domingo, 30 de abril de 2017

Temer, vaza!






Conversa Afiada, 30/04/17



Temer, vaza!



Por Eugênio Aragão*




Como se sentiu na sexta-feira, golpista? Não adianta fingir. Se desse, teria baixado o pau, né? Mas não baixou, porque lhe deu paúra. Gente demais. Mais de 30 milhões de trabalhadores paralisados em todo o País. E seu ministro da porrada, aquele da bancada ruralista, chama isso de pífio. A raposa falando das uvas. Para quem não tem popularidade e é avaliado como o pior "governante" da história do Brasil, tanta gente na rua não é um bom presságio.

Pífios são vocês. Traidores mesquinhos. Gente feia. Smeagols. Poderia ter entrado para a memória como pacificador, dando apoio à Presidenta Dilma Rousseff e articulando sua base parlamentar, mas preferiu comprar bancada para golpeá-la pelas costas com o Eduardo Cunha, que hoje apodrece na cadeia em Curitiba. E agora você distribui cargos num descarado clientelismo, como se a República fosse res privata sua. A FUNAI, por exemplo, não serve mais aos povos indígenas, serve ao PSC, "é do André Moura"... Nada mais impressiona nesse arrastão que você e sua turma promovem no governo. Política indígena, assim como a educacional, a de saúde, a de moradia... tudo deixou de existir. As pastas que deveriam dar suporte às políticas públicas foram transformadas em regalos para os politiqueiros sem princípios que lhe dão apoio por pura ganância e ambição. Nunca o Brasil chegou tão baixo.

Já não nos comovem cenas deprimentes como aquela experimentada semana passada por seu ministrinho da falta de educação, o Mendoncinha, que gosta de conselhos de ator pornô. Saiu da Universidade Federal da Bahia cortando a cerca, para não ser vaiado pelos estudantes. Neste seu "governo", nada mais surpreende. Nem mesmo manter nos seus cargos oito ministros investigados por corrupção.

Você conseguiu zerar o investimento público neste ano. Assaltou o BNDES, desviando 1 bilhão de reais de seus cofres. Tudo para debelar uma crise que você e os seus criaram para derrubar uma Presidenta eleita com 54 milhões de votos. Depois a aprofundaram com um déficit primário artificial de 170 bilhões de reais, para distribuir 50 bilhões a amigos. E este ano quis fazer a mesma coisa, não fossem os cofres vazios.

Para alimentar sua rede de favores, resolveu desnacionalizar o Brasil, vendendo campos de petróleo a preço de banana para companhias estrangeiras, abrindo o mercado aéreo para empresas não brasileiras, permitindo a venda de terras a estrangeiros sem qualquer limite e por aí vai. É o jeito de manter seu cassino funcionando, né? Ou será o butim que coube a seus aliados do Norte na guerra que moveu contra nossa jovem democracia?

E acha que nós aceitamos pagar a conta desse seu jogo contra a sociedade? Claro que não. Quando as instituições se omitem na defesa da democracia, devolve-se ao detentor da soberania popular – ao povo – o direito de resistir à arbitrariedade. Somos nós os verdadeiros e originários guardiões da Constituição! Os próximos dias de seu "governo" serão seu ocaso. É bom se acostumar. Sexta-feira foi só o começo. Quem sabe a gente se surpreenda em algum momento próximo com um lampejo de dignidade que em toda sua vida não mostrou e possa aceitar seu pedido de renúncia na paz? Sonhar é de graça. Mas seria melhor assim. Seria melhor você sair pela porta dos fundos da história, para não ter que passar por seu corredor polonês pela frente.


Agora, se insistir nessa coisa bandida de destruição da previdência pública para enriquecer seus sócios de fundos financeiros e em pensar que o trabalhador brasileiro é otário e se submeterá a seu capricho de nos catapultar de volta para o regime constitucional de 1891, estará escolhendo o caminho mais doloroso. O povo vai se transformar no pior pesadelo de sua malta. Pense bem antes de testar. Ano que vem – ou até antes – haverá eleições. Ainda é tempo de recuar.

O dia 28 de abril de 2017 foi nossa primeira resposta, a da sociedade brasileira, ao espetáculo deprimente que você e seus ratos no Congresso protagonizaram em 17 de abril de 2016. Foi uma resposta à altura e é bom ouvi-la. Sua liga de super-heróis, a Rede Globogolpe e os MBLs da vida, não tem tamanho para enfrentar o que começamos sexta-feira. Quem viver verá.

Vaza, Temer, vaza!


*Ministro da Justiça durante o governo Dilma, procurador e professor da Universidade de Brasília.

sábado, 29 de abril de 2017

A economia brasileira não é o boletim Focus






Jornal, 29/04/17




A economia brasileira não é o boletim Focus



Por André Araújo



A mídia e o Governo se orientam por um referencial econômico que não representa a economia brasileira.

Nesse mundo fantasioso existem como personagens a Bolsa, o investidor estrangeiro, a Avenida Faria Lima em São Paulo, a Rua Dias Ferreira no Rio e uma categoria de mães de santo chamados de “economistas-chefes de bancos”, que adoram frações de frações de 1% de qualquer coisa para mostrar precisão e genialidade. No ultimo FOCUS desta segunda-feira, reviram a perspectiva de crescimento do PIB para 2017, de 0.42 para 0.46%, como se esse preciosismo de “forecasting” tivesse alguma importância real para a população brasileira.

Reparem bem: não é um numero da realidade, é o preciosismo na projeção para o futuro. Ao invés de o Brasil crescer 0,42%, vai crescer 0,46%. Os dois números podem estar completamente errados, mas para o FOCUS eles são importantíssimos, porque garante os empregos dos “economistas-chefes”.

Não estão representados neste cenário de "faz-de-conta" as milhares de empresas médias do Rio Grande do Sul ao Amazonas, os milhões de pequenos empresários que são a espinha dorsal do emprego e renda, o fundamental setor agrícola e pecuário, tanto de exportação como de alimentação do povo brasileiro - são cinco milhões de propriedade agrícolas -, os incontáveis prestadores de serviços autônomos que sobrevivem exclusivamente de seu trabalho de encanadores, jardineiros, eletricistas, taxistas, marceneiros.

Nenhum deles faz parte do Boletim FOCUS, que nada tem a ver com eles. O FOCUS é apenas uma brincadeira, um teatrinho sem nenhuma importância. Porque quer prever um futuro, são chutadores de números, que o Banco Central, uma instituição pública que custa caro ao País, usa para guiar seus passos, uma vez que se presume que o nosso Governo não tem seus próprios economistas para prospectar o futuro. Depende dos XPs da vida com suas echarpes e roupetas de grife, operando basicamente para seus clientes de Nova York e Londres.

Essa alienação não é histórica. No passado não tão longínquo, o governo e o Banco Central tinham suas próprias e sólidas estatísticas geradas nas instituições públicas e nas associações empresariais. Não eram palpites como o FOCUS, eram “tendências”, “linhas” que vinham da indústria pesada, através da ABDIB,  das associações comerciais de São Paulo e Rio, da CNI-Confederação Nacional da Indústria, da CACEX, das associações rurais (SRB, SNA), das associações setoriais ABINEE, ABIMAQ, ABCITRUS, ABIA, ABIT, ANFAVEA, dos Clubes de Lojistas, das associações de supermercados.

