sábado, 23 de junho de 2012

Washington recupera domínio pleno estratégico na América do Sul

 
 
Viomundo, 23 de junho de 2012
 

O que os Estados Unidos podem ganhar com o golpe no Paraguai

 

Por Luiz Carlos Azenha


A reação de Washington ao golpe “democrático” no Paraguai será, como sempre, ambígua. Descartada a hipótese de que os estadunidenses agiram para fomentar o golpe — o que, em se tratando de América Latina, nunca pode ser descartado –, o Departamento de Estado vai nadar com a corrente, esperando com isso obter favores do atual governo de fato.
Não é pouco o que Washington pode obter: um parceiro dentro do Mercosul, o bloco econômico que se fortaleceu com o enterro da ALCA — a Área de Livre Comércio das Américas, de inspiração neoliberal. O Paraguai é o responsável pelo congelamento do ingresso da Venezuela no Mercosul, ingresso que não interessa a Washington e que interessa ao Brasil, especialmente aos estados brasileiros que têm aprofundado o comércio com os venezuelanos, no Norte e no Nordeste.
Hugo Chávez controla as maiores reservas mundiais de petróleo, maiores inclusive que as da Arábia Saudita. O petróleo pesado da faixa do Orinoco, cuja exploração antes era economicamente inviável, passa a valer a pena com o desenvolvimento de novas tecnologias e a crescente escassez de outras fontes. É uma das maiores reservas remanescentes, capaz de dar sobrevida ao mundo tocado a combustíveis fósseis.
Washington também pode obter condições mais favoráveis para a expansão do agronegócio no Chaco, o grande vazio do Paraguai. Uma das preocupações das empresas que atuam no agronegócio — da Monsanto à Cargill, da Bunge à Basf — é a famosa “segurança jurídica”. Ou seja, elas querem a garantia de que seus investimentos não correm risco. É óbvio que Fernando Lugo, a esquerda e os sem terra do Paraguai oferecem risco a essa associação entre o agronegócio e o capital internacional, num momento em que ela se aprofunda.
Não é por acaso que os ruralistas brasileiros, atuando no Congresso, pretendem facilitar a compra de terra por estrangeiros no Brasil. Numa recente visita ao Pará, testemunhei a estreita relação entre uma ONG estadunidense e os latifundiários locais, com o objetivo de eliminar o passivo ambiental dos proprietários de terras e, presumo, facilitar futura associação com o capital externo.
Finalmente — e não menos importante –, o Paraguai tem uma base militar “dormente” em Mariscal Estigarribia, no Chaco. Estive lá fazendo uma reportagem para a CartaCapital, em 2008. É um imenso aeroporto, construído pelo ditador Alfredo Stroessner, que à moda dos militares brasileiros queria ocupar o vazio geográfico do país. O Chaco paraguaio, para quem não sabe, foi conquistado em guerra contra a Bolívia. Há imensas porções de terra no Chaco prontas para serem incorporadas à produção de commodities.
O aeroporto tem uma gigantesca pista de pouso de concreto, bem no coração da América Latina. Com a desmobilização da base estadunidense em Manta, no Equador, o aeroporto cairia como uma luva como base dos Estados Unidos. Não mais no sentido tradicional de base, com a custosa — política e economicamente custosa — presença de soldados e aviões. Mas como ponto de apoio e reabastecimento para o deslocamento das forças especiais, o que faz parte da nova estratégia do Pentágono. O renascimento da Quarta Frota, responsável pelo Atlântico Sul, veio no mesmo pacote estratégico.
É o neocolonialismo, agora faminto pelo controle direto ou indireto das riquezas do século 21: petróleo, terras, água doce, biodiversidade.
Um Paraguai alinhado a Washington, portanto, traz grandes vantagens potenciais a interesses políticos, econômicos, diplomáticos e militares estadunidenses.


