Estados Unidos: a economia zero
Robert Reich (*)
O Serviço Nacional de Estatísticas do Trabalho informa hoje que não se criou sequer um emprego nos EUA, em agosto. Zero. Nada.
Não é bem assim. A greve na Verizon reduziu a força de trabalho (menos 45 mil trabalhadores trabalharam). O fim da greve dos funcionários públicos em Minnesota devolveu ao trabalho 22 mil empregados (mais 22 mil). Na verdade, os EUA têm hoje menos 23 mil empregos ocupados. Quase zero. Também não é bem assim. De fato, é pior que zero. Os EUA precisam criar 125 mil empregos por mês, apenas para dar conta do crescimento populacional. Os novos números significam, isso sim, que o buraco só faz aumentar.
Desde o início da atual depressão, no final de 2007, a força de trabalho potencial nos EUA – pessoas em idade laboral que querem trabalhar – cresceu para mais de 7 milhões. Mas, desde então, caiu, em mais de 300 mil, o número de norte-americanos empregados. Se isso não levar o presidente Obama a apresentar um plano consistente de emprego na quinta-feira próxima, não sei o que o convencerá.
O problema está do lado da demanda. Consumidores (cujos gastos respondem por 70% da economia) não podem, sozinhos, reativar a economia. Ainda estão super carregados de dívidas, sobretudo para manter casas que, hoje, valem menos que as hipotecas que têm de ser pagas. Veem os empregos sumir, os salários encolher, a conta a pagar com médicos e remédios, subir. E nenhuma empresa contratará, sem vendas. O que quer dizer que entramos num círculo vicioso.
Os Republicanos repetem que as empresas não contratam porque estão inseguras sobre os custos regulatórios. Ou porque não encontram os empregados qualificados de que precisam. Bobagem. Se essas fossem as razões pelas quais as empresas não contratam – e a demanda estivesse crescendo – seria de esperar que as empresas usassem por mais tempo os atuais empregados. O tempo médio semanal de trabalho estaria aumentando. Mas o tempo médio semanal de trabalho só diminui. Em agosto, diminuiu pelo terceiro mês consecutivo: chegou agora a 34,2 horas. Voltou ao ponto onde esteve no início do ano – maior, só, do que o ponto mais baixo ao qual caiu, há dois anos (33,7 horas, em junho de 2009). É a demanda, estúpido!
Assim sendo, o que faz nação sã, quando consumidores e empresários, sozinhos, não conseguem reativar a economia? O governo vira comprador de última instância. Contrata diretamente (um novo Work Progress Administration [1] e novo Civilian Conservation Corps [2], por exemplo). Ajuda estados e regiões, de modo que não tenham de continuar a cortar salários e serviços públicos. (A ajuda pode ser estruturada como empréstimo, a ser pago depois de o desemprego cair, digamos, para 6%.)
E o estado contrata indiretamente – contrata empresas para reconstruir a infraestrutura dos EUA, que está em ruínas, inclusive prédios escolares, só para dar outro exemplo. Por essa via, o estado não se limita apenas a criar empregos, mas também põe dinheiro na mão das pessoas que voltam a trabalhar, de modo que possam voltar a comprar os bens e serviços de que precisam – o que gera mais empregos. Entenderam? Não é, de fato, altíssima e complexíssima ciência.
Assim sendo, por que os Republicanos não entendem? Ou são desonestos – querem que a economia continue de mal a pior até as próximas eleições, para que os eleitores despachem Obama. Ou são idiotas – compraram a lorota segundo a qual, reduzindo-se o déficit, criam-se empregos.
Cada vez que você ouvir dizer que estamos “quebrados” ou que “não suportamos gastar mais”, responda que, se não gastarmos mais, ficaremos em pior situação do que estamos. Se a economia continua como tijolo na água, a proporção entre dívida pública e PIB sobe feito balão. E diga também que o governo federal pode agora tomar empréstimos a juros de resto de incêndio. Os bônus de dez anos do Tesouro pagam juros de 2%.
Ouviu bem, presidente Obama? Por favor, seja firme, semana que vem. E se, como se espera, os Republicanos não aceitarem, convoque o povo. Mobilize a opinião pública. Use o “bully pulpit” [3]. Ser presidente dos EUA serve para isso.
Só mais uma coisa, presidente Obama. O senhor tem, também, de enfrentar a desigualdade. Enquanto renda e riqueza continuam a fluir só para o topo da pirâmide dos mais ricos, a vasta maioria dos norte-americanos continua a não ter o suficiente para comprar e reaquecer a economia. Acionar a bomba é necessário, mas de nada adiantará, se não houver água no poço.
(*) Robert Reich é professor emérito de Políticas Públicas na Universidade da Califórnia em Berkeley. Foi assessor de três presidentes e secretário do Trabalho do governo Clinton. É autor de vários livros, entre os quais
O Trabalho das Nações (Educator, 1994), Locked in the Cabinet (Vintage, 1997), Supercapitalismo (Campus, 2008) e, seu livro mais recente, Aftershock (Random House, 2011).