Essas eram estatísticas e projeções reais de gente com a mão na massa da economia, gente do chão de fábrica e não almofadinhas PhD de bancos exclusivamente de olho no mítico “investidor estrangeiro’ - na realidade, um coleguinha economista que trabalha para algum fundo de Chicago que nem sabe onde fica o Brasil ou uma offshore de Cayman, que opera dinheiro brasileiro disfarçado de estrangeiro.

O pior é que o Governo se guia exclusivamente por essa turma “digital”, esquecendo que existe outra economia, a verdadeira, a que dá empregos na ponta da enxada, no balcão, no trator, no caminhão, no boteco, na borracharia, na oficina, bem longe do happy hour na Tratoria Fasano na Faria Lima ou no Quadrucci na Rua Dias Ferreira.

A mídia segue o Governo e foca exclusivamente nos informantes do boletim FOCUS, só se interessa pelo investidor estrangeiro e pela opinião dos “economistas de bancos”. Os repórteres não vão ao interior entrevistar médios empresários, indústrias de beneficiamento de cereais, cerâmicos, pedreiras, fábricas de confecção. Não têm interesse na economia real. Para a mídia, vale o André Perfeito, a Zeina Latif, o economista chefe do Itaú. O resto não existe.

O pessoal do “mercado” está sempre disponível para entrevistas e todos falam exatamente as mesmas coisas. Entrevistar um é como entrevistar dez, o discurso é idêntico: “a reforma da previdência é essencial” etc. Não falam uma palavra sobre a política cambial do BC, ao segurar o dólar com swaps cambial e, com isso, estimular os brasileiros a torrarem dólares em Miami. Nada falam sobre os mega juros dos bancos na ponta do tomador, indiferentes à baixa da taxa Selic. Os bancos não estão nem aí e não obedecem ao canto dos “economistas de mercado", al di lá, baixando a Selic baixam os juros, etc. Não baixam e os “de mercado” nem tocam no assunto, continuam a cantar que os juros vão baixar tra, lá, lá, etc, mas os juros não baixam e eles fingem que não é com eles.

Dos saudosos tempos de Delfim Neto, lembro de sua ligação profunda com a economia real. Telefonava no fim da tarde, duas ou três vezes por semana, para o Dr. Manuel Costa Santos, na ABINEE, queria saber da venda de geladeiras, para o Dr. Manuel Garcia Filho na Associação dos Pneus para saber das vendas, para o Salvador Arena na Termomecânica para saber da venda do cobre, para o Mario Garnero na ANFAVEA para saber de carros e caminhões.

Delfim tinha uma “rede” de contatos com toda a indústria, a exportação, a agricultura, o pessoal do zebu. Esse era o Boletim FOCUS dele, com cheiro de terra, de aço, de borracha, ele tirava o pulso da economia, sem precisar de palpites de 0,0004%, como esses bocós de asfalto que não acertam uma. Boletim FOCUS é um sinal da subserviência do Brasil ao mercado financeiro nacional e internacional, do desligamento do Governo da realidade econômica nacional para se lastrear exclusivamente na turma do “mercado”, como se o Brasil fosse uma ilhota do Caribe.

A Greve Geral e a Síndrome de Estocolmo





Jornal GGN, 29/04/17



A Greve Geral e a Síndrome de Estocolmo


Por Sergio Reis



A Greve Geral de hoje nos dá a oportunidade de revisitar uma característica curiosa, talvez anedótica, encontrada em uma parcela não desprezível de brasileiros, que é a Síndrome de Estocolmo – aquele estado psicológico em que o sujeito, depois de reiterada intimidação, opressão e sujeição por parte do agressor, passa a nutrir simpatia ou afeto com relação a ele.

Digo isso porque, para uma certa direita mais empedernida, o grande óbice à greve se dá em virtude de dois motivos: 1) seria um ato a favor de Lula (ou do PT, ou o que seja – insira aqui alguma coisa que o senso comum associe à esquerda); 2) seria o ato de manipulação de sindicatos, que querem “manter a boquinha”.

Com relação ao primeiro, nem há muito o que falar. Obviamente não há nenhum grupo significativo que tenha chamado o ato para defender A, B ou C. Afinal, não é disso de que trata a greve. Há direitos o bastante sendo dizimados para se preocupar com outras agendas. Nesse sentido, pelo menos em meu círculo eu pude identificar várias pessoas as quais, embora conservadoras (e, inclusive, “antipetistas”), compreenderam o caráter dos protestos e aderiram a eles – ou, pelo menos, viram legitimidade na greve.

Elas estão cientes do conjunto expressivo de perdas significativas de direitos que estão em curso, e que afetarão suas vidas e as de seus pares, e de seus filhos, e de seus netos. Elas continuam a rejeitar símbolos progressistas, mas isso não é problema algum. O fundamental é que percebem o desmonte e o quanto ele afetará suas vidas.

Com relação ao segundo, contudo, a questão é mais séria. Isso porque essas pessoas parecem ter mais medo de serem “enganadas” ou “manipuladas” do que de perderem seus direitos. Na verdade, nos discursos de oposição à greve, a questão dos direitos obviamente não aparece. Tudo é como se os sindicatos estivessem meramente interessados em manter o “imposto sindical”.

Mas, mesmo supondo que seja estritamente esse o motivo dos sindicatos em promover a greve, e todas as demais questões, que afetarão diuturnamente a vida de cada um de vocês? Estão cientes de que a greve diz respeito a um conjunto expressivo de mudanças na legislação trabalhista e previdenciária? Vocês realmente preferem perder tantos direitos a não serem “enganados”? Preferem ir à forca a se associarem, mesmo que indiretamente, a forças sociais com as quais não concordam? Será que o ódio é capaz de nublar a esse ponto a vossa integridade?

·         Preferem trabalhar 48 horas por semana (em vez do limite de 44 horas atuais), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem trabalhar até 12 horas ao dia (em vez do limite atual de 10 horas), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter de fazer horas extras sem comunicação prévia de dez dias à autoridade competente (como hoje), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter meia hora de almoço (em vez de uma hora, como hoje), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as contratações de jornadas parciais de trabalho passem de 25 para 30 horas semanas e que possam ser pagas abaixo do salário mínimo, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as indenizações por dano moral sejam medidas de acordo com o salário do trabalhador (fazendo com que a vida de uns valha mais do que a de outros), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem receber menos se fizerem home office, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que acordos coletivos de trabalho que reduzam direitos já vigentes e que se sobreponham à legislação possam ser assinados, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem, se gestante, se submeter a trabalhos insalubres, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem, se moram em locais de difícil acesso ou sem transporte público, passar a pagar do próprio bolso a ida até o trabalho, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as empresas passem a determinar quando ocorrerão suas férias, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem trabalhar para empresas terceirizadoras que criem outras e outras “empresas-fantasma” para negarem indefinidamente o pagamento de décimo-terceiro salário e outras garantias aso funcionários, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as empresas passem a pagar apenas um terço do pago atualmente quando há acordo para redução do seu tempo de descanso, mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem trabalhar 40 anos para terem acesso à aposentadoria nos termos em que, hoje, seria possível com 35, mas serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter de trabalhar 25 anos, em vez dos 15 atuais, para poderem pleitear a aposentadoria, mas não querem ser “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ter de trabalhar até os 65 ou 62 anos (em vez dos 60 ou 55 atuais), mas não querem ser “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem que as regras previdenciárias sejam alteradas apenas para os trabalhadores da iniciativa privada e se mantenham, em boa medida, como estão para a classe política e para os servidores públicos (reforçando os privilégios a eles existentes), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem ser contratados a partir de procedimentos que não reconheçam os vínculos de trabalho (ganhando menos e trabalhando mais do que aqueles com carteira assinada), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

·         Preferem correr o risco de serem continuamente contratados em regime temporário, sem acesso a direitos trabalhistas básicos (como o aviso prévio e a multa sobre o FGTS), mas não serem “manipulados pelos sindicatos”?

