http://www. observatoriodaimprensa.com.br/ news/view/o_lt_i_gt_bbb_lt_i_ gt_deveria_ser_proibido
EXPLORAÇÃO NA TV
O BBB deveria ser proibido
Por Luís Nassif em 19/01/2012
1. Intimidade e privacidade são bens indisponíveis. Isto é, não é dado a outras pessoas invadirem esse tipo de bem jurídico. É um direito individual, inalienável e intransferível. Somente a própria pessoa – por ela própria (não por meio de outro) – pode abrir mão desse direito.
2. Exemplificando. A legislação não pune a autolesão. Mas pune quem induz ou pratica a lesão em terceiros, mesmo com sua autorização. Não pune a tentativa de suicídio, mas quem induz. Não proíbe a prática de prostituição, mas pune quem explora. Esses princípios derrubam a ideia de que basta a pessoa autorizar para que sua intimidade possa ser exposta por terceiros de forma degradante.
3. Tem um caso clássico na França do lançamento de anões. Um bar tinha uma atração que consistia em lançamento de anões. A prática passou a ser questionada nos tribunais. O depoimento de um dos anões foi de que dignidade era ter dinheiro para sustentar a família. A corte decidiu que a dignidade humana deveria prevalecer e proibiu a prática explorada pelo estabelecimento.
A análise do BBB deve ser feita a partir desses pressupostos.
1. Não poderia ser questionado juridicamente alguém que coloque em sua própria casa uma webcam e explore sua intimidade.
2. No caso do BBB, no entanto, a exploração é feita por terceiros de forma degradante. É como (com o perdão da comparação) o papel da prostituta e do cafetão. E não é qualquer terceiro, mas o titular de uma concessão pública obrigado a seguir os preceitos éticos previstos na Constituição – que não contemplam o estímulo ao voyeurismo.
.....
BBB
Cabeças vazias, corpos sarados e comportamentos patéticos
Por Washington Araujo em 18/01/2012 na edição 677
Não demorou muito e o BBB é caso de polícia. Mais, é caso de estupro. Mais, é caso do habitual descaso com que a programação da tevê aberta brasileira é tratada tanto pela sociedade quanto pelas instâncias governamentais.
A 12ª edição de um dos programas mais fúteis dentre a enormidade de produção de lixo televisivo nem chegou a completar uma semana de existência e já mostrou a que veio: vender cabeças vazias em corpos sarados e uma série quase interminável de comportamentos humanos aceitáveis na esfera privada e patéticos quando transbordam para a esfera pública.
Na noite de sábado [14/1], festa no BBB. Prenúncio de comas alcoólicos e certeza de danças variando entre o sensual e o erótico, ritmo alucinante, luzes piscando e tudo contribuindo para a exposição, sem reservas, dos instintos humanos. Na madrugada de domingo, o Twitter passa a movimentar um sem número de mensagens denunciando Daniel de ter estuprado Monique, tudo captado pelas lentes do BBB, tanto imagem de cobertor em movimento quanto som. O problema, segundo o Twitter, é que apenas um dos dois parece estar vivo – apresenta, vamos dizer, sinais vitais. Este seria o Daniel. Não tardou para que hashtag #DanielExpulso viesse a ser um dos tópicos mais comentados do domingo.
E a onda se espraia na internet com força de tsunami: todos se unem para pedir a cabeça do Daniel e, de quebra, criticar ferozmente a existência de um programa como o Big Brother Brasil. Muitos questionam a correção em classificá-lo como programa. Muitos anunciam que irão boicotar a marca de automóveis Fiat, aquela que premia os carros entre os participantes e entre a audiência, e muitos clamam por intervenção do governo na grade de programação da tevê aberta.
Caso de polícia
Na tarde da segunda-feira [16/1], investigadores da polícia vão ao Projac (centro de produção da emissora, localizado na Zona Oeste do Rio) para apurar a suspeita de que Daniel teria abusado sexualmente de Monique durante a madrugada do último domingo [15/1]. A essa altura, Monique, a presumida vítima, é chamada no “confessionário” para dar explicações sobre o que aconteceu entre ela e Daniel na madrugada de segunda-feira. A moça parece não dizer coisa com coisa, algo como “não sei muito bem”, “acho que não passamos disso”, “ele seria muito mau-caráter se tivesse se aproveitado de mim”, e por aí vai. Logo, as notícias na internet, em particular no sítio G1, da TV Globo, produtora e responsável pela “atração”, passam a divulgar que a moça negou a ocorrência de estupro e replicam a fala do diretor-geral do reality show, J.B. Oliveira, o Boninho. “Ela não confirmou que teve sexo e disse que tudo o que aconteceu foi consensual. Não dá para garantir que houve sexo, muito menos estupro. Eles estavam debaixo do edredom e de lado. Mas o mais importante é que ela [Monique] estava consciente de tudo. Ela me disse que na hora que o clima esquentou pediu para ele [Daniel] sair da cama”. Não ficaria por aí: “O que está acontecendo nada mais é que racismo”.