NOTAS
[1] WPA é o programa instituído, em abril de 1935, como parte do New Deal, para gerar empregos públicos e reduzir o número de desempregados. (Mais, sobre isso, em http://www.u-s-history.com/
[2] CCC é o programa que existiu de 1933 a 1942, também como parte do New Deal. (Mais, sobre isso, em http://en.wikipedia.org/wiki/
[3] “Bully pulpit” é expressão difícil de traduzir, porque tem dois significados diametralmente opostos. Hoje, o significado do verbo bully é “incomodar, perturbar, com intenção de humilhar e ofender”. Nesse sentido, o verbo bully é usado hoje, na expressão globalizada bullying. Mas é expressão histórica, no inglês dos EUA, com sentido bem diferente. A expressão foi usada pela primeira vez pelo presidente Theodore Roosevelt, que se referia à Casa Branca como um “bully pulpit” que, naquele contexto, significou plataforma de excepcional alcance e poder, da qual alguém democraticamente qualificado pode dizer o que tenha de ser dito, incorporando toda a autoridade do posto; literalmente, nesse sentido, significa “palanque do qual se pode dizer muitas verdades (e presumivelmente incomodar muita gente), sem que nada nos atinja”. Foi expressão muito usada durante muito tempo, antes de o verbo bully ser globalizado para várias línguas, quase sempre sem significado preciso conhecido dos falantes que o usem, usado para denotar o que dê na telha de cada um.
Observação dos assessores linguistas, da Vila Vudu:
Esse fenômeno, de uma palavra ser usada para dois significados diametralmente opostos, em registros sociais diferentes da mesma língua, cada um deles marcado pela entonação, não é raro. Aconteceu em português, por exemplo, com o verbo “arrebentar”, hoje usado no português do Brasil, tanto para dizer que algo foi destruído, como para dizer que algo deu excepcionalmente certo, obteve grande sucesso: “Fulano arrebentou a porta” (na primeira acepção) e “Fulano arrebentou no show, ontem” (na segunda). Em termos sintáticos, a diferença só se marca pela valência do verbo: sempre transitivo direto (na primeira acepção) e sempre intransitivo (na segunda).
Tanto no caso de bullying (ing.) quanto no caso de “arrebentar” (port. do Brasil), parece estar havendo um deslizamento semântico que parece estar neutralizando (naturalizando?) os traços semânticos de violência ou intenção de ofender e humilhar e, simultaneamente, ‘prestigiando’ para a sociedade, os mesmos traços semânticos.
Pode estar havendo aí um sinal importante do dano que a imprensa-empresa causa também no plano da língua e dos discursos, quando, à custa de só noticiar desgraças e crimes pressupostos – sempre sem qualquer atenção ao rigor factual –, a imprensa-empresa acaba por neutralizar (naturalizar?) o que, nos crimes e desgraças é crime e desgraça, ao mesmo tempo em que promove o que, nos crimes e desgraças é só espetáculo. Assunto para discutir mais [NTs].
Tradução: Coletivo Vila Vudu
Fonte:
http://www.commondreams.org/
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2 de setembro de 2011 | 17h24
Distração fatal
Paul Krugman
Nenhum crescimento nos postos de trabalho, e o desemprego continua machucando. Enquanto isso, os juros sobre as obrigações americanas com vencimento para 10 anos recuaram para 2,04%, e os valores mobiliários protegidos da inflação apresentam juros negativos.
Não é mesmo ótimo que tenhamos decidido tirar o foco da criação de empregos e dar prioridade à questão do déficit um ano e meio atrás? Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, Será que a austeridade está assassinando a recuperação europeia?
Depois de mais de um ano de cortes agressivos nos orçamentos dos governos europeus, uma desaceleração econômica do continente está confrontando governantes de Madri a Frankfurt com uma desconfortável pergunta: Será que eles se preocuparam com o problema errado? Será?
Pena que não houvesse nenhum economista renomado alertando que a obsessão com os déficits de curto prazo era um erro terrível, e que a austeridade acabaria prejudicando as esperanças de uma recuperação. Ei, espere um minuto!
O pior é que aqueles de nós que soaram o alerta diante de tudo isso – não com base em alguma doutrina pouco ortodoxa, e sim nos fundamentos mais básicos do manual de macroeconomia – não foram tão contestados quanto simplesmente ignorados. De alguma maneira, aqueles que detêm o verdadeiro poder foram convencidos de que a austeridade não era apenas uma opção, mas a única opção, e que quem quer que discordasse disto – mesmo pessoas como eu e Joe Stiglitz, cujas credenciais são difíceis de ignorar – simplesmente não fazia parte do debate sério.
Não terminei de organizar minhas ideias em relação ao motivo pelo qual isto ocorreu. Mas, sejam quais forem as razões, estamos agora colhendo as consequências de uma desastrosa distração dos governantes, que se ocuparam de combater fantasmas enquanto os verdadeiros problemas se agravavam.
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