Há, é claro, muitos outros pontos que poderiam ser apontados com relação à terceirização, à reforma trabalhista e a previdenciária. Infelizmente, essa consciência tranquila por não ter sido “manipulado” agora pode custar caro no futuro. No fundo, diante de tantas medidas que significarão a redução da empregabilidade, do bem-estar no trabalho, dos patamares salariais e, até mesmo, dos níveis de arrecadação previdenciários (agravando a suposta crise que fundamenta todas essas reformas), essa consciência “cívica” de defender a ida ao trabalho no dia de hoje por entender que a paralisação é ato de “vagabundos” – como se a greve não fosse um direito assegurado na Constituição – explica bem, infelizmente, porque a crise que vivemos no Brasil também é uma crise de valores.

Afinal, esse “civismo” nada tem a ver com o que lhe definiria, que é a busca, no espaço público, pela produção da justiça, da virtude do “querer coletivo”, do interesse público, da harmonia social. Infelizmente, é apenas uma singela e infrutífera resistência privada – por vezes orientada ou pelo “amor à empresa” ou, mais concretamente, pelo medo de perder o emprego (curiosamente, algo mais próximo de ocorrer com a aprovação das reformas, como já apontaram pesquisas da OCDE). Estivéssemos em 1.888, eventualmente algumas dessas pessoas estariam reproduzindo o discurso dos jornais de que o fim da escravidão destruiria o setor agrícola; se em 1962, talvez se oporiam ao 13º salário, “considerado desastro para o país”, como na capa do jornal “O Globo” da época.

É, particularmente, uma crise de memória: não há direito relevante à disposição de um cidadão que não tenha surgido a partir de reivindicação, de protesto, de piquete, de marcha, de greve, de luta. É por isso que é “direito”: são conquistas, alcançadas para melhorar a dignidade social e, em muitos casos, para produzir o mínimo de igualdade diante daqueles que, antes, exerciam esses direitos como “privilégios” – os mais abastados, com mais poder. Agora, estes querem impor o retrocesso, pois desejam aumentar a distância social perante os demais, seu direito à desigualdade. Contra isso, resistamos.

Livrarias muito especiais






Publico.PT, 29/04/17



Livrarias muito especiais



Por José Pacheco Ferreira




Há muitos anos que sempre que estou em Nova Iorque visito várias livrarias muito especiais: livrarias empenhadas na luta política, livrarias radicais e alternativas. O seu número tem baixado muito nas últimas décadas, têm desaparecido do centro da cidade, e atiradas para os subúrbios, mas continuam a ser obrigatórias para quem, como eu, procura livros, panfletos, brochuras fora do mainstream das livrarias tradicionais.

É verdade que muita coisa já se encontra na Rede, mas é completamente diferente escolhê-las numa livraria onde se pode folhear, comprar e ter uma noção física do livro ou brochura. Não é preciso ser um nostálgico do livro impresso, que não sou, para considerar que ainda há uma considerável vantagem na observação física dos livros e brochuras, em determinadas circunstâncias.

As livrarias políticas militantes tendem a ser daquilo que na Europa se chama extrema-esquerda, embora a definição de radical se aplique melhor aos casos de que falamos. A direita radical não deve gostar muito de livrarias, porque embora existam algumas, por exemplo, em Espanha, são excepções. Há alguns anos, ainda pude frequentar, com algum espanto de principiante, a livraria pioneira do libertarianismo, uma corrente política tipicamente americana e que tem conseguido nas eleições um honroso terceiro lugar depois dos democratas e dos republicanos. Essa livraria, a Laissez Faire Books, que ainda existe como editora, tinha essa mistura que me parecia completamente bizarra de livros e panfletos de Marx, Bakunine, Hayek e Milton Friedman, a apresentava-os como um legado coerente.



Mas hoje os pilares das livrarias radicais em Nova Iorque, que visitei várias vezes e sobre as quais já escrevi, são a Bluestockings e a Revolution Books, dois exemplos muito interessantes porque são muito diferentes. E na sua diferença mostram tradições de radicalismo que emanam de uma visão do mundo tão diferenciada que, tendo alguns livros em comum, são “mundos” com ordens e tradições nos antípodas uma da outra. Ambas são virulentamente anti-Trump, mas as semelhanças acabam aqui.



A Bluestockings foi e ainda é uma livraria feminista, embora hoje as suas estantes tenham todo o catálogo de movimentos e de causas do radicalismo americano (e neste caso europeu): os estudos de género, o capitalismo global, a ecologia, a situação prisional, estudos sobre os negros, a educação radical, etc.. Mas a livraria, que é de propriedade colectiva e funciona com o apoio de voluntários, é também um centro comunitário, onde se realizam várias reuniões das mais estranhas causas e grupos. Tive uma vez a ocasião de assistir de lado a uma realizada sob o efeito da paulada enorme da eleição de Trump, que teria mais ou menos dez pessoas, incluindo um velho hippie, uma jovem mãe com o filho ao colo e um activista muito self-righteous que pretendia conduzir a reunião, no meio do caos das intervenções, com bastante autoritarismo. Não demorei um segundo para perceber que a luta anti-Trump não seria certamente liderada pela Bluestockings, mas hoje já não estou tão certo disso. A grande manifestação anti-Trump, uma das maiores de sempre nos EUA, foi conduzida por mulheres, e as jovens raparigas que estavam ao balcão fazem parte da massa de pessoas que fez essas manifestações.

Mas a Bluestockings não é apenas um catálogo das múltiplas causas activistas — é um espelho total do mundo “politicamente correcto” levado até ao absurdo. O café servido é obviamente “zapatista”, e alguns produtos que se podem comprar são resultado do “comércio justo”, e são coisas orgânicas, vegan e com outras classificações, havendo mesmo algumas que a minha condição masculina me impede de perceber — culpa minha —, como sejam “produtos menstruais alternativos”. Há também uns álbuns para as crianças colorirem sobre a vagina, e todo o espaço é amigável a quem venha de cadeira de rodas, uma boa coisa, embora não se aplique à casa de banho, para o que é necessário ir a um Starbucks perto. Uma coisa estranha é a prevenção de que, mesmo não sendo um “espaço livre de cheiros”, o que se pode facilmente verificar, nem por isso se deixa de “desencorajar” o uso de perfumes, águas-de-colónia, óleos essenciais, sendo que fumar é proibidíssimo e só pode fazer-se “bem longe” da entrada. Todas as citações entre aspas estão no site da livraria.

