sexta-feira, 8 de junho de 2012

A Marcha dos Marcianos

 CartaCapital, Ed. 701

A Marcha dos Marcianos ainda desfila

Por Mino Carta





Recebi de um leitor a imagem que ilustra este editorial. Primeira página de O Globo pós-golpe de 1964, Presidência interina de Ranieri Mazzilli, enquanto os donos do poder e seus gendarmes decidem o que virá. Treze dias depois o então presidente da Câmara volta a seu assento de congressista e a ditadura é oficialmente instalada. Comentário do amável leitor: eis aí os defensores midiáticos da democracia sem povo.
De fato, acabava de ser desferido um golpe de Estado, mas seus escribas, arautos e trompetistas declamam e sinfonizam a história oposta. O marciano que subitamente descesse à Terra, diante da página de O Globo, e de todas as dos jornalões, acreditaria que o Brasil vivera anos a fio uma ditadura e agora assistia à sua derrubada. Em editorial, nosso colega Roberto Marinho celebrava: “Ressurge a Democracia!”
É o jornalismo nativo em ação, entre a ficção e o sonho, a hipocrisia e a prepotência, sempre na sua função de chapa-branca da casa-grande. Vaticinava a invasão bárbara da marcha da subversão, passou, entretanto, a Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade. A Marcha dos Marcianos, me arrisco a dizer. Não é que faltassem entre os marchadores os hipócritas e os prepotentes. A maioria, contudo, era marciana. Só mesmo um alienígena para acreditar em certos, retumbantes contos da carochinha.
Agora, observem. Quarenta e oito anos depois, a Marcha dos Marcianos ainda desfila, sem deixar de arrolar hipócritas e prepotentes. Ocorre que muitas mudanças aconteceram neste tempo longo. Inúteis ferocidades e desmandos a ditadura praticou, para esvair-se em suas próprias contradições enquanto fermentava a fortuna de empreiteiros, banqueiros e barões midiáticos. A pretensa redemocratização teve seus lances de ópera-bufa. Collor foi louvado por abrir os portos, mas cobrou pedágios nunca vistos. O governo tucano quebrou o País três vezes.
Fernando Henrique Cardoso contou de fio a pavio com os aplausos febris da mídia, seduzida pelo príncipe dos sociólogos disposto, oh, surpresa, a encarnar as preferências da reação, impávido ao conduzir a privataria tucana e a comprar congressistas para garantir a reeleição. A vitória de Lula é o divisor de águas, não somente porque um homem dito do povo chegou ao trono, mas também em virtude de um governo que elevou o teor de vida dos setores menos favorecidos da população e ganhou prestígio internacional nunca dantes navegado. A presidenta Dilma garante a continuidade. Para entender melhor, leiam nesta edição a coluna Vox Populi de Marcos Coimbra.
Sim, os bairros ricos, alguns dubaienses, ainda pululam de marcianos, assinantes fiéis e parvos dos jornalões, sem falar das pilhas de Veja que abarrotam no fim de semana os saguões dos seus prédios. Não enxergo, porém, a maioria dos brasileiros debruçados sobre estes textos sagrados e consagrados pela chamada classe A e parte da B. É possível que os da maioria ainda não tenham atingido o grau adequado de consciência da cidadania, de resto incomum em geral, mas estão maciçamente com Dilma como estiveram com Lula. E, quem sabe, pouco se preocupem com os destinos do processo do mensalão.
Leio e ouço até agora que a questão incomoda sobremaneira tanto Lula quanto Dilma, e que a CPI do Cachoeira foi excogitada para desviar as atenções da Nação. CartaCapital entende que é do interesse geral, inclusive do PT, que o julgamento se faça o mais rapidamente possível e que o assunto seja finalmente encerrado por sentença justa.
Insistimos na convicção de que o mensalão, conforme a denúncia original de Roberto Jefferson, como mesada oferecida a um certo número de congressistas, não será provado. Outros crimes, acreditamos, terão prova. Crimes igualmente gravíssimos, uso de caixa 2, lavagem de dinheiro, aquele que o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos recebe do contraventor Cachoeira para defendê-lo. CartaCapital arrisca-se a prever condenações óbvias, e nem tanto, e espera que o conspícuo envolvimento do banqueiro Daniel Dantas venha à tona neste enredo. Difícil imaginar como a mídia se portará ao cabo. Vale acentuar apenas o silêncio que manteve sem pestanejar diante dos “mensalões” tucanos.