Ainda na segunda-feira, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, enviou ofício ao Ministério Público do Rio de Janeiro solicitando que o órgão “tome providências em relação ao suposto estupro que teria acontecido dentro do programa Big Brother Brasil 2012, exibido pela TV Globo.”
Nesta mesma noite, Pedro Bial lê em teleprompter a nota oficial da TV Globo dando conta da expulsão de Daniel por “haver infringido gravemente o regulamento do BBB”. É evidente o clima de constrangimento, sentimento que nem deveria existir em se tratando do BBB, que bem poderia ser visto como uma gincana ininterrupta de constrangimentos... à condição humana. Patética a figura de Bial. Porque ele é aquele jornalista que cobriu a histórica derrubada do muro de Berlim, em novembro de 1989, e mostra à larga que o seu talento é melhor aproveitado fazendo o que faz há 12 anos seguidos no BBB: uma mistura de mestre-de-cerimônias com animador de picadeiro e bedel de escola primária com direito a filosofices tão rasas quanto o programa em que foi aceito como sumo pontífice. Fez o caminho de volta sem ao menos ter ido.
Silêncio da imprensa
Em um país que busca combater a violência contra a mulher em seus muitos aspectos e, em especial, combater o crime de estupro, chama a atenção o silêncio da grande imprensa em torno do caso. Sim, porque pedidos pela expulsão de Daniel e punições à TV Globo não partiram dos jornais Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e muito menos da emissora-líder na desconfortável posição de facilitar a ocorrência de estupro, com tudo gravado, segundo a segundo, e retransmitido para todo o Brasil. As denúncias começaram na forma de “piados” (twitter, em inglês), passaram pelo Facebook e tomaram forma nos tais blogues sujos (para a grande imprensa) e alternativos (para a cidadania).
No espaço de 24 horas, muitas águas rolaram nos desfiladeiros oceânicos da internet. Muitos levantaram o assunto na forma de algo adredemente planejado pela emissora do Jardim Botânico carioca para alavancar a audiência do BBB nesta sua 12ª edição. Outros tantos foram mais enfáticos e exigiram nada menos que a suspensão do programa por tempo ilimitado ou, ao menos, pelo tempo em que durarem as investigações policiais. Mas isto é pedir muito quando estão em jogo interesses unicamente comerciais. Porque o dinheiro não tem nem pátria, ética, nem moral, nem costumes. Tem apenas a densidade que seu proprietário a ele conceda. E nesses tempos em que a liberdade é vista como garantia de expressão dos instintos humanos básicos a qualquer momento, o sucesso nada mais é que conseguir esticar ao máximo seus quinze minutos de fama (lembram do Andy Warhol?), amealhar bens materiais e financeiros sem qualquer escrúpulo, usando os meios mais torpes para sua consecução. Neste contexto, não há muito o que esperar.
Nos últimos três anos escrevi no Observatório da Imprensa críticas ao conteúdo, formato, estilo, produção e transmissão do Big Brother Brasil. Tratei de estética, de conteúdo, de ética e de direitos humanos. Abordei a questão da privacidade e o circo de horrores que a qualquer momento poderia vir a ser a marca registrada do BBB. Depois, resolvi não mais escrever. Porque é difícil falar para o deserto, ou pior, para o vácuo. Mas com a chegada da polícia ao Projac julguei oportuno voltar a tratar do “assunto”. Não porque o programa mereça, mas sim porque é um momento propício para debater sobre a sociedade que temos e a sociedade que queremos.
E qual o papel da mídia, enquanto espelho da realidade, na formulação dessa nova sociedade, uma sociedade que seja justa, igualitária, fraterna, inclusiva e promotora dos direitos humanos?
[Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter]
A 12ª edição de um dos programas mais fúteis dentre a enormidade de produção de lixo televisivo nem chegou a completar uma semana de existência e já mostrou a que veio: vender cabeças vazias em corpos sarados e uma série quase interminável de comportamentos humanos aceitáveis na esfera privada e patéticos quando transbordam para a esfera pública.
Na noite de sábado [14/1], festa no BBB. Prenúncio de comas alcoólicos e certeza de danças variando entre o sensual e o erótico, ritmo alucinante, luzes piscando e tudo contribuindo para a exposição, sem reservas, dos instintos humanos. Na madrugada de domingo, o Twitter passa a movimentar um sem número de mensagens denunciando Daniel de ter estuprado Monique, tudo captado pelas lentes do BBB, tanto imagem de cobertor em movimento quanto som. O problema, segundo o Twitter, é que apenas um dos dois parece estar vivo – apresenta, vamos dizer, sinais vitais. Este seria o Daniel. Não tardou para que hashtag #DanielExpulso viesse a ser um dos tópicos mais comentados do domingo.
E a onda se espraia na internet com força de tsunami: todos se unem para pedir a cabeça do Daniel e, de quebra, criticar ferozmente a existência de um programa como o Big Brother Brasil. Muitos questionam a correção em classificá-lo como programa. Muitos anunciam que irão boicotar a marca de automóveis Fiat, aquela que premia os carros entre os participantes e entre a audiência, e muitos clamam por intervenção do governo na grade de programação da tevê aberta.