A população da livraria é predominantemente feminina e jovem, e percebe-se que não vive nem nas altas nem nas médias esferas do “capitalismo global”, e como está situada numa zona pobre da cidade percebe-se que o seu trabalho comunitário atrai uma frequência local com alguma marginalidade que encontra ali um espaço para estar, para ler quando não se tem dinheiro para comprar livros, ou para levar comida e lá comer, numa ou duas mesas colocadas debaixo do letreiro em madeira de uma das últimas lutas sociais e raciais nos EUA, “black lives matter”. Cá fora, na vitrina, resume-se a livraria: livros radicais, café barato, acontecimentos estimulantes e “beautiful community”. Longa vida, Bluestockings!

Na outra ponta da cidade, em Harlem, na Avenida Malcolm X, sobrevive uma outra livraria muito especial, a Revolution Books, nos antípodas da sua irmã do Sul. Onde na Bluestockings reina um certo caos, num espaço que não brilha pela limpeza, a Revolution Books ofusca de lavado, num espaço cuidadosamente organizado onde nada está fora de ordem. As pessoas que mantêm a livraria são também mais velhas, e em nada se distinguem na maneira de vestir e na atitude do comum das pessoas da sua idade e condição. São, em muitos casos, velhos militantes que desde os anos 60 e 70 acompanharam esta tradição do radicalismo americano.

Conheço a livraria desde quando ainda estava em Midtown Manhattan e nada mudou. Aliás, na Bluestockings também não. O espaço em Harlem é maior e por isso ainda melhor se percebe que estamos perante uma organização dotada de um enorme sentido de ordem, o que não é estranho porque a livraria está ligada a um partido comunista, o Partido Comunista Revolucionário, e a uma personagem parecida com o “grande educador”, Bob Avakian.



Tudo na livraria celebra Bob Avakian, um dos raros casos actuais no mundo ocidental de culto da personalidade no contexto comunista. A sua última obra sobre o “novo comunismo” é imediatamente aconselhada e há postais com citações de Avakian, pins e T-shirts com o seu rosto, e várias estantes com obras suas desde a sua autobiografia aos seus livros sobre religião, ciência, política, e múltiplas brochuras com textos seus. Na minha missão de caçador-recolector, lá comprei as últimas obras de Avakian, e recolhi todos os panfletos e periódicos que pude.



O mundo da Revolution Books é claramente militante, e o grupo está ligado a alguns dos movimentos mais radicais contra Trump, mas, como é habitual na tradição comunista, a livraria é pouco ecléctica e variada, principalmente nas publicações em brochura e panfletos. Enquanto na Bluestockings as estantes estão cheias de fanzines e publicações alternativas, a Revolution Books, como tem uma “linha”, pouco se afasta da norma. Vida longa também para a Revolution Books!

Tenho pena que a Laissez Faire Books tenha acabado e já vi suficientes livrarias acabar ou, ainda pior, normalizar-se para se tornarem todas iguais, uma espécie de montra de papel pintado com “novidades” de ontem iguais às de hoje. Por isso, quem gosta de livros e da diversidade do mundo, vai a estes microcosmos políticos com prazer.

O capricho do julgador

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/04/1879780-projeto-de-lei-contra-abuso-de-autoridade-aprovado-no-senado-e-positivo-para-o-pais-sim.shtml



Folha.com, 29/04/17


O capricho do julgador


Por Fábio Tofic Simantob




Eis o sofisticado debate atual sobre a lei contra o abuso de autoridade: de um lado, radicais para quem integrantes do Ministério Público e do Judiciário são seres infalíveis, que dispensam limites; de outro, radicais que querem simplesmente achar uma forma de impedi-los de trabalhar. 

É quase óbvio dizer - juízes e promotores não podem estar amarrados por uma legislação que os amordace mas também é fato que eles muitas vezes, muitas mesmo, cometem erros mais graves do que admitem, mesmo quando movidos pelas melhores intenções. 

Uma lei equilibrada que atacasse esse assunto não seria uma invenção brasileira. 

O Código Penal francês pune com sete anos de prisão aquele que determina arbitrariamente a prisão de alguém, e o alemão prevê que pode pegar até dez anos de detenção aquele que processa criminalmente um inocente, por exemplo. 

Existem vários métodos interpretativos que podem ser aplicados no julgamento de uma causa, mas na justiça penal o império da lei sempre prevalece. Se a lei não prevê crime, o juiz não pode punir. Se não prevê prisão, não pode prender. Se a lei não prevê restrição da liberdade, não pode haver medida coercitiva. 

O direito penal, desde o século 18, quando começa o Iluminismo, é pautado por princípios concebidos para que a liberdade do indivíduo não ficasse sujeita aos caprichos do soberano.
Em geral, ferramentas como a analogia, a interpretação extensiva e outras formas de escapar à literalidade da lei não são admitidas na seara criminal, a menos que para beneficiar o réu.

O projeto de lei contra o abuso de autoridade, cujo relator foi o senador Roberto Requião (PMDB-PR), não busca punir o juiz por simplesmente interpretar uma lei. Aliás, Requião fez inserir essa ressalva logo no início do texto do projeto, aprovado pelo Senado na última quarta (26).

No entanto, deve haver limite ao capricho do julgador. O projeto não pune o julgamento contrário ou favorável ao réu, mas sim os abusos dos meios de coerção, o uso de prisões arbitrárias, o desvirtuamento da condução coercitiva, o vazamento de provas sigilosas, entre outros. 

Juízes também não devem responder a inquérito policial ou a processo criminal cada vez que tiverem uma decisão anulada pela instância superior. Isso, sim, seria criminalizar o exercício da judicatura. 

Esse risco, que um projeto da Câmara oferecia, parece dissipado. O texto, incluído na calada da noite no pacote das chamadas "dez medidas contra a corrupção", era extremamente aberto. Punia, por exemplo, o magistrado que julgasse motivado por convicções político-partidárias.

O texto aprovado pelo Senado é bastante diferente. Prevê tipos fechados, resgata o império da lei e assegura de forma taxativa as hipóteses de abuso de autoridade.

Não há dúvida de que a Lava Jato pode comprometer a qualidade do debate da lei do abuso de autoridade. Para evitar isso, cabe aos parlamentares uma atenção especial, e a nós todos uma forte vigilância. Não é justo argumentar, contudo, que a matéria só deve ser discutida mais adiante, ao final das investigações. 

Do ponto de vista prático, a Lava Jato demorará anos. Do ponto de vista dos direitos, os abusos tornam-se mais evidentes para a sociedade. Quanto antes forem interrompidos, melhor.
 
O agente público que representa a autoridade do Estado decide sobre a liberdade de ir e vir das pessoas. A linha que separa o dever do abuso às vezes é muito tênue. Não dá para confiar tamanho poder sem controle severo. 
 

