quarta-feira, 12 de abril de 2017

Sem voto nem povo, a toga assume o poder




Jornal GGN, 12/04/17



Xadrez da lista de Janot, o senhor do Tempo



Por Luis Nassif


Peça 1 – o vazamento da lista da Janot

A divulgação da lista de inquéritos autorizados pelo Ministro Luiz Fachin não significa que, enfim, a Lava Jato resolveu tratar as investigações com isonomia, que o pau que dá em Chico dá em Francisco.

O Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot continua dono absoluto do calendário. Através do controle do ritmo das investigações, ele decide monocraticamente quem vai e quem não vai ser condenado.

Durante três anos, toda a carga foi em cima do PT e, especialmente, de Lula. Em três anos de investigações, há cinco ações em andamento contra Lula, uma perseguição impiedosa que culminou com o vazamento, ontem, da suposta delação de Marcelo Odebrecht, sob as barbas do juiz Sérgio Moro e ele alegando a impossibilidade de identificar o vazador. Some-se a informação do procurador Deltan Dallagnol de que o único vazamento efetivo de informações foi para o blogueiro Eduardo Guimarães. O que significa que todos os demais vazamentos ocorreram sob controle estrito da Lava Jato.

Os 83 inquéritos misturam de tudo, de problemas formais de prestação de contas a suspeitas de manipulação de licitações. Independentemente da maior ou menor gravidade das acusações, todos passam à condição de suspeitos e/ou corruptos. Trata-se de uma tática tranquila, que criminaliza as pequenas infrações e dilui as grandes acusações.

Peça 2 – as circunstâncias em jogo

A caçada a Lula tem três pontos frágeis:
1.     Até agora, ausência de uma prova palpável sequer contra ele.
2.     A perseguição implacável contra Lula.
3.     A seletividade das investigações, não investindo contra nenhum aliado do sistema.
Com a divulgação dos inquéritos, há duas intenções óbvias:
1.     O sistema (não a Lava Jato) responde à acusação de seletividade, às vésperas do julgamento do alvo preferencial, Lula.
2.     Ao mesmo tempo, mantém o governo Michel Temer refém.
A suposição de que a lista irá paralisar o mundo político provavelmente não será confirmada. Nas próximas semanas se verá uma aceleração dos trabalhos legislativos, visando aprovar o maior número de medidas antissociais, para garantir o pescoço.

Peça 3 – as consequências da lista

Com a lista de Janot, tenta-se resgatar a credibilidade perdida do sistema judicial, com a parcialidade e a seletividade gritantes da Lava Jato.

Levaram três anos para iniciar uma investigação contra Aécio, que era mencionado na primeira delação de Alberto Yousseff. Até hoje não iniciaram as investigações contra José Serra, apesar de um relatório sobre Paulo Preto estar na PGR desde março de 2015.

Com o estardalhaço de 83 inquéritos, passado o carnaval inicial, a PGR permanecerá dona do tempo. Acertará contas com Renan Calheiros e Fernando Collor, adiará indefinidamente os inquéritos contra seus aliados e terá às mãos a metralhadora, para apontar contra quem ousar enfrentar seus supremos poderes.

Os objetivos são óbvios:

1.     Tentativa de inabilitar de Lula para 2018, agora sob o manto da isenção.

2.     Vida tranquila para José Serra e Aécio Neves, que terão morte política natural, desde que deixaram a condição de grandes campeões brancos contra a ameaça Lula.

3.     Congresso sob a mira dos inquéritos, deixando de lado qualquer veleidade de coibir abusos do MPF.






Jornal GGN, 12/04/14


Continuação de "Xadrez da Lista de Janot, o senhor do Tempo"


Minimizei aqui no Xadrez as consequências dessa lista de Janot. Não será apenas a tentativa de inviabilizar Lula em 2018. Significa a destruição da política.

Um dia ainda será escrita a maneira como o Brasil se permitiu destruir. Nunca a fábula do nazismo foi tão elucidativa.

