Quinta-Feira, 08 de Setembro de 2011
Cerca de 25 mil pessoas participam da Marcha Contra a Corrupção, pedindo o fim do voto secreto na Câmara e no Senado e punição de corruptos (Marcello Casal - ABr)
Marcha contra corrupção acerta Globo, CBF, Sarney, Roriz, Justiça...
André Barrocal
BRASÍLIA – A capital brasileira vive dias de baixíssima umidade e altas temperaturas, e não é diferente neste 7 de setembro. Às 13h05, registram-se 34° em termômetro perto da Esplanada dos Ministérios. A grande e central avenida, sede dos Poderes da República, esvazia-se aos poucos. Por duas horas, duas horas e meia, acolhera uma marcha inédita. Mobilizadas por uma das redes sociais mais populares da internet, o Facebook, pessoas comuns toparam botar roupa preta sob sol escaldante e protestar no feriadão. Batizada de “Marcha contra a Corrupção”, dispara no atacado contra a falta de ética, indignação alimentada por escândalos envolvendo autoridades federais e pela não cassação de uma deputada local. No varejo, acerta alvos como a TV Globo e os presidentes da Confederação Brasileira de Futebol, Ricardo Teixeira, e do Senado, José Sarney. Ali, há quem flerte com a ideia de alvejar o Congresso não só metaforicamente. Queixas contra indignação seletiva. E uma espécie de quebra de decoro ambiental a ser varrida pela “marcha dos garis” que se seguirá.
Passa das 10h, quando a passeata começa a deixar para trás o Museu da República, local combinado para a concentração. Até voltar ao ponto de partida, os manifestantes vão percorrer 3,5 km, ou 32 campos de futebol. A exemplo de uma escola de samba, são liderados por uma comissão de frente, com pessoas perfiladas a segurar, na altura do peito, uma faixa preta com as palavras “corrupção não” em branco. Na aglomeração, muitos portam vassouras, em referência à faxina da presidenta Dilma Rousseff na área dos Transportes.
Mais atrás, numa das primeiras alas, um jovem empunha sobre a cabeça, preso a um bastão, cartaz que diz “Sorria, você está sendo manipulado”. A inscrição encima desenho que reproduz, em preto e branco, o logotipo da TV Globo. Seu portador recusa-se a revelar o nome. Conta apenas que tem 20 anos e estuda arquitetura. Mas qual a razão dessa crítica dirigida? “A Globo manipula tudo. Não basta vir na marcha. A TV vai manipular muita coisa aqui”, diz.
Do início ao fim do ato, vão se ouvir, algumas vezes, manifestantes ressuscitarem antigo grito de protesto contra a maior emissora do país: “O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo!”. “Vou ter de fingir que não vi...”, diz uma jornalista das Organizações Globo que está cobrir a marcha.
Ricardo Teixeira, da CBF, que considera a emissora uma aliada, também é alvo do protesto. Junto com três ou quatro amigos, Felipe Guedes, de 22 anos, anda pela Esplanada carregando uma grande bandeira contra o cartola. “Ele é tão corrupto quanto o Congresso, é o mais corrupto do Brasil”, afirma Felipe, que diz ter anulado o voto para presidente nos dois turnos da eleição de 2010.
Conspiração inspiradora
Felipe faz cursinho e trabalha como roadie, ajudante de ordens de conjuntos musicais em cima ou fora dos palcos. Um roadie auxilia gente como Caio Zenon, músico de 18 anos que também foi à marcha. Está caracterizado, dos pés à cabeça, como Guy Fawkes – ou, ao menos, como o soldado britânico aparece caracterizado em páginas de um romance em quadrinhos e nas telas do cinema, em obras homônimas (V de Vingança). Fawkes foi enforcado no início do século XVII, depois de capturado e torturado até confessar participação em plano para explodir o parlamento britânico num dia em que o rei da época, Jaime I, estaria lá.
No ato brasiliense do século XXI, Caio não é o único a buscar inspiração em Fawkes, mas é um dos mais entusiasmados. Enquanto outros têm só uma máscara, usa peruca e fantasia preta. “Explodir o Congresso seria uma boa ideia”, comenta, seriamente. Essa marcha é um esforço para mudar isso.” Na eleição do ano passado, Caio já tinha idade para tentar mudar o país por meio do voto. Mas preferiu não votar.
Na iminência de chegar à idade em que o voto torna-se facultativo como foi para Caio em 2010, o aposentado José Roberto Loureiro, de 69 anos, participa da marcha paramentado como pediam os organizadores: de preto. No ano passado, cravou Dilma Rousseff nos dois turnos. E diz não estar arrependido. “Para mim, é principalmente um protesto contra o Congresso e essa Justiça que não pune ninguém.”
O aposentado marcha de mãos dadas com a esposa. Para Zuleika Loureiro, de 64, o ato serve para reclamar de dois dos sobrenomes mais famosos da política nacional. “Esse caso da Jaqueline Roriz é uma vergonha. O Sarney também é uma vergonha, ele é dono do Maranhão." “Sarney, ladrão, devolve o Maranhão” é um dos hits da manifestação. Alguns dos cantos são puxados pelo estudante Igor Tinto Janix, de 23 anos. Megafone à mão, tenta controlar a velocidade da passeata, como um diretor de harmonia em desfile de carnaval. “Estamos cansados de tanta corrupção e safadeza explícitas. Já são 500 anos de corrupção mas antes tinham preocupação de esconder, agora está tudo explítico”, afirma Igor, que diz ter votado em Marina Silva (ex-PV) no primeiro turno do ano passado e nulo no segundo.