Sábado, 23 de Junho de 2012
 
 

Golpe expresso à paraguaia e a lembrança de Honduras

 
Darío Pignotti


O mais recente golpista paraguaio, Federico Franco, instalado desde ontem no Palácio de Lopez (sede da Presidência, em Assunção), enfrentará sua primeira prova de fogo diplomático na próxima semana, na Cordilheira dos Andes, que será a sede da reunião semestral dos presidentes do Mercosul, onde todos os seus membros, com a agora exceção guarani, foram eleitos em processos democráticos.

Cristina Fernandez de Kirchner analisou o quadro paraguaio em contatos com Dilma Rousseff e o presidente uruguaio José Mujica. Após essas conversas, avisou que franco, empossado após a derrubada de Fernando Lugo, é persona non grata na região.

A Argentina não vai validar o golpe de Estado no Paraguai”, disse ontem a anfitriã da cúpula de presidentes do Mercosul da próxima semana, acrescentando que a posição dos países do bloco será consensuada, um requisito para dotá-la de mais força política e diplomática frente os golpistas paraguaios e, por tabela, o Departamento de Estado norteamericano.

“Vamos tomar o curso de ação que nossas chancelarias delinearam e atuaremos conjuntamente”, disse a presidenta, reafirmando a unidade da região, enquanto fontes de seu governo anteciparam que, segunda-feira, as Câmaras de Deputados e de Senadores se reunirão, por separado, para emitir uma declaração sobre a deposição de Fernando Lugo, a um ano do final de seu mandato.

Os chanceleres da Unasul (União Sul-americana de Nações), inclusive Antonio Patriota, desembarcaram em Assunção, na noite de quinta-feira, para tentar dissuadir a tentativa golpista que foi consumada na noite de sexta após um julgamento sumaríssimo no parlamento, o que representa uma aberração institucional que nenhum analista sério, de direita ou de esquerda, poderia considerar como equivalente a um processo de impeachment. Foi claramente um golpe de Estado. Talvez daqui a algumas décadas os cientistas políticos caracterizem essa derrubada como um novo formato de sedição, uma espécie de “Golpe Express”, protagonizado pelos congressistas.

O respaldo dado a Lugo, durante suas últimas horas no poder, foi um dado que marcou o comportamento dos presidentes sulamericanos. Dilma, Cristina Fernández de Kirchner, Evo Morales e Rafael Correa telefonaram para expressar-lhe seu apoio quando a crise institucional se agravou esta semana.

O ex-bispo e agora ex-presidente Lugo havia acumulado popularidade na opinião pública em 1999, durante as jornadas lembradas como “março paraguaio”, quando foram assassinados cerca de uma dezena de jovens militantes que se concentraram frente ao Congresso após o assassinato do então vice-presidente Luis Maria Argaña. A direita aprendeu a lição de 1999 e desta vez apurou o golpe contra Lugo antes que milhares de camponeses procedentes do interior chegassem à praça em frente ao Congresso.

Dilma acompanhou de perto a evolução (ou melhor dizendo, a involução) dos acontecimentos no Paraguai que desembocaram no golpe branco de sexta, aplaudido pela Associação Rural do Paraguai, pela cúpula da Igreja Católica e pelas forças de segurança. A notícia da derrubada de Lugo chegou ao Brasil pouco antes de a presidenta Dilma fazer o discurso de encerramento da Conferência Rio+20.

Segundo uma repórter da Globo News, que acompanhava a Rio+20 no Riocentro, o secretário geral da presidência, Gilberto Carvalho, comentou (a gravação não foi ao ar) que o mais recomendável é avaliar com atenção os passos a serem dados frente ao golpe de Estado que, de fato, restitui o poder institucional (nunca se afastaram do poder real) ao cartel militar-empresarial criado sob a ditadura de Alfredo Stroessner, falecido em Brasília há seis anos, onde gozava de asilo político.

O primeiro balanço do golpe indica que os governos do Brasil, da Argentina e do Uruguai foram pegos de surpresa pela dinâmica dos fatos no Paraguai, iniciados na sexta-feira (15) com o massacre de 11 camponeses sem terra e a morte de sete policiais numa fazenda localizada a 350 quilômetros de Assunção, cujo proprietário, Blas Riquelme, angariou uma fortuna graças a sua filiação ao Partido Colorado.