Primeiro, levaram os petistas e peemedebistas suspeitos. Como eu não fiz nada – diria Dilma Rousseff deixei o campo livre para o Ministério Público e a Polícia Federal, para resolver, por mim, os problemas do presidencialismo de coalisão.

Depois passaram a prender petistas a torto e a direito. Como eu não era petista – diria Fernando Henrique Cardoso – ajudei a colocar lenha na fogueira.

Depois, destruíram o setor mais dinâmico da economia. Como não eram grandes anunciantes – diriam os donos de jornais -, coloquei mais combustível na fogueira. E como brotou do pântano a ultradireita mais raivosa, abriguei-a em minhas páginas por uma questão de mercado.

Depois, espalharam o ódio por todos os poros da Nação. Como era ódio a favor – diriam Serra, Aécio, Aloysio – discursei em todos os eventos, eu também babando de ódio.

Agora, chega-se a isto, a lista de Janot, um dos episódios mais trágicos e irresponsáveis da história do país. Uma corporação tresloucada, sem controles, criminaliza praticamente todos os políticos do país, todos os partidos políticos, inclui cinco ex-presidentes, todas as lideranças civis ao menor indício de uma modalidade de financiamento de campanha que era generalizado.

O mais irresponsável jornalismo da história celebra o incêndio de Roma, estampando na cara o gozo dos completos ignorantes. O pior Supremo Tribunal Federal da história é incapaz de colocar limites a essa aventura.

O problema não é a apuração de ilícitos, mas o jogo politico em torno da operação praticado abertamente pela Lava Jato, PGR e Globo. 

Esperam o quê? Que das cinzas do sistema político-partidário brote uma nova política, virtuosa? A queda de Dilma Rousseff transformou o governo em uma praça pública de negociatas, porque derrubou o ponto aglutinador – o Executivo, mesmo que pessimamente conduzido – e entregou o poder a uma quadrilha.

Agora, o fim dos partidos vai acabar com o reinado dos atuais coronéis e colocar o quê em seu lugar? Uma malta de coronéis municipais, mais atrevida ainda, porque livre de qualquer vínculo programático, de qualquer sistema partidário de controle.

E o país será governado pela Rede Globo e por corporações públicas, com a destruição final das políticas sociais, o desmonte da Previdência, a criminalização da política e dos movimentos sociais.

Finalmente, chega-se na era do Grande Irmão. Mas como a política não foi substituída pelos robôs da quarta revolução industrial, pela frente haverá a guerra e o caos.


Sobre o tempo de Janot

Em Harvard, com a retórica estridente de adolescente mudando a voz, o procurador Deltan Dallagnoll lembrou que as instituições são virtuosas, não os homens. Ou, a ocasião faz o ladrão.

Presume-se que o princípio valha para todas as organizações, não apenas para a política. E como o Ministério Público é uma organização, presume-se que as virtudes de seus membros dependem fundamentalmente da forma como as circunstâncias dispõem.

Se nenhuma pessoa está a salvo das tentações proporcionadas pelas ocasiões, há um risco evidente das circunstâncias da Lava Jato permitirem a aplicação da subjetividade, ante-sala dos abusos, ante-sala da corrupção.

Trata-se da maneira como a Procuradoria Geral da República está conduzindo a chamada Lista de Janot. A lista é uma mera abertura de inquérito, com amplo vazamento para a mídia. Essa abertura de inquérito podia ter sido pedida há muito tempo, e não foi. Ou então, o Procurador Geral Rodrigo Janot poderia ter oferecido diretamente a denúncia, e não o fez.

Com isso, Janot manteve tudo em suspenso e sob seu exclusivo arbítrio. Assim, vai continuar sendo o senhor absoluto do tempo, vazando, vazando, com os inquéritos pairando como uma espada de Dâmocles sobre todo o mundo político.

É inconcebível esse tipo de poder. Cabe ao STF definir regras claras, apurar os vazamentos dos inquéritos e punir exemplarmente os responsáveis – sem prejuízo das investigações – ainda que seja o próprio Procurador Geral.