*Advogado criminalista e presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Corja patocrática

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/corja-patocratica




CartaCapital, 28/04/17




Corja patocrática



Por Lindbergh Farias e Marcelo Zero




O Brasil vive o pior momento da sua história. Já passamos por períodos muito ruins, como o da ditadura militar, mas nada se compara ao assalto que o consórcio golpista promove hoje contra os direitos dos trabalhadores, a democracia, o Estado de Bem Estar, a Constituição Cidadã, o patrimônio público e a soberania nacional.

O Brasil não tem elite, tem corja. Tem hoje uma “patocracia”. Isto é, uma minoria dominante patológica, que faz adoecer as instituições e toda a sociedade. Embora o conceito tenha sido cunhado por um pensador muito conservador, Andrew M. Lobaczewsk, para fazer a crítica ao regime soviético, ele veste como luva no Brasil atual.

O único mérito do golpe foi ter desnudado esse fato. Caíram as máscaras. As nossas classes dominantes mostram agora o que são: uma corja, uma patocracia que não tem compromisso algum com a democracia, com o bem-estar de seu povo e com a soberania e a dignidade de seu país. Vivemos na insanidade.

E essa corja de “patócratas” resolveu declarar guerra contra o povo e a nação brasileira.

A votação da "reforma trabalhista" demonstrou isso. Em poucas horas, um projeto engendrado por um governo com 4% de aprovação e sem um único voto foi aprovado por uma Câmara desacreditada, destruindo os direitos, construídos por décadas de luta, dos trabalhadores brasileiros.

Como sempre, a destruição selvagem e arcaica de direitos foi apresentada como algo "moderno" e "civilizado", que vai "beneficiar a todos", principalmente os trabalhadores.

Com efeito, as justificativas neoliberais trabalham com a lógica dos paradoxos. Por esta lógica, quanto menos direitos o trabalhador tiver, quanto mais baratas forem as contratações e as demissões, mais ele será beneficiado, pois mais empregos serão gerados. Em sentido inverso, quanto mais direitos o trabalhador tiver, mais ele será prejudicado, pois o desemprego aumentará. Assim, dentro dessa lógica paradoxal, quanto pior para o trabalhador, melhor para o trabalhador. O neoliberalismo é insano.

Além de absurda, tal lógica não tem nenhuma base factual. Não há evidência empírica consistente de que a precarização de direitos gere empregos. O Banco Mundial assinala, em diversos relatórios, que o que gera empregos é o aumento da demanda agregada. Ninguém contrata, por mais barata que seja a contratação, quando não há demanda, quando não há perspectivas de crescimento.

Por outro lado, quando há aumento de demanda, as contratações surgem. Foi o que aconteceu no Brasil, no início deste século. Entre 2004 e 2014, foram gerados 23 milhões de empregos formais e o salário mínimo cresceu cerca de 75%. A formalização do mercado de trabalho, nesse período, subiu de 45,7% para 57,7%, fazendo crescer as receitas previdenciárias. Em dezembro daquele último ano, a taxa de desemprego atingiu seu mínimo histórico: 4,3%. A CLT atrapalhou? Não, a CLT ajudou, pois a demanda permaneceu aquecida não só devido à quantidade dos empregos, mas à qualidade dos postos de trabalho formais, cuja remuneração cresceu acompanhando o salário mínimo.

Ademais, a qualidade dos empregos, formais e protegidos, é de fundamental importância para os processos de distribuição de renda e o combate à pobreza. A própria OCDE publicou, em 2009, o relatório 'O Papel do Emprego e da Proteção Social - Tornando o crescimento econômico mais pró-pobre', no qual se afirma que o emprego decente é o principal caminho para a eliminação da pobreza e que a proteção social reduz a pobreza e a desigualdade transferindo renda para os pobres.

Diga-se de passagem, a “precarização” laboral e a “guerra contra os sindicatos”, iniciada por Thatcher e Reagan, está na origem do grave processo de concentração de renda que ocorre nos países avançados. Concentração essa que resultou na pior crise do capitalismo desde 1929. Por isso, lá fora quase ninguém mais acredita na lógica paradoxal e insana do falido neoliberalismo.

Mas a nossa corja, sempre atrasada e ignorante, sempre reproduzindo ideias equivocadas com décadas de retardo, está fazendo o contrário, com a reforma trabalhista e a reforma previdenciária. Com que finalidade? Gerar empregos? Melhorar a vida do povo? Não. É simples.

Tudo isso visa uma coisa só: aumentar os lucros do setor produtivo e a renda financeira dos rentistas. Assim como eles embolsaram os incentivos fiscais, sem dar nada em troca, eles vão “embolsar” os direitos dos trabalhadores, sem dar nenhuma contrapartida à sociedade. Vão recontratar com custos mais baixos.

Agora, a agressão aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários é apenas um aspecto da guerra que a corja faz contra o povo brasileiro. Por incrível que pareça, há um lado mais sombrio.

A corja patocrática, prevendo resistência popular às reformas “modernas” e “civilizadas” instituiu um Estado de exceção, ou melhor, um Estado policial, para reprimir duramente toda manifestação contrária. É o que se vê pelas ruas do Brasil. Estudantes, trabalhadores, professores e qualquer um que proteste e discorde é recebido com cassetetes, balas de borracha e bombas.

Agora, em Brasília, os indígenas que querem a demarcação de suas terras tiveram como resposta a marcação de seus corpos. Sequer conseguiram entrar no Senado para participar de uma Audiência Pública para qual tinham sido convidados. Em alguns casos extremos, a supressão dos direitos sociais é acompanhada pela supressão do direito à vida. Foi o que aconteceu em Colniza (MT). Trabalhadores rurais foram torturados e assassinados.

Voltaram os massacres de trabalhadores. Metafóricos (reforma trabalhista, reforma da previdência) e literais (Colniza). A “modernidade” dos patócratas é a volta à República Velha. O golpe deu carta branca para os massacres de um e outro tipo. Afinal, numa guerra, não há mediações, não há negociação. Há sangue. Há também a falência total da política e da soberania popular e o predomínio triunfante da força bruta justificada pelo aparelho jurídico-midiático, a única institucionalidade dos alienistas da Nação.

Entretanto, a guerra contra os trabalhadores e a população pobre é complementada pela guerra à Nação, à soberania. A patocracia quer vender o Brasil. E bem baratinho. Tudo está à venda na grande liquidação do país: pré-sal, pós-sal, bancos públicos, Petrobras, terras, minérios da Amazônia, espaço aéreo, frequências dos satélites e, como disse, sem mesóclise, o inquilino do Jaburu, “tudo o que for possível”.

O grande problema da insana corja tupiniquim é que ela não pensa. Não tem visão de longo prazo e projeto algum, além de locupletar-se no curto prazo, colocando o custo do “ajuste” nas costas dos trabalhadores e dos pobres.

Objetivamente, tudo o que está se fazendo só beneficiará, no médio e longo prazo, o capital estrangeiro, e seus sócios minoritários brasileiros, bem como o capital financeiro. Além de lucrar muito com a compra de patrimônio público e de recursos estratégicos (petróleo, água, terras, biodiversidade, etc.) a preço de bananas, esses setores se beneficiarão também da guerra contra os pobres e os trabalhadores, a qual permitirá que o Brasil se transforme numa plataforma barata e neocolonial de exportações de commodities e bens industriais “maquilados”. Dessa forma, o Brasil participará das “cadeias internacionais de valor” como sócio pobre e dependente. Eternamente pobre e dependente.