O partido de Strossner retomou desde ontem o centro da cena, a partir da queda de Lugo, apesar de que o golpista Franco pertença ao Partido Radical Liberal Auténtico, nascido como uma expressão opositora à ditadura, mas que com o decorrer dos anos sucumbiu à corrupção e às intrigas de poder da velha classe política.

Houve outras duas tentativas de golpe abortadas há um ano no Equador e três na Bolívia, mas em ambos os casos a resposta da coligação regional de governos democráticos contribuíram para impedi-los.

O caso paraguaio remete ao golpe de Honduras, que expulsou do poder o presidente Manuel Zelaya em junho de 2009, e logo em seguida forçou eleições fraudulentas, já que se realizaram sob um clima de terror e com proscrições, que levaram ao poder a Porfirio Lobo, em novembro desse mesmo ano.

Os Estados Unidos aprovaram o golpe contra Zelaya, a quem viam com receio por estar aliado a Hugo Chávez, respaldaram o processo eleitoral e depois, como era previsível, reconheceram a legalidade do mandato de Lobo, que não foi validada pela maioria dos governos americanos, com o Brasil liderando essa frente.

Assim como Washington se associou a Lobo para garantir a sua presença na América Central, especialmente frente à consolidação da Frente Sandinista no governo da Nicarágua, é possível que faça algo parecido com o neogolpista Franco.

Na carona deste mandatário marionete, Washington recupera o seu domínio pleno no estratégico umbigo da América do Sul.
Possivelmente o Departamento de Estado já não precisará forçar mais relatórios falsos sobre a suposta presença de células de Al Qaeda na Tríplice Fronteira Paraguai, Brasil e Argentina, para justificar a presença de tropas próprias.

O fim da efêmera experiência de Lugo restitui ao Paraguai o seu status de peça chave incondicional dos Estados Unidos, que valoriza geopoliticamente as fronteiras do país com o Brasil, a Argentina e, sobretudo, o extenso limite paraguaio com a Bolívia, país onde Washington sempre aspira voltar a influenciar, especialmente depois que os agentes da DEA foram expulsos pelo governo de Evo Morales.

Tradução: Libório Junior
.....
 
 
 
