A crise da razão e a destruição do mundo
Jornal do Brasil, 08/06/2012
A crise da razão e a destruição
do mundo
Por Mauro
Santayana
Grandes
pensadores, e não apenas os sacerdotes menores, recorrem ao mito de Adão, a fim
de associar o fim da inocência ao pecado. Uma teologia mais alta repelirá
a idéia ortodoxa: Deus, existindo, não criaria seres dotados das sementes da
inteligência para serem parvos. Ao dotá-los da mente, dotou-os, naturalmente,
da dúvida e da busca da verdade. Da busca da verdade, ainda que não do encontro
desta mesma verdade. A verdade absoluta, como todas as idéias que ocupam a
inteligência do homem, é uma categoria de fé. Apesar da advertência de que só
ela nos libertará, nunca a teremos, a não ser cada um de nós em sua própria fé.
Aquilo em que cremos – mesmo a dúvida – é a nossa verdade.
Em todos os
tempos, convivemos com o conflito entre os grandes pensadores e os reitores das
sociedades políticas. O poder – e a tese se alicerça nos fatos históricos –
sempre esteve associado ao medo, à loucura e à fome do ouro. Cabe, assim, aos
que pensam, moderar os desatinos dos poderosos e – quando a situação de
insensatez chega ao insustentável – favorecer o retorno à normalidade. Esse
retorno se faz com as revoluções, não necessariamente sangrentas. Na visão de
Vitor Hugo – e a citação é sedutora – o poder muitas vezes se sustenta em
ficções rendosas, e a tarefa da revolução é a de promover o retorno da ficção à
realidade.
A realidade está
submetida à necessidade, que é a grande legisladora, e que atua, de tempo em
tempo, para corrigir os seus desvios, ou seja, restituir o real ao campo do
necessário. É assim que podemos pensar um pouco na questão chave de nossos
dias, a da preservação da vida na Terra.
Uma inteligência
do Universo, se houvesse alguma além dos homens – mesmo sendo a divina – talvez
chegasse à conclusão de que a espécie humana perdeu a sua razão de ser. A mente
dos homens – seu atributo maior – abandonou a sua razão essencial, que era a de
contemplar o mistério do universo, tanto nas grandes constelações e galáxias,
como no vôo de um inseto e buscar o seu sentido. Ao contrário, vem pretendendo
fazer do Universo um submisso servidor.
O homem não
convive mais com o mundo, mas o agride com a plena consciência do crime. Ele
pode, e deve, usufruir dos bens do planeta, mas não destruí-los, sem que se
destrua a civilização que conhecemos. Há uma razão para que a visão estética do
mundo e a construção de planos mentais se reúnam no vocábulo grego teoria,
contemplação. Conciliar a contemplação do mundo com o projeto, que transforma o
homem em criador e êmulo da natureza, é associar a idéia do desígnio, de
Prometeu, à da esperança, de Epimeteu.
Há quarenta anos
que a comunidade internacional se reúne periodicamente, para discutir o estado
do planeta. Este Jornal do Brasil, ao noticiar a Primeira Conferência do Meio
Ambiente, realizada em Estocolmo, em 1972, deu às matérias um titulo geral que
continua válido: A Terra está doente. A agressão continua, até mesmo no
simulacro de providências, que agravam o problema, em lugar de resolvê-lo, como
as ONGs e os protocolos daqui e dali, para iludir os bem intencionados e fazer
a fortuna dos espertos.
A ciência em
pouco tem contribuído para resolver o problema. Ao contrário, as grandes
descobertas científicas, sobretudo as do campo da química e da bioquímica, têm
agravado o quadro de caquexia geral do planeta – como é o caso dos defensivos
agrícolas e da engenharia genética, com as sementes transgênicas. As
multinacionais do agronegócio, que criam sementes transgênicas e agrotóxicos
assassinos, se associam aos gananciosos produtores de grãos, senhores de vastas
extensões de terras férteis.
Esses empreendedores,
se optassem por uma agricultura mais racional, teriam, segundo alguns
especialistas, mais retorno econômico e preservariam o solo, as águas, o meio
ambiente, enfim, o futuro. Um exemplo da insensatez da tecnologia capitalista
na produção rural é o caso da superprodução de leite na Europa, com vacas
alimentadas com proteínas vegetais – como a soja – importadas dos paises em
desenvolvimento. Com o excesso, produzem leite em pó, que é depois
reconstituído para alimentar os bezerros – e liberar mais leite para o mercado,
ou seja, para a superprodução e o retorno aos bezerros. É o lucrativo
ciclo da insensatez.
A razão
capitalista impede que esse leite possa salvar da morte milhares de crianças na
África. É provável que nessa razão prevaleça a idéia dos clubes de blidelberg
do mundo (que são vários) de que o planeta será muito melhor e mais
saudável sem os pobres.
Entre outras
formas de tornar impossível a sobrevivência dos homens e de outras
manifestações de vida no planeta, encontra-se, em primeiro lugar, esse modelo
de produção de nossos dias, que se revela no prefixo trans. É um recurso da
tecnologia, como tantos outros, para servir ao lucro imediato, à fome do ouro,
a que se refere Lucrécio.
A Conferência
que se abre no Rio não conduzirá a resultados realmente importantes se for
movida pela idéia de que a ciência e os bons sentimentos poderão salvar o
mundo. A questão é política, de poder. E enquanto o poder estiver, como está
hoje, na mão dos banqueiros e dos grandes conglomerados industriais, que
controlam as universidades, os laboratórios de pesquisas, os grandes meios de
informação universal, e remuneram cientistas, tecnólogos e, sobre todos
eles, os políticos e os policy makers, o planeta continuará a ser
deliberadamente assassinado, em benefício de algumas famílias. Elas mesmas já
desertaram da espécie humana e, em seu egoísmo doentio, vivem as ficções
rendosas.
O mundo está à
espera de que a necessidade imponha aos homens a ação imediata para o retorno à
realidade, enfim, à normalidade, à solidariedade que salvará o planeta. E
convém lembrar que norma, em latim, é a denominação do esquadro, que marca o
ângulo reto, princípio imemorial das construções sólidas.
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