Aliás, caberia ao STF atentar para este fato ao receber esse pedido tardio de inquérito. Nada explica essa demora e nada absolverá não apenas o STF, mas o próprio CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) se não apurar os fatos e exigir a demissão do próprio Janot, diante do abuso explícito cometido.

Espera-se que os partidos políticos deixam de lado a pusilanimidade e entrem imediatamente com uma representação junto ao CNMP e ao próprio Supremo.

Afinal, como lembra Dalagnoll, as pessoas não são virtuosas: virtuosas são as instituições.







O Escrevinhador, 12/04/17


A Justiça assume o poder, sem voto nem povo


Por Rodrigo Vianna



O sistema político implodiu. A República de 1988 chegou ao fim, mesmo que ainda tenha forças para se arrastar moribunda pelo chão.

O Poder Judiciário e o Ministério Público, numa aliança prolongada com a Globo e a mídia comercial, assumem o poder. Reparem: são 3 poderes que não se submetem à chancela do voto. MPF, STF e Globo. E se retroalimentam, absorvendo a legitimidade que tiraram do sistema político.

A cobertura da Globo sobre a lista de Facchin/Janot segue a lógica esperada: 10 minutos de bombardeio intenso contra Lula, e uma cobertura muito mais diluída quando os alvos são tucanos. Mas a novidade é essa: rompeu-se a blindagem tucana.

O PSDB deveria anotar essa data: 12 de abril de 2017. Desde hoje, o partido perdeu a utilidade como contraponto ao PT. Serra, Aécio, Alckmin e FHC (ah, o aluno de Florestan Fernandes não conhece a História brasileira?) cumpriram o destino de Lacerda: usaram o moralismo e a histeria das classes médias para tramar o golpe contra Dilma. E no fim acabaram tragados pela onda que ajudaram a fomentar.

Este blogueiro escreve sobre isso desde 2015 – como se pode ler aqui. Engana-se quem pensa que Moro e a Lava-Jato cumprem uma agenda tucana. A agenda do Partido da Justiça, em aliança com a Globo, segue ritmo próprio. A aliança com o PSDB era meramente tática. E se desfez.

O objetivo não era destruir o PT, mas implodir o Estado nacional. O que em parte já se conseguiu.
No sistema político, Lula é o único ainda com capacidade de liderança para enfrentar a direita togada. Aqui e ali, personagens de outros partidos parecem intuir que de Lula poderia vir alguma reação. Inclusive FHC (agora sob investigação da Justiça) já deu mostras de que seria preciso algum freio no moralismo togado. Parece pouco, e parece vir tarde demais.

Moro e a Lava-Jato ainda precisarão manter o bombardeio para destruir Lula.

A cobertura do escândalo no JN, neste dia 12 de abril, foi uma sucessão de “Facchin disse”, “o STF pediu”, “Moro recebeu os autos”. A Justiça no centro absoluto do poder. O Executivo e o Legislativo colocados de joelhos.

O clima agora é de salve-se quem puder.

A sina de 64 se repete. Os espertalhões do golpismo acharam que empunhariam o poder. Mas a derrubada do trabalhismo significa que o poder está agora nas mãos de uma corporação sem votos, associada à família mais rica do Brasil: a família Marinho. O verde oliva, nesse golpe do século XXI, foi substituído pelo tom negro das togas.

Se Moro mandar o camburão da PF parar na frente da casa de qualquer empresário/jornalista/operário/professor, a condenação já estará estabelecida. A Justiça pode tudo. Todos são suspeitos.

Caminhamos para um caos, num Estado que se desmonta.

Das ruas pode vir alguma resistência. Mas o fato é que vivemos numa espécie de 1968, sem AI-5 declarado.

Esse tipo de processo baseado na caça às bruxas e no denuncismo permanente tende a devorar inclusive seus filhos. A lógica é essa. E o caminho estará aberto para as falanges fascistas e histéricas que votavam no PSDB e agora tentarão conduzir ao poder algo muito pior. O caos será prolongado.

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