Monsanto golpeia no Paraguai: Os mortos de Curuguaty e o juízo político de Lugo

Por Idilio Méndez Grimaldi (*)
publicado no site de Atilio Boron

Quem está por trás desta trama tão sinistra? Os promotores de uma ideologia que busca o máximo benefício econômico a qualquer preço e quanto mais, melhor, agora e no futuro.
Na quinta-feira, 15 de junho de 2012, um grupo policial que cumpriria ordem de despejo no estado de Canindeyú, na fronteira com o Brasil, foi emboscado por franco-atiradores, misturados a camponeses que reclamavam terras para sobreviver. A ordem foi dada por um juiz e uma promotora para proteger um latifundiário. Como resultado houve 17 mortes; 6 policiais e 11 camponeses, além de dezenas de feridos graves. As consequências: o governo fraco e temeroso de Fernando Lugo ficou com debilidade crescente e extrema, apesar de cada vez mais direitista, a ponto de ser levado a juízo político por um Congresso dominado pela direita; um duro revés para a esquerda, as organizações sociais e camponesas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os camponeses; avanço do agronegócio extrativista nas mãos de multinacionais como a Monsanto, através da perseguição e tomada de terras dos camponeses, e finalmente, a instalação de uma cômoda plateia para os partidos de direita, para seu retorno triunfal nas eleições do Executivo em 2013.
No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério de Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente o plantio de algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norte-americana de biotecnologia Monsanto, para uso comercial no Paraguai. Os protestos de camponeses e de organizações ambientalistas não se fizeram esperar. O gene deste algodão é misturado com o gene da Bacillus Thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do pulgão, que bota ovos no casulo do têxtil. O Serviço Nacional de Qualidade, Saúde Vegetal e de Sementes, SENAVE, outra instituição do estado paraguaio, dirigido por Miguel Lovera, não registrou dita semente transgênica nos registros de cultivares, por carecer de análise do Ministério da Saúde e da Secretaria de Meio Ambiente, como exige a legislação.
Campanha midiática
Durante os meses posteriores, a Monsanto, através da União de Grêmios de Produção, UGP, estreitamente ligada ao Grupo Zuccolillo, que publica o diario ABC Color [o jornal mais importante do Paraguai], arremeteu contra o SENAVE e seu presidente por não inscrever a semente transgênica da Monsanto para uso comercial em todo o país.
A contagem regressiva decisiva se deu com uma nova denúncia por parte da pseudosindicalista do SENAVE, de nome Silvia Martínez, que acusou Lovera, em 7 de junho passado, de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, através do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a Agrosán, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela Syngenta, outra multinacional, ambas sócias da UGP.
No dia seguinte, sexta-feira 8 de junho, a UGP publicou no [diário] ABC, em seis colunas: “12 razões para destituir Lovera”. Estes supostos argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, que neste momento desempenhava o papel de presidente do Paraguai, na ausência de Lugo, que viajava pela Ásia.
Na quinta-feira 15 do mês corrente, por ocasião de uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e da Pecuária, o ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa sobre um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de agroquímicos, que teria cancelado um projeto de investimento no Paraguai por suposta corrupção no SENAVE. Nunca esclareceu do que se tratava. Nessas horas daquele dia se registravam os acontecimentos trágicos de Curuguaty.
No marco da exposição preparada pelo citado ministério, a multinacional Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênico: BT e RR, ou resistente ao Roundup, o herbicida fabricado e patenteado pela Monsanto. A pretensão da multinacional norte-americana era a inscrição no Paraguai de dita semente transgênica, assim como aconteceu na Argentina e em outros países do mundo.
Previamente a estes fatos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente os supostos atos de corrupção da ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e do ministro do Meio Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários que não deram decisões favoráveis à Monsanto.
A Monsanto faturou no ano passado 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara parte de sua renda) somente com os royalties pelo uso de sementes transgênicas de soja no Paraguai. A Monsanto também fatura com a venda de sementes transgênicas, de forma independente. Toda a soja cultivada no Paraguai é transgênica, numa extensão de cerca de 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.
Por outro lado, a Câmara dos Deputados já aprovou o projeto de Lei da Biossegurança, que contempla criar uma agência de biossegurança no Ministério da Agricultura, com amplo poder para a aprovação do cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de arroz, mandioca, algodão e algumas hortaliças. Este projeto de lei contempla a eliminação da atual Comissão de Biossegurança, que é um ente colegiado de funcionários técnicos do Estado paraguaio.