Os setores ligados ao que se chama hoje de “capital interno” e que aderiram, como patos, ao golpe não percebem que esse modelo, que precariza o trabalho, destrói o Estado de Bem Estar, concentra renda, aumenta as desigualdades, abre a economia às importações, acaba com os mecanismos de intervenção do Estado na economia e, sobretudo, limita estruturalmente a dinâmica do mercado interno, irá, com o tempo, empobrecê-los e extingui-los.

A nossa súcia de celerados é austericida e suicida. Não tem razão. Não tem projeto. Não tem compromisso. Não tem vergonha. Para destruir o projeto popular do PT, destrói o Brasil. Adoece o Brasil.

Resta o poder saneador do voto. Restam o povo brasileiro e um homem chamado Lula. E tem de ser em 2017, antes que a corja acabe com o País.

A greve geral e o monstro midiático

http://rodrigovianna.revistaforum.com.br/palavra-minha/38070/ 



O Escrevinhador, 28/04/17 
 


A greve geral e o monstro midiático


Por Rodrigo Vianna



Logo pela manhã, cruzei a região de Pinheiros e Perdizes, na zona oeste de São Paulo, e tive o primeiro impacto: a cidade estava vazia, parecia manhã de domingo. Com um agravante: não vi sequer um ônibus circulando num trajeto de cerca de oito quilômetros.

Pelas redes sociais, saltavam imagens idênticas Brasil afora: ruas vazias, terminais de ônibus desertos. Esse era o mundo real. Mas do rádio do carro brotava a voz do collorido comentarista Claudio Humberto, que apresentava outra realidade: “o país segue vida normal”, dizia o ex porta-voz de Collor, hoje travestido de jornalista temerário. Vida normal?

Da tela das tevês, também brotava o divórcio com a realidade. Relatos de colegas jornalistas eram de que as chefias, nas redações, tinham uma cartilha definida: proibido usar a expressão greve geral; obrigatório mostrar imagens de pequenos grupos de manifestantes nas ruas vazias (pra dar a ideia de “manifestação de poucos”); valorizar cenas de confrontos/brigas, acrescidas da informação de que a greve foi organizada “pelos sindicatos” (ia ser organizada por quem? pelo Silvio Santos?); e destacar sempre o drama dos trabalhadores “prejudicados” pela greve.

O dia 28 de abril deixou claro que se pratica no Brasil um jornalismo de guerra. E o alvo não é apenas a esquerda partidária, não é apenas Lula, mas todo tipo de manifestação coletiva que ouse desafiar o projeto de desmonte dos direitos sociais sob comando de Temer/PSDB. Mais triste: o alvo é a verdade; mente-se descaradamente.

A mídia tradicional, azeitada por anúncios federais, tentou construir a narrativa de uma greve de poucos. E antes que algum incauto embarque nesse discurso, explique-se: greve não é comício! Objetivo de greve não é encher as ruas, mas esvaziar locais de trabalho, e barrar a produção. É a luta mais básica no capitalismo: quem produz recusa-se a produzir.

Por isso, a insistência de certos canais de TV em mostrar ruas vazias era além de tudo obtusa. As cenas do vazio, em plena sexta-feira, indicavam a vitória, e não o fracasso da greve.

Às 14 horas, fui ao centro de São Paulo. Metrô Anhangabaú fechado, viaduto do Chá vazio. Calçadão da Barão de Itapetininga às moscas. De cada 10 lojas, uma estava aberta.

Acontece que, até 2018, teremos uma imensa travessia. Só chegaremos lá se conseguirmos a tarefa gigantesca de enfrentar esse monstro midiático. E hoje, na cobertura mentirosa sobre a greve, o monstro mostrou que não está para brincadeira.

Não nos iludamos: a partir de amanha, 30% do país saberão (pela internet ou pela vivência nas ruas) que a greve foi gigante. Outros 30% seguirão a dizer que foi algo de petistas baderneiros.

E o terço final? Sob influência da mídia verticalizada, permanecerá no meio do caminho, desconfiado, perdido, sob um bombardeio propositalmente confuso? Pressionará parlamentares contra as reformas? Ou será dominado pelo discurso de que a greve não foi tão grande e que as reformas são necessárias? A simples dúvida é o que basta para que Temer, mesmo impopular, siga no trabalho de desmonte de direitos. A narrativa de que a greve “não fez assim tanto estrago nas bases” será repetido pela mídia a soldo do Palácio, para ganhar votos decisivos nas chamadas reformas.

Portanto, a batalha do dia 28 prossegue. É preciso manter fogo alto e conquistar corações e mentes, mostrando o divórcio entre mídia e realidade. Nas Diretas, em 84, a Globo perdeu ao apostar no divórcio. Mas em 89, com Collor, a Globo ganhou ao praticar terrorismo eleitoral.

Hoje, o monstro midiático está mais forte do que há cinco anos, pois que mais unificado, e menos aberto para contraditório e dissidência. Essa é a força dele, mas é também sua fraqueza. Quanto mais se divorciar da realidade, maior a chance de que o monstro possa ser abatido e derrotado junto com o governo Temer.

Mas será uma tarefa gigantesca travar esse combate, ao mesmo tempo em que a principal liderança do campo popular se encontra sob ataque e sob ameaça de prisão e interdição.

Trata-se da mesma luta, dividia em duas: resistir ao desmonte social, e garantir que o campo popular tenha candidato em eleições razoavelmente livres.

Nessa luta, o adversário principal a ser batido é o mesmo: o monstro midiático da mentira.

                       Sandra Annenberg ao noticiar a greve na manhã de 28 (6a. feira)...
Sua maquiadora, visivelmente, havia aderido.







Blog do Rovai, 28/04/17



Globo e Record fecham acordo para definir Greve Geral


Por Renato Rovai



Durante o dia o blogue recebeu relatos de diversos jornalistas que atuam na mídia tradicional de que há uma ordem explícita nas redações para se criar um vocabulário comum na cobertura jornalística sobre a greve geral. 

Na redação da TV Globo São Paulo, por exemplo, um editor teria se dirigido aos berros a um repórter que usou a palavra “greve geral” numa das entradas. Dizendo que o termo estaria proibido.

A greve de hoje deve ser tratada como “protesto de sindicalistas que provocaram “tumulto e baderna”, segundo um relato de um desses jornalistas.


Na Record a ordem foi a mesma. Nenhum repórter está autorizado a usar o termo greve geral, mas “ação de grupos isolados”. E o foca das coberturas também deve ser o de baderna. Falar da previdência ou dizer que houve protestos pedindo Fora Temer também foram temas proibidos na emissora.

Rádios como a Jovem Pan e a Bandeirantes ficaram durante todo o dia repetindo essa mesma narrativa.

Jornalistas mais experientes com quem o blogue conversou têm certeza que houve um acordo dos grupos de comunicação com o governo Temer. Que não se trata de algo isolado ou muito menos de uma iniciativa espontânea.

