segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Zhang Daqian - Pintor, colecionador, falsário

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20 de julho de 2011


A arte das propinas elegantes

ELIO GASPARI

NUMA ÉPOCA EM que a China é um modelo de progresso, as roubalheiras nacionais recomendam que se dê uma olhada na estética da corrupção no Império do Meio. Os larápios que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá. É isso o que mostra Antony Ou, da universidade inglesa de Sheffield num artigo precioso, intitulado "A arte chinesa das propinas elegantes". É um passeio pela prática secular da distribuição de jabaculês usando obras de arte como moeda.
Até aí nada de novo, pois mesmo em Brasília veem-se casas bem decoradas com presentinhos. Com 4.000 anos de história e uma cultura na qual a autoria de uma obra é avaliada por critérios diferentes daqueles que vigoram no Ocidente, as "propinas elegantes" são crimes perfeitos.

Antony Ou expõe diversos cenários. No mais sofisticado, o empresário entrega a uma galeria uma peça falsa. O burocrata vai à loja e a compra pelo valor pedido. Como a obra era verdadeira, ele comprou por US$ 200 uma peça que vale US$ 20 mil e tem todos os papéis em ordem.

Uma das estrelas desse mercado de peças falsas-verdadeiras é o pintor Zhang Daqian (1899-1983), um dos maiores artistas chineses do século 20. Mestre da cópia, ele bateu de longe o holandês Hans van Meegeren, que falsificava Vermeers, e quebrou o paradoxo de Michelangelo. (Um busto romano falsificado por ele no Quinhentos é um Michelangelo ou uma falsificação?) Um Zhang falso do Seiscentos pode valer mais que uma obra verdadeira.
Tremendo personagem, Zhang passou boa parte da vida estudando e copiando desenhos seculares. Era um sujeito miúdo, com uma enorme barba de flocos brancos. Em 1948 ele fugiu da China e em 1953 instalou-se em Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo. Ali viveu até 1972. Apesar de expor pelo mundo afora, poucos registros deixou em Mogi, onde é praticamente desconhecido. Sabe-se que deu aulas de pintura. Uma de suas estudantes, Judy Shen, vendeu há poucos meses um desenho do mestre por US$ 312 mil na casa Sotheby's. Ele gastou uma pequena fortuna construindo na sua propriedade um "Jardim das Oito Virtudes".

Cópias de desenhos do século 12 feitos por Zhang valem fortunas
. Um de seus quadros (verdadeiro) foi vendido em maio por US$ 24,5 milhões. Em 2007, o Museu de Arte de Boston o honrou com uma exposição dignificante pelo título: "Zhang Daqian, pintor, colecionador, falsário". A instituição tinha em seu acervo três obras de Zhang, uma dele mesmo; outra, falsificada por ele, e a terceira, atribuída a ele, fraudada por outro artista.
Durante os 19 anos em que viveu em Mogi Zhang viajou com frequência e expôs na Ásia, nos Estados Unidos e na Europa. Em 1956, visitou Pablo Picasso, trocaram quadros e posaram para uma fotografia divulgada como marco do encontro da arte oriental com a ocidental. Em 1997, seu painel "A beira do rio" foi considerado a mais antiga paisagem monumental da história, verdadeira Mona Lisa da arte chinesa. Se fosse verdadeiro, teria sido pintado no primeiro século da era cristã. É provável que Zhang tenha vendido o painel em 1956, quando vivia em Mogi.

O artigo de Ou "The Chinese art of elegant bribery"
está na rede. Ele menciona Zhang, mas não chega a Mogi.

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