Enquanto transcorriam estes acontecimentos, a UGP vinha preparando um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo no dia 25 de junho próximo. Trata-se de uma manifestação com máquinas agrícolas, fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do denominado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do SENAVE, assim como a liberação de todas as sementes transgênicas para seu cultivo comercial.
As conexões
A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez — que tem negócios no setor de agroquímicos –, entre outros agentes multinacionais do agronegócio. Cristaldo integra a equipe de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color desde sua fundação, sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa, SIP. O Grupo Zuccolillo é o principal sócio no Paraguai da Cargill, uma das maiores multinacionais de agronegócio do mundo. A sociedade construiu um dos mais importantes portos graneleiros do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da tomada de água da empresa de distribuição de água do estado paraguaio, no rio Paraguai, sem qualquer restrição.
As multinacionais do agronegócio do Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a proteção férrea que conseguem no Congresso, dominado pela direita. A carga tributária do Paraguai é de apenas 13% do PIB. Sessenta por cento do imposto arrecadado pelo estado paraguaio é o IVA, Imposto sobre Valor Agregado. Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da arrecadação tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo um estudo do Banco Mundial, ainda que o agronegócio produza cerca de 30% do PIB, que representam cerca de 6 bilhões de dólares anuais. O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Oitenta e cinco por cento das terras, cerca de 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% dos proprietários, que se dedicam à produção meramemnte extrativista ou, no pior dos casos, à especulação com a terra.
A maioria destes oligarcas possui mansões em Punta del Este ou Miami e tem relações estreitas com as multinacionais do setor financeiro, que guardam seus bens ilegais em paraísos fiscais ou facilitam investimento no estrangeiro. Todos eles, de alguma maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com ampla influência sobre o poder do estado. Ali reina a UGP, apoiada pela multinacionais do setor financeiro e do agronegócio.
Os fatos de Curuguaty
Curuguaty é uma cidade que fica na região oriental do Paraguai, a 200 quilômetros de Assunção, capital do país. A alguns quilômetros de Curuguaty se encontra a fazenda Morombí, propriedade de Blas Riquelme, que tem mais de 70 mil hectares na região. Riquelme vem das entranhas da ditadura Stroessner (1954-1989), sob cujo regime juntou uma imensa fortuna, aliado ao general Andrés Rodríguez, que executou o golpe de estado que derrubou o ditador. Riquelme, que foi presidente do Partido Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários supermercados e frigoríficos, se apropriou usando subterfúgios legais de uma área de 2 mil hectares que pertence ao estado paraguaio.
Esta área foi ocupada por camponeses sem terra que vinham solicitando ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma promotora ordenaram o desalojamento dos camponeses, através do Grupo Especial de Operações, GEO, da Polícia Nacional, cujos membros de elite foram, em sua maioria, treinados na Colômbia, durante o governo Uribe, para a luta contrainsurgente.
Apenas uma sabotagem interna, dentro dos quadros de inteligência da polícia, com cumplicidade da Promotoria, explica a emboscada na qual morreram 6 policiais. Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, puderam cair tão facilmente numa emboscada de camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada por oligarcas. Os colegas dos mortos reagiram e atacaram os camponeses, matando 11, com outros 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente-coronel Alcides Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.
O plano consiste em criminalizar, promover o ódio extremo contra todas as organizações de camponeses, para empurrá-los a deixar o campo exclusivamente para o agronegócio. É um processo lento, doloroso, de retirada do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania alimentar, a cultura alimentar do povo paraguaio, por serem os camponeses os produtores e recriadores ancestrais de toda a cultura guaraní.
Tanto a Promotoria quanto o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Polícia Nacional, assim como diversos organismos do estado paraguaio, estão sob controle externo através de convênios de cooperação com a USAID, a agência de cooperação dos Estados Unidos.
O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da República foi uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o próximo objetivo, provavelmente através de um juízo político, que em resposta endireitou ainda mais seu governo, tentando acalmar os oligarcas. O que aconteceu em Curuguaty derrubou o ministro do Interior Carlos Filizzola, sendo nomeado Rubén Candia Amarilla, proveniente do partido opositor Colorado, ao qual Lugo derrotou nas urnas em 2008 depois de 60 anos de ditadura, que incluiram a tirania de Alfredo Stroessner.
Candia foi ministro da Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte (2003-2008) e desempenhou o papel de procurador-geral do Estado até o ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz Verón, decisão do próprio Lugo.
