sábado, 1 de abril de 2017

O golpe na encruzilhada





28/03/17



O golpe na encruzilhada


Por Jeferson Miola



O golpe vive dias difíceis. O problema já não é somente o estágio irreversível da crise de legitimidade e da desmoralização da cleptocracia comandada desde o Planalto por Temer, Padilha e Moreira e de dentro da prisão por Eduardo Cunha.

A perda de credibilidade se tornou sistêmica, atinge toda a engrenagem golpista: a força-tarefa da Lava Jato, o judiciário, o MP, o Congresso, a PF e a mídia golpista; em especial a Globo.


A população percebe com nitidez o facciosimo do Moro, Gilmar, Janot, Dalagnoll na perseguição ao Lula e ao PT
; e, ao mesmo tempo, se enoja com o jogo cínico para o salvamento da bandalha corrupta com medidas excepcionais, como o foro privilegiado, o congelamento de investigações, a prescrição de condenações do Aécio e a “desmistificação” do caixa 2, que é a proposta do juiz tucano do STF, apoiada por FHC, para legalizar a corrupção.


Os objetivos do golpe também estão escrachados. O pacto social de 1988 foi rompido para dar lugar ao mais devastador processo de destruição das conquistas históricas dos trabalhadores, de renúncia à soberania nacional e de aniquilamento das riquezas do país. 


Seria impossível esconder por muito tempo um processo de tal proporção. O senso comum começa perceber claramente a destruição da economia nacional, a entrega das riquezas [gás e petróleo] e das atividades econômicas [aeroportos, engenharia e terras] a estrangeiros, assim como os retrocessos ao padrão de exploração oligárquica do século 19 [congelamento dos gastos sociais por 20 anos, lei da terceirização e reformas da previdência e trabalhista].

O fracasso das entidades fascistas financiadas pelo grande capital – Vem Pra Rua e MBL – nas manifestações de domingo passado [26/3] é prova disso. A classe média, envergonhada, desta vez não saiu às ruas para engrossar a onda fascista; sente-se cada vez mais incômoda na canoa do golpe, acredita cada vez menos nas falácias veiculadas pela Rede Globo.


Os desentendimentos no interior do bloco golpista são crescentes. Com a imponderabilidade reinante – indefinições sobre a evolução da Lava Jato, o fim do governo Temer, a cassação da chapa no TSE, eleição indireta no Congresso, antecipação da eleição de 2018 ou seu cancelamento – cada bando defende o seu lado, num verdadeiro salve-se quem puder.

Os golpistas atiraram o Brasil no precipício e perderam completamente a capacidade de comandar o país. O usurpador Michel Temer compra a sobrevida no cargo entregando ao sistema financeiro internacional a agenda de restauração ultraneoliberal no país. 


A resistência democrática, no seu início encabeçada preponderantemente pela vanguarda social e cultural, militância partidária, intelectualidade, juventudes e movimentos de mulheres, está sendo engrossada com a adesão crescente dos pobres e excluídos, bem como dos segmentos das classes médias aturdidas com o golpe.

A resistência democrática está adquirindo uma dimensão popular, de mobilização de massas, como se observou nos protestos multitudinários de 8 e 15 de março e no ato do Lula na inauguração da transposição das águas do São Francisco na cidade paraibana de Monteiro.


O povo subalterno se educa politicamente, entende os objetivos do golpe e passa ao ativismo político porque compara a atual realidade dramática de desemprego, desamparo e perda de direitos sociais, com o progresso de vida experimentado na era Lula – pleno emprego, aumento real dos salários, capacidade de consumo, bolsa família, PROUNI, FIES, minha casa minha vida, mais médicos etc.


O golpe está na encruzilhada. É a primeira vez, em todo o período da conspiração golpista e da implantação da cleptocracia no Planalto, que os sinais são de potencial mudança da correlação de forças em favor da resistência e do campo democrático-popular.


A alteração da conjuntura estreitou as margens de manobra do bloco golpista, que se defronta com pelo menos três dilemas: ou [1] antecipa seu fim e propõe uma PEC para convocar eleições diretas; ou [2] sobrevive até 2018 com Temer ou outro ilegítimo eleito pelo Congresso, porém num ambiente de altíssima conflitividade e tensão social, ou [3] aprofunda o regime de exceção, a repressão e a violência institucional, inclusive cancelando as eleições de 2018, caso não consigam implodir a candidatura do ex-presidente Lula.


O crescimento das mobilizações sociais, a radicalização da luta política e o êxito da greve geral de 28 de abril são fatores que podem antecipar o desenlace da luta contra o golpe no período imediato.








Brasil 247, 01/04/2017



Repulsa a Temer confirma sabedoria do povo



Por Paulo Moreira Leite




Na abertura de 'Anna Karenina', seu romance mais famoso, Leon Tolstoi construiu uma das mais conhecidas frases da liberatura universal: " todas as famílias felizes são parecidas; as infelizes são cada uma à sua maneira."

Com todas as adaptações necessárias, esta observação se aplica à situação política do Brasil, país onde a desaprovação a Michel Temer oscila entre 79%, no Ibope, e 90%, no Ipsos.  É um marco vergonhoso e reconhecidamente insustentável.