Levantando o véu da reforma trabalhista




Justificando, 28 de abril de 2017


Levantando o véu da reforma trabalhista



Por Vanessa Patriota da Fonseca*
 

Fruto de uma concepção neoliberal de desenvolvimento, o Projeto de Lei da Reforma Trabalhista aprovado na Câmara dos Deputados propõe drástica alteração da CLT, ao argumento de que melhorará a vida dos trabalhadores. Mas, atrás do biombo da geração de empregos, encontra-se escondido o interesse de aumento de lucro das empresas com a sonegação de direitos trabalhistas.

A Constituição da República diz que a convenção e o acordo coletivo de trabalho possuem força de lei, desde que implementem melhoria da condição social dos trabalhadores (art. 7º, caput, e XXVI). E, assim, a lei é a base, podendo os instrumentos normativos, sobre ela, soerguerem vários outros direitos.

O Projeto de Reforma estabelece a prevalência da convenção e do acordo coletivo de trabalho em face da lei quando tratarem de treze temas. E prevê que, se acionada, a Justiça do Trabalho deve, “preferencialmente”, se limitar à análise dos elementos formais do instrumento, a exemplo de realização de assembleia para sua aprovação, sem se debruçar sobre a análise do seu conteúdo – o que afronta o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, da CR). O substitutivo ao projeto de lei (PL) traz um pacote de maldades ainda maior. Impõe à Justiça do Trabalho que se detenha, “exclusivamente”, na verificação dos requisitos formais, e torna taxativos apenas os dispositivos que não podem ser alterados, no total de 29 (vinte e nove) pontos da CLT. Permite alteração no limite diário de jornada, intervalo intrajornada, trabalho noturno, prorrogação de jornada em ambiente insalubre e outros.

Ora, se a Magna Carta já prevê que o instrumento normativo possui força de lei em situações mais vantajosas para os trabalhadores, qual a razão da alteração proposta pelo projeto senão permitir que seja negociada redução de direitos sem controle do Judiciário? O projeto prescreve que deve ser assegurada uma vantagem compensatória, mas apenas nos casos de flexibilização das normas relativas a salário e jornada de trabalho. Como garantir que a vantagem concedida esteja em um patamar compensatório se o Judiciário não pode analisá-la?

O país não possui mecanismos efetivos para reprimir práticas antissindicais, como o impedimento do direito de greve e a perseguição a sindicalistas, e conta com cerca de 11.300 sindicatos de trabalhadores, muitos dos quais sem legitimidade alguma para defender as respectivas categorias. É nesse contexto que o negociado prevalecerá?

Pior, o substitutivo ao PL possibilita que acordo individual de trabalho promovido entre empregado e empregador prevaleça sobre o legislado se o trabalhador possuir diploma de nível superior e que receber salário igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência. Esquece da vulnerabilidade do trabalhador em função da ameaça de desemprego. Se um médico não aceitar a proposta de ser contratado como autônomo por um hospital, por exemplo, não será contratado diante do contingente de médicos ávidos para ingressar no mercado de trabalho.

Alguns afirmam que as normas trabalhistas estão obsoletas, mas a CLT teve mais de 560 artigos alterados, mostrando que ela é uma senhora moderna, que ao longo da vida foi se adaptando às demandas sociais. Com fundamentos rasos, tentam justificar uma alteração brutal na legislação e derrubar seus alicerces por completo.

O PL fomenta a burla à configuração à relação de trabalho ao permitir a contratação do autônomo, mesmo com exclusividade e continuidade, sem vínculo de emprego; facilita a sonegação de verbas rescisórias ao dispensar a homologação das rescisões contratuais; possibilita o trabalho intermitente em que o trabalhador é remunerado pelas horas efetivamente laboradas, não havendo pagamento pelo tempo em que ele estiver à disposição do empregador, sem existir, sequer, estipulação prévia da quantidade mínima de horas ou de remuneração mensal a ser percebida, o que aumenta a vulnerabilidade do trabalhador, etc.

Como gerar empregos nesse contexto? O que gera empregos é o aquecimento da economia. O empresário não aumentará o número de postos de trabalho se não houver aumento de demanda por bens e serviços. Como promover tal aumento com redução do poder aquisitivo da sociedade em função de redução salarial? De igual forma, com a extensão da jornada de trabalho, como pode haver ampliação de posto de trabalho?

É preciso levantarmos o véu da reforma trabalhista e mostrarmos a sua face cruel, apontando as falácias que giram em torno da modernização das relações de trabalho com o intuito de salvaguardarmos direitos trabalhistas conquistados a duras penas.


*Procuradora do Trabalho, Vice Coordenadora Nacional da Coordenadoria de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho


https://www.cartacapital.com.br/economia/com-a-reforma-trabalhista-o-poder-do-empregado-fica-reduzido-a-po



CartaCapital, 26/04/17



Entrevista: Maria Bridi, pesquisadora de sociologia do trabalho


Por Ingrid Matuoka


Maria Aparecida da Cruz Bridi, professora de Sociologia da Universidade Federal do Paraná e membro da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, afirma que o argumento do governo de que a reforma serve para gerar empregos é uma falácia, e que essas transformações servem ao empresariado.

"Que nação vamos construir ao abrir mão da possibilidade de reduzir a desigualdade? O que é uma sociedade que não visa garantir empregos? Quando todo um país deixar de acreditar nas instituições, como ocorreu no Espírito Santo, o que vai acontecer?", questiona a pesquisadora.


CartaCapital: Como avalia o conjunto de reformas propostas pelo governo Temer?

Maria Aparecida da Cruz Bridi: Não consigo ver como essas reformas vão ajudar o trabalhador ou sequer aumentar os empregos. Este é o principal argumento do governo, mas não passa de uma falácia.

Pode-se constatar empiricamente que o governo de Lula e Dilma criou muitos empregos sem alterar a CLT, como na construção civil, que foi um dos setores que mais empregou naquele período em função de toda a política de fomento da economia sem necessidade de alterar a lei. O que cria emprego efetivamente é o aquecimento da economia, são as políticas públicas.

Essas reformas estão muito ligadas ao empresariado, embora eles não assumam. Querem o desmonte de uma estrutura organizada desde 1943, e que nunca chegou a alcançar a maioria dos trabalhadores. O resultado disso só pode ser a institucionalização da precariedade do mercado de trabalho.

O mais grave é que não foi discutido com a população. Se essa reforma passar, o negociado se coloca acima do legislado, e em uma situação de desemprego vai ficar mais difícil para o trabalhador em condições precárias fazer exigências.


CC: A popularidade de Temer é baixa. De onde vem seu poder para propor e aprovar reformas?

MACB: Ele não tem aprovação popular, não tem legitimidade para fazer esse desmonte, só pode estar pagando pelo apoio que recebeu de alguns desses grupos. Ele tem que entregar o que prometeu, só que o que ele prometeu não foi discutido com a sociedade. Ele sabe que não seria aprovado nas urnas.

Pelo menos com a Previdência, a população faz a conta, então fica palpável o que exatamente vai mudar, por isso acho que tem mais mobilização. Conheço quem apoiou o pato amarelo [da Fiesp] e agora debandou. Já os prejuízos da reforma trabalhista não são tão evidentes, e a maior parte da mídia não fornece as informações de modo honesto e claro.