Candia é acusado de ter promovido a repressão a dirigentes de organizações camponesas e movimentos populares. Sua nomeação para a Procuradoria Geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um controle maior da USAID sobre o Ministério Público e foi acusado no início do governo Lugo de conspirar para afastar o presidente do poder.
Depois de assumir como ministro político de Lugo, o primeiro ato de Candia foi anunciar a eliminação do protocolo de diálogo com os camponeses que invadem propriedades. A mensagem é de que não haverá conversações, simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a força policial repressiva sem contemplação.
Dois dias depois de Candia Amarilla assumir, os membros da UGP, encabeçados por Héctor Cristaldo, visitaram o ministro do Interior, a quem solicitaram garantias para a realização do chamado tratoraço. Na ocasião, Cristaldo disse que a manifestação poderia ser suspensa em caso de novos sinais favoráveis à UGP (leia-se a liberação das sementes transgênicas da Monsanto, a destituição de Lovera e de outros ministros, entre outras vantagens para o grande capital e os oligarcas), endireitando ainda mais o governo Lugo.
Cristaldo é pré-candidato a deputado nas eleições de 2013 por um movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um empresário investigado em passado recente pelos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio jornal ABC Color, que publicou vários telegramas do Departamento de Estado, divulgados pelo WikiLeaks, entre eles um que aludia diretamente a Cartes, em 15 de novembro de 2011.
Julgamento político de Lugo
Nas últimas horas, enquanto eu redigia esta crônica, a UGP, alguns integrantes do Partido Colorado e os próprios integrantes do Partido Liberal Radical Autêntico, PLRA, dirigido pelo senador Blas Llano e aliado do governo, ameaçavam com um julgamento político de Fernando Lugo para destituí-lo da presidência da República do Paraguai.
Lugo depende do humor dos colorados para seguir como presidente da República, assim como de seus aliados liberais, que agora o ameaçam com julgamento político, com certeza buscando mais espaço no poder (dinheiro) em troca de paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos minoritários da oposição, tem a maioria necessária para destituir o presidente de suas funções.
Talvez esperem pelos “sinais favoráveis” de Lugo à UGP — em nome da Monsanto, da pátria financeira e dos oligarcas. Caso contrário, passariam à fase seguinte dos planos de controle deste governo, que nasceu progressista e lentamente terminou conservador, controlado por poderes de fato.
Entre alguns de seus feitos, Lugo é responsável pela aprovação da Lei Antiterrorista, promovida pelos Estados Unidos em todo o mundo depois do 11 de setembro. Autorizou a implementação da Iniciativa Zona Norte, que consiste na instalação e deslocamento de tropas e civis norte-americanos no norte da Região Oriental — no nariz do Brasil — supostamente para desenvolver atividades em favor de comunidades camponesas.
A Frente Guazú, coalizão de esquerda que apoia Lugo, não conseguiu unificar seu discurso e seus integrantes perderam a capacidade de análise do poder real, caindo em jogos eleitorais imediatistas. Infiltrados pela USAID, muitos integrantes da Frente Guazú participam da administração do Estado e sucumbem ante o canto de sereia do consumismo galopante, do neoliberalismo. Corrompem-se até o tutano e na prática se convertem em copiadores vaidosos dos novos ricos que integravam recentes governos do direitista Partido Colorado.
Curuguaty também encerra uma mensagem para a região, especialmente para o Brasil, em cuja fronteira se produziram os fatos sangrentos, claramente dirigidos pelos senhores da guerra, cujos teatros de operação se pode observar no Iraque, Líbia, Afeganistão e agora na Síria. O Brasil está construindo hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e China, denominados conjuntamente de BRICs. No entanto, os Estados Unidos não cedem seu poder de persuasão ao gigante da América do Sul. Já está em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, Peru e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas do Brasil em direção ao Pacífico.
Enquanto isso, Washington segue sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos e militares. Entretanto, a Quarta Frota dos Estados Unidos, reativada há alguns anos depois de ficar fora de serviço depois da Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, representando outro cerco ao Brasil, se o país não aceitar a persuasão diplomática.
O Paraguai está em disputa entre ambos países hegemônicos, dominado amplamente agora pelos Estados Unidos. Por isso, Curuguaty é também um pequeno sinal para o Brasil, no sentido de que o Paraguai pode se converter em um estopim que pode comprometer o desenvolvimento do sudoeste do Brasil.
Mas, acima de tudo, os mortos de Curuguaty são vítimas do capital, do grande capital, do extrativismo espoliador, que assola o Planeta e destrói a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do desenvolvimento. Por sorte, os povos do mundo também vão dando respostas a estes sinais de morte, com sinais de resistência, de dignidade e de respeito a todas as formas de vida do Planeta.

(*) Jornalista, investigador e analista. Membro da Sociedade de Economia Política do Paraguai, SEPPY. Autor do livro Os Herdeiros de Stroessner.

Nenhum comentário:

Postar um comentário