Em abril de 2015, diante da notícia de que a aprovação a Dilma limitava-se a 12%, o vice fez um comentário inacreditável. Disse que neste patamar ela não chegaria ao fim do mandato. Parecia falta de educação, no máximo deslealdade. Pior: era uma inescrupulosa sinalização de apoio ao golpe contra uma presidente eleita, em preparativos desde a contagem dos votos de outubro de 2014.

A aprovação de Temer, hoje, encontra-se em 10%, patamar que o transforma num desses alvos permanentes de raiva da população, como se pode comprovar tanto em espaços públicos como na vida privada das famílias brasileiras. Ontem, mais uma vez, ocorreram grandes manifestações nas principais cidades brasileiras, etapa preparatória para um dia de greve geral marcada para 28 de abril.  

Numa situação que só acontece quando o descontentamento tornou-se muito grande, o "Fora Temer" tornou-se um dado permanente de nossa vida cotidiana.  No capacho da porta de entrada da residência de uma profissional liberal nos Jardins, típico bairro de classe média alta de São Paulo, pode-se ler: "Entre sem Temer" -- mensagem que substitui o tradicional "Limpe os pés antes de entrar" que era tão comum em casas e escritórios, décadas atrás, quando as ruas não tinham calçamento e os visitantes eram estimulados a deixar a poeira, o barro e a lama do lado de fora. 

Disponível na internet, em palestra em Curitiba, a grande Fernanda Montenegro aproveitou um debate morno para lembrar que, nos teatros de hoje, as vezes as pessoas "dizem 'Fora Temer'...", repetindo a expressão uma vez, duas, sempre com delicadeza, sem forçar, até que a expressão se tornasse um grito da plateia.  

Ontem, eu estava dentro de um ônibus que descia a avenida da Consolação, em São Paulo, quando um repentista arrancou gargalhadas, aplausos - e merecidas moedinhas - quando falou do "golpe" que vai "acabar com a aposentadoria."

Dado essencial de nossa vida política, a repulsa a Temer é uma demonstração da sabedoria popular, este alimento insubstituível na formação de um país.

Expressando-se em toda parte, essa atitude lembra o protesto da juventude norte-americana na década de 1970, quando denunciava a falta de princípios e os desmandos do governo de Richard Nixon em camisetas onde perguntava: "Você compraria um carro usado deste homem?"

Quando a rejeição a um homem público atinge este patamar, o debate político ultrapassou o nível tradicional de quem está a favor, de quem está contra. Isso é o normal da diversidade política, de toda discussão democrática. Ganha-se hoje, perde-se amanhã, recupera-se depois.

Estamos falando da etapa seguinte, de um patamar mais baixo e mais grave, quando a maioria da população sente-se diretamente prejudicada e quer expelir um presidente como se fosse livrar-se de um vírus incurável, responsável por problemas graves no presente e sequelas impensáveis no futuro. Para os trabalhadores e a imensa parcela de brasileiros que sobrevivem numa situação de dureza e exclusão do Estado, Temer é um risco a sobrevivência do melhor que o Brasil construiu em 500 anos de uma história com tantos retrocessos e derrotas.

A maioria já percebeu aquilo que, em sua entrevista ao 247, Aloizio Mercadante definiu como "o paradoxo de Temer: quanto mais impopular se torna, mais impopular precisa ser para manter no poder."

A urgência da saída de um predador que nunca fica satisfeito reflete a necessidade de interromper, de imediato,o retrocesso  em curso e sem limites. Imagine que faltaram apenas quatro votos para a aprovação de uma nova medida impopular, que autorizava cobrança de mensalidades em universidades públicas, o que só agravaria o acesso dos estudantes mais pobres. É assim no Brasil de hoje. A tragédia é a regra. Ontem o mesmo Temer sancionou a terceirização, um avanço que chega a ser humilhante. Imagine: Temer derrubando, com sua assinatura, a grande herança social de Getúlio Vargas.   

Numa situação em que a falta de legitimidade se soma à impopularidade, nada mais resta nem parece importar a Temer. A opção está feita: mais e maiores concessões que lhe permitiram chegar ao poder, com funções rebaixadas, de caráter apenas gerencial, sem nenhum poder real.

Do núcleo real que organizou a tomada do poder, Temer é o único sobrevivente. O aliado Geddel Lima e Eliseu Padilha já caíram. Moreira Franco finge que sobrevive.

O desarranjo de um núcleo político que nunca teria votos próprios para assumir o governo teria o efeito salutar de estancar a sangria que realmente preocupa o país - o esvaziamento da democracia - e permitir a escolha de um novo governo, pelo voto livre de 100 milhões de brasileiras e brasileiros. O caminho é este.

Quando e se a vontade das ruas for atendida, e Michel Temer for colocado para fora, vai ser muito difícil bloquear a convocação de eleições diretas - e este é o temor estratégico daqueles que irão carregar sua presidência, hoje, amanhã, até o fim.

O desfile de novas e candidaturas improvisadas para enfrentar Lula - o último exemplo é Luciano Huck - mostra que essa mudança pode estar mais próxima do que se costuma admitir.

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