uma economia nacional não é como uma corporação? Um dos motivos é o fato de em uma economia nacional não haver lucratividade. Além disso, uma economia é muito mais complexa do que até mesmo a maior companhia privada.
No entanto, o mais relevante para a nossa atual situação é o fato de até mesmo as corporações gigantescas venderem a maior parte daquilo que produzem para outras pessoas, e não para os seus próprios empregados, enquanto que até mesmo os pequenos países vendem a maior parte da sua produção para si próprios. E países grandes como os Estados Unidos são de longe os principais consumidores dos seus próprios produtos.
Sim, existe uma economia global. Mas seis em cada sete trabalhadores norte-americanos trabalham no setor de serviços, que encontra-se em grande parte isolado da competição internacional, e até mesmo as nossas fábricas vendem grande parte da sua produção para o mercado interno.
E o fato de nós vendermos principalmente para nós próprios faz uma enorme diferença quando chega a hora de pensar a respeito de políticas econômicas.
Vejamos o que ocorre quando uma empresa recorre a um programa rígido de redução de gastos. Sob o ponto de vista dos donos da companhia (mas não dos seus empregados), quanto mais cortes forem feitos, melhor. Todo dólar retirado da coluna de custos na folha de balanço será acrescentado ao lucro.
Mas a história é muito diferente quando um governo corta os seus gastos diante de uma economia deprimida. Basta ver a Grécia, a Espanha e a Irlanda, países que adotaram políticas monetárias extremamente austeras. Em todos estes casos o índice de desemprego disparou, já que os cortes de gastos governamentais atingiram principalmente os produtores domésticos. E em todos eles a redução dos déficits orçamentários foi menor do que a esperada, já que a arrecadação tributária caiu quando a produção e o índice de desemprego desmoronaram.
Mas, para sermos justos, um político de carreira tem necessariamente um melhor preparo para a tarefa de gerenciar políticas econômicas do que um empresário. Mas é Romney que está alegando que a sua carreira faz com que ele seja especialmente talhado para ocupar a presidência. E eu mencionei que o último empresário a morar na Casa Branca foi um cara chamado Herbert Hoover? (a menos que consideremos também como empresário o ex-presidente George W. Bush). Além disso, ninguém sabe se Romney entende a diferença entre administrar um negócio e gerenciar uma economia.
Assim como muitos observadores, eu fiquei meio estupefato com a mais recente defesa que ele fez da sua história na Bain – ele disse ter feito o mesmo que o governo Obama quando este socorreu a indústria automobilística, provocando a demissão de trabalhadores durante o processo. Seria de se imaginar que Romney preferisse não falar sobre uma política altamente bem sucedida, que à época foi criticada por praticamente todos no Partido Republicano, incluindo ele.
Mas o que realmente me choca é a maneira como Romney definiu as ações do presidente Barack Obama: “Ele fez aquilo para salvar a empresa”. Não foi nada disso. Ele fez aquilo para salvar o setor automobilístico e, portanto, para salvar empregos que caso contrário teriam sido perdidos, o que teria feito com que a crise econômica norte-americana aumentasse ainda mais. Será que Romney não consegue fazer uma distinção entre as duas coisas?
Não há dúvida de que os Estados Unidos necessitam de políticas econômicas melhores do que as atuais. E embora a maior responsabilidade pelas políticas ruins seja dos republicanos, com a sua oposição arrasadora a toda proposta construtiva, o presidente também cometeu alguns erros graves. Mas nós não teremos políticas melhores se o homem que se sentar na mesa do Salão Oval no ano que vem acreditar que o seu trabalho é implementar uma aquisição empresarial alavancada da America Incorporation.

Paul Krugman é professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999. Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008

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