É Igor quem aponta Walter Magalhães, empresário de 28 anos, à reportagem. Walter é o principal organizador da marcha, ideia que ele atribui a duas amigas, as irmãs Daniella e Lucianna Kalil. O trio criou uma página para o ato no Facebook, e agora Walter está junto à comissão de frente do ato. “É um protesto para o povo se conscientizar que ele é o culpado por quem está aí. É preciso votar com consciência”, diz Walter. Em quem ele votou para presidente em 2010? “Isso não é relevante.”
Roriz: combustível
A recente vitória da deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF) contra um pedido de cassação, conta Walter, foi o principal combustível da marcha, planejada de início por causa de denúncias de corrupção no governo Dilma Rousseff. Até Jaqueline escapar, dia 30 de agosto, 10 mil pessoas haviam confirmado, via Facebook, presença na marcha. Dali até a véspera do ato, outras 16 mil resolveram aderir. Jaqueline foi a julgamento pelos colegas por ter sido flagrada, em vídeo, recebendo dinheiro de um esquema celebrizado como “mensalão do DEM”, escândalo tornado público em 2009 e que levou à cassação do ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda. A filmagem é de 2006, mas só apareceu no início do ano.
Entre os parlamentares, prevaleceu a tese de que a colega não poderia ser cassada por algo feito antes do mandato. Resultado: 265 votos secretos a favor da ré e 166 votos secretos, contra. “Voto secreto, não, eu quero ver a cara do ladrão”, grita-se na marcha.
O “mensalão do DEM” pregado à memória recente pelo julgamento de Jaqueline contribui para a irritação do estudante de pedagogia Thiago Magalhães, quando ele vê um jovem sacar máscara com a foto do deputado cassado José Dirceu (PT) e reunir em torno de si um grupo a bradar contra o “mensalão do PT”. “E o mensalão do DEM? E o mensalão do DEM?”, grita Thiago. “A marcha contra a corrupção é uma reivindicação legítima e importante”, diz o estudante, que usa um boné vermelho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). “Mas, para além disso, precisamos discutir mais questões que são estruturais, como a reforma política e a reforma agrária. A corrupção incomoda muito a classe média, mas há outros males que atingem toda a sociedade”, completa Thiago, que diz ter votado em Dilma nos dois turnos no ano passado.
Parada militar: reforço
Apesar de 26 mil pessoas terem dito no Facebook que iriam à marcha, quando o ato começa, a Polícia Militar (PM) conta duas mil, informa a major Ana Luíza Azevedo. A massa vai encorpar a partir das 11h, quando terminar o desfile militar que acontece na mesma Esplanada, mas nas faixas de rolamento que levam ao sentido oposto, separadas das outras por um gramado de mais ou menos 100 metros. A parada militar foi vista por algo entre 30 mil e 40 mil pessoas, nas contas da PM. E é com este número que a polícia trabalhará oficialmente, no fim do dia, ao informar o tamanho do ato contra a corrupção.
Dilma Rousseff assiste ao desfile de 7 de setembro pela primeira vez como presidenta, ladeada por ministros. A presença do presidente da República é uma tradição no evento, mas não deixa de ser outro gesto simpático de Dilma na direção da caserna, ao optar por seguir o costume.
Uma semana antes, mandara ao Congresso proposta de orçamento 2012 com um orçamento militar quase 50% maior, um dos aumentos mais generosos. Prova também do prestígio do ministro da Defesa, Celso Amorim, que assumiu prometendo reforçar as finanças das forças armadas para deixá-las mais adequadas ao peso geopolítico que o Brasil conquistou. No último domingo, Dilma estivera pela primeira vez na solenidade mensal em que se troca a bandeira brasileira hasteada na praça dos três poderes, onde ficam as sedes do governo federal, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na noite da véspera, Dilma pôde ser vista por todos os brasileiros, em pronuncimamento à nação feito pela TV, o que também é praxe para presidentes nas comemorações da Independência. No finzinho do discurso de 10 minutos, dá um recado sobre corrupção. Diz a presidenta que o Brasil é "um país que, com o malfeito, não se acumplicia jamais. E que tem na defesa da moralidade, no combate à corrupção, uma ação permanente e inquebrantável”.
Marcha derradeira
Quando os protestantes contra a corrupção voltam para a casa, começa a última marcha do dia na Esplanada dos Ministérios. Seus participantes também estão uniformizados, como os militares que primeiro haviam marchado. Todos carregam vassoura, como alguns na passeata do Facebook.
É uma manifestação silenciosa e remunerada, para quem “faxina” não é retórica, mas realidade. A marcha dos garis varre o produto de uma espécie de quebra do decoro ambiental e urbanístico de alguns dos que ocuparam a Esplanada para atacar a falta de decoro ético na política. Garrafas de água, latas de refrigerante e cerveja, abanadores de papel, sacolas plásticas, palitos de sorvete... Tudo forma o rastro de uma manifestação em que se via uma faixa condenar mudanças no Código Florestal brasileiro que o Congresso está a discutir.
Vestido de laranja, vassoura em punho, Bras Costa, de 42 anos, cata três embalagens de salgadinhos no gramado em frente ao Palácio do Itamaraty, a sede do ministério das Relações Exteriores. Está a recolher lixo desde o meio dia. Não sabe o que acaba de acontecer na Esplanada, quem protestava e por quê. Mas lamenta a sujeira que o obriga a trabalhar no feriado. “Acho que cada um poderia fazer melhor a sua parte e não deixar tanto lixo”, diz Costa.
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