O que estamos vivendo agora é um ataque ao trabalho, que implica em uma crise do futuro. Parte da população que já se aposentou está protegida, mas há toda uma gama da juventude que vai acessar um mercado de trabalho completamente desestruturado e quase com a impossibilidade de se aposentar.

Tenho ouvido muitos jovens questionaram por que deveriam pagar a Previdência. Me questiono se isso não tem relação com a previdência privada. Parece que há um interesse de ampliá-la, embora isso não esteja explícito.


CC: O meio empresarial tem algum vínculo com a reforma trabalhista? Qual?

MACB: Essas reformas todas são um ataque do capital, e das forças ligadas a esse capital, ao trabalho, que é uma das alas mais vulneráveis da sociedade.

Quanto mais flexível o salário, a jornada, e quanto maior a reserva de mercado, mais favorável é para o empresário, porque ele pode baratear o salário. As medidas a serem votadas pelo Congresso vão piorar esse cenário e romper toda a proteção construída no Brasil.

Toda literatura na área do trabalho mostra que quando há crises econômicas há uma tendência de o empresariado apertar onde ele pode economizar, ou seja, a mão de obra.

O trabalhador é aquele que está na condição de dependência e é mais vulnerável porque se ele precisa de emprego vai aceitar qualquer possibilidade por um pedaço de pão. Por isso, quando o mercado de trabalho está aquecido, o poder de barganha dos trabalhadores aumenta.

Na construção civil eles tiveram um aumento salarial expressivo, algumas categorias chegaram a aumentos de 70%, melhorias nas condições de trabalho. E quando o mercado está desaquecido e o desemprego se alarga, o trabalhador não tem o que negociar.

Com essa reforma, o poder do trabalhador fica reduzido a pó, por exemplo, com essa história do negociado prevalecer sobre o legislado, isto é, o que estiver acordado entre o patrão e o empregado terá força de lei.

Esse discurso, os cidadãos podem comprar por acreditar que a relação entre patrões e empregados vai ser igualitária.


CC: Quais podem ser algumas consequências de submeter a legislação e os trabalhadores ao mercado?

MACB: Há tempos os estudiosos do trabalho têm observado um processo de precarização nos países europeus.
No Brasil isso foi impedido durante os governos de Dilma e Lula, quando houve um movimento de formalização a mais de 50% dos empregados e crescimento do salário acima da inflação.

O que os pesquisadores notam é um avanço de precarização, informalidade, contratação por horas, como acontece na Inglaterra. Já temos ouvido sobre professores terceirizados, inclusive.

Além disso, vão mudar a Justiça do Trabalho, por isso falamos de ataque ao trabalho. São diferentes frentes a serem desestruturadas. No momento em que o trabalhador sai da empresa, por exemplo, ele vai ter que dar quitação total, sem poder acionar a Justiça do Trabalho posteriormente. E as empresas vão poder demitir e recontratar na forma de terceirizado ou apenas por jornada. Esse vai passar a ser o padrão.

Outra grande consequência é a ampliação da desigualdade social. Se o Brasil já era um país que tinha uma grande tarefa de reduzir os patamares de desigualdade, por exemplo, por meio da distribuição de ganho salarial, quando isso se fragiliza, se tem um aprofundamento da desigualdade.


CC: Qual o perfil do trabalhador que mais deve ser prejudicado com a reforma? Por quê?

MACB: A classe trabalhadora inteira vai perder, mas os que devem ser mais impactados são as mulheres, os jovens, os pobres e os negros, é o que se observa em outros países.

É só olhar: quem são os terceirizados? Costumam ser aquelas profissões que têm menos prestígio. Ninguém está seguro. Mesmo os prestigiados podem ser demitidos e recontratados em outras condições.

Vai ser uma terra arrasada. Acho gravíssimo para os mais vulneráveis que estão na fronteira entre a marginalidade e o emprego. O prognóstico é muito ruim. Quando todo um país deixar de acreditar nas instituições, como ocorreu no Espírito Santo, o que vai acontecer? O trabalho merece uma atenção chave dos governos. Sem isso, se rompem todos os nexos da sociedade.


CC: Se aprovado o texto substitutivo, essa perda de direitos pode trazer quais consequências para o Brasil como sociedade?

MACB: Que nação vamos construir ao abrir mão da possibilidade de reduzir a desigualdade? O que é uma sociedade que não visa garantir empregos? Podemos prever o aumento da violência, e quem tiver condições de se proteger, vai se entrincheirar cada vez mais. É uma fratura da sociedade.

O neoliberalismo não trouxe resultados positivos em nenhuma parte do mundo, e o horizonte sempre foi a concentração da riqueza. Desde o momento em que o neoliberalismo começou a avançar, os ricos ficaram mais ricos e os pobres mais pobres. Parece um chavão, mas é o que as estatísticas mostram.


CC: E como avalia o possível fim do imposto sindical nesse momento de retirada de direitos?

MACB: Mais uma situação extremamente complicada. Se fosse um processo dialogado com as centrais sindicais e os trabalhadores, algo construído de forma mais consistente, até poderíamos chegar a essa posição, mas isso não é possível em um momento de desestruturação do mercado de trabalho.

Faz-se uma reforma e ao mesmo tempo tiram a possibilidade dos trabalhadores reagirem. Isso se soma, ainda, à possibilidade do negociado prevalecer sobre o legislado.

As categorias mais organizadas vão conseguir se manter a duras penas, mas os trabalhadores mais pulverizados não vão ter a chance de se contrapor efetivamente, nem fazer valer seus direitos, até porque, quais direitos vão restar?


CC: A Justiça do Trabalho foi chamada recentemente por Gilmar Mendes de "laboratório do PT". O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que o órgão "não deveria nem existir". De onde vem esse ranço?

MACB: Essas afirmações significam que a Justiça do Trabalho ainda oferece um contraponto nesse caos, e seu desmonte é mais um ataque: reformam o trabalho, a Previdência, alteram a estrutura e detonam a Justiça do Trabalho.


CC: O que pode ser feito para conter essa onda de retrocessos?

MACB: A greve ainda é um instrumento de pressão importante. Essa greve do dia 28 de abril tem que parar o país. Dependemos de uma classe trabalhadora organizada, mas só a greve não é suficiente, é preciso fortalecer os sindicatos e pressionar seus representantes legislativos fazendo corpo a corpo.

As esquerdas têm que ter uma unidade e determinar qual é o interesse como classe. E, se houver uma próxima eleição, renovar as bancadas e procurar um equilíbrio entre as forças. Historicamente, mobilizar todos os meios foi a forma mais eficiente de ampliar direitos.

Acho que boa parte dos que foram atrás do pato amarelo abriram os olhos, e elas também têm que se mobilizar, não é possível que não consigam ver o que está acontecendo, apesar da blindagem que a mídia tenta fazer.

No Brasil, a história foi muito cruel com as tentativas de luta por direitos, mas não temos mais muitas escolhas. Ou seguramos o que temos ou os nexos de sociabilidade e da coesão mínima que se tem no país vão se dissolver.