Caso de polícia
Na tarde da segunda-feira [16/1], investigadores da polícia vão ao Projac (centro de produção da emissora, localizado na Zona Oeste do Rio) para apurar a suspeita de que Daniel teria abusado sexualmente de Monique durante a madrugada do último domingo [15/1]. A essa altura, Monique, a presumida vítima, é chamada no “confessionário” para dar explicações sobre o que aconteceu entre ela e Daniel na madrugada de segunda-feira. A moça parece não dizer coisa com coisa, algo como “não sei muito bem”, “acho que não passamos disso”, “ele seria muito mau-caráter se tivesse se aproveitado de mim”, e por aí vai. Logo, as notícias na internet, em particular no sítio G1, da TV Globo, produtora e responsável pela “atração”, passam a divulgar que a moça negou a ocorrência de estupro e replicam a fala do diretor-geral do reality show, J.B. Oliveira, o Boninho. “Ela não confirmou que teve sexo e disse que tudo o que aconteceu foi consensual. Não dá para garantir que houve sexo, muito menos estupro. Eles estavam debaixo do edredom e de lado. Mas o mais importante é que ela [Monique] estava consciente de tudo. Ela me disse que na hora que o clima esquentou pediu para ele [Daniel] sair da cama”. Não ficaria por aí: “O que está acontecendo nada mais é que racismo”.
Ainda na segunda-feira, a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Iriny Lopes, enviou ofício ao Ministério Público do Rio de Janeiro solicitando que o órgão “tome providências em relação ao suposto estupro que teria acontecido dentro do programa Big Brother Brasil 2012, exibido pela TV Globo.”
Nesta mesma noite, Pedro Bial lê em teleprompter a nota oficial da TV Globo dando conta da expulsão de Daniel por “haver infringido gravemente o regulamento do BBB”. É evidente o clima de constrangimento, sentimento que nem deveria existir em se tratando do BBB, que bem poderia ser visto como uma gincana ininterrupta de constrangimentos... à condição humana. Patética a figura de Bial. Porque ele é aquele jornalista que cobriu a histórica derrubada do muro de Berlim, em novembro de 1989, e mostra à larga que o seu talento é melhor aproveitado fazendo o que faz há 12 anos seguidos no BBB: uma mistura de mestre-de-cerimônias com animador de picadeiro e bedel de escola primária com direito a filosofices tão rasas quanto o programa em que foi aceito como sumo pontífice. Fez o caminho de volta sem ao menos ter ido.
Silêncio da imprensa
Em um país que busca combater a violência contra a mulher em seus muitos aspectos e, em especial, combater o crime de estupro, chama a atenção o silêncio da grande imprensa em torno do caso. Sim, porque pedidos pela expulsão de Daniel e punições à TV Globo não partiram dos jornais Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo e muito menos da emissora-líder na desconfortável posição de facilitar a ocorrência de estupro, com tudo gravado, segundo a segundo, e retransmitido para todo o Brasil. As denúncias começaram na forma de “piados” (twitter, em inglês), passaram pelo Facebook e tomaram forma nos tais blogues sujos (para a grande imprensa) e alternativos (para a cidadania).
No espaço de 24 horas, muitas águas rolaram nos desfiladeiros oceânicos da internet. Muitos levantaram o assunto na forma de algo adredemente planejado pela emissora do Jardim Botânico carioca para alavancar a audiência do BBB nesta sua 12ª edição. Outros tantos foram mais enfáticos e exigiram nada menos que a suspensão do programa por tempo ilimitado ou, ao menos, pelo tempo em que durarem as investigações policiais. Mas isto é pedir muito quando estão em jogo interesses unicamente comerciais. Porque o dinheiro não tem nem pátria, ética, nem moral, nem costumes. Tem apenas a densidade que seu proprietário a ele conceda. E nesses tempos em que a liberdade é vista como garantia de expressão dos instintos humanos básicos a qualquer momento, o sucesso nada mais é que conseguir esticar ao máximo seus quinze minutos de fama (lembram do Andy Warhol?), amealhar bens materiais e financeiros sem qualquer escrúpulo, usando os meios mais torpes para sua consecução. Neste contexto, não há muito o que esperar.
Nos últimos três anos escrevi no Observatório da Imprensa críticas ao conteúdo, formato, estilo, produção e transmissão do Big Brother Brasil. Tratei de estética, de conteúdo, de ética e de direitos humanos. Abordei a questão da privacidade e o circo de horrores que a qualquer momento poderia vir a ser a marca registrada do BBB. Depois, resolvi não mais escrever. Porque é difícil falar para o deserto, ou pior, para o vácuo. Mas com a chegada da polícia ao Projac julguei oportuno voltar a tratar do “assunto”. Não porque o programa mereça, mas sim porque é um momento propício para debater sobre a sociedade que temos e a sociedade que queremos.
E qual o papel da mídia, enquanto espelho da realidade, na formulação dessa nova sociedade, uma sociedade que seja justa, igualitária, fraterna, inclusiva e promotora dos direitos humanos?
[Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter]
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