Imagem inline 1


Brasil de fato, Sexta-feira, 8 de junho de 2012 - Ed. 484

Editorial
Em defesa do STF

Agora, quando a lama da trinca Cachoeira-Demóstenes-Veja se aproxima de sua cadeira, Gilmar Mendes busca a sua defesa dizendo que há um ataque à instituição do STF
Reza uma história, provavelmente fictícia, sobre Tomás de Aquino, um dos maiores filósofos da Idade Média, que, com muita facilidade e ingenuidade, tornava-se a vítima preferida das brincadeiras dos outros frades. Contam que Tomás estava estudando quando um jovem frade veio chamá-lo para ver uma vaca que estava voando. O filósofo apressou-se para chegar até a janela e vasculhar os céus em busca da vaca. Quando se voltou, desapontado com a inexistência do fenômeno, enfrentou a gargalhada coletiva dos frades, com a ferina frase: “Achei que seria mais fácil ver uma vaca voar do que um frade mentir”.
O ensinamento do santo da Igreja Católica deveria estar fixado em local de muita visibilidade no STF, nossa mais alta Corte Judicial. Se é inconcebível imaginar um frade mentir, o que pensar de um membro do Supremo?
A história contada pelo ministro Gilmar Mendes, sobre a conversa que manteve com o ex-presidente Lula no escritório do jurista Nelson Jobim, é tão inconsistente, contraditória e inverossímil que não necessita nem mesmo que a única testemunha do encontro ateste sua falsidade.
A blogosfera progressista já se encarregou de desmascarar a farsa montada (sempre!) com a ajuda da revista Veja.
Na medida em que a farsa foi sendo desmontada, restava o desafio de desvendar o objetivo que moveu a revista direitista do grupo Abril, o ex-presidente do STF e o ex-governador José Serra, a protagonizar mais uma cena patética no cenário político do país. Estes sim, verdadeiros aloprados da política brasileira.
Além de tentar atingir a imagem do ex-presidente da República, não restam dúvidas de que foi mais uma das tentativas de desviar o foco das investigações da CPMI do Cachoeira que, a cada nova investigação e informação divulgada causa tremores no prédio do grupo Abril e na pernas de uma das cadeiras do Supremo.
Ou serão apenas suspeitas infundadas as informações que apontam que as relações do ministro Gilmar Mendes com o senador Demóstenes Torres (ex-Dem) vão além de uma saudável amizade, e os aproximam na penumbrosa trama montada pelo crime organizado de Goiás?
O ministro Gilmar Mendes, pródigo em ocupar espaços na mídia patronal, a quem não esconde sua condição de partido de oposição ao governo Dilma, tem repetido inúmeras vezes que não possui um histórico de mentiras. A partir de quando ele poderá incorporar esse legado em seu curriculum vitae?
Na eleição de 2010 ele atendeu um telefonema do candidato tucano José Serra (sempre!) pedindo para interromper o julgamento de um recurso do PT contra a obrigatoriedade de apresentação de dois documentos na hora de votar. O ministro atendeu o amigo. O senador Álvaro Dias (PSDB/PR) não viu nenhuma interferência de poderes, muito menos pediu uma CPI para investigar a pressão exercida sobre o STF. A Veja silenciou. A única exceção foi um jornalista da Folha de S.Paulo que registrou o momento do telefonema. Depois, tudo voltou à normalidade da dupla: tanto Serra quanto Mendes negaram a existência do telefonema. Esse fato não poderia contar para o curriculum mencionado?
Ao dar uma entrevista para o jornal Nacional da rede Globo para explicar seu encontro com Lula, Gilmar Mendes estava tão inseguro e nervoso que, num trecho de 3 minutos da entrevista, foram detectados pela empresa Truter Brasil, que faz análises de arquivos de voz, 11 ocorrências de alto risco – alto risco é a maneira de dizer que a pessoa está mentindo. Não deixa de ser um feito surpreendente para quem não tem um histórico de mentira.
O Ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes denunciaram, ainda no governo Lula, que seus telefones foram grampeados pela Agencia Brasileira de Inteligência (Abin), presidida pelo delegado Paulo Lacerda. Mendes usou o fato para dizer que iria “chamar às falas” o presidente da República. O delegado Lacerda perdeu o cargo na Abin. A Veja usou seus informantes privilegiados para fazer mais uma das suas matérias sensacionalistas, sem nenhum compromisso com a verdade e a ética jornalística. Mais tarde, a investigação da Polícia Federal comprovou que não houve nenhum grampo. Esse fato também não deve entrar para o curriculum, uma vez que a mentira pode te sido dita pelo Demóstenes e o Gilmar apenas a ouviu.
O ministro aproveitou a invencionice do grampo telefônico para contratar um especialista em serviços de inteligência, um personal araponga. Contratou o ex-agente da Abin, Jairo Martins, o que prestava o mesmo tipo de serviços para Carlinhos Cachoeira e foi quem gravou o vídeo da propina que originou a denúncia do mensalão. Hoje, esse araponga está preso, juntamente com o Carlinhos Cachoeira e o sargento aposentado da Aeronáutica Idalberto Matias, o Dadá – prisões que desfalcaram a equipe de fontes e pauteiros das principais “reportagens” bombásticas da revista Veja.
Agora, quando a lama da trinca Cachoeira-Demóstenes-Veja se aproxima de sua cadeira, Gilmar Mendes busca a sua defesa dizendo que há um ataque à instituição do STF. Seria o mesmo que Demóstenes dizer que quem está sentando no banco dos réus na sua pessoa é o Senado Federal.
Quem atenta contra o STF é o próprio Gilmar Mendes quando faz denúncias vazias e irresponsáveis, como ataque que fez ao presidente da Venezuela, dizendo que Hugo Chávez “prende juiz”.
Já antes de assumir uma cadeira do STF, quando era Advogado da União no governo de FHC – que nos legou esse ministro – Gilmar Mendes recomendava aos agentes do Poder Executivo a não cumprir determinadas ordens judiciais.
Como Advogado da União, quando sofria derrotas judiciais, esse ex-presidente do STF não hesitava em afirmar que o sistema judiciário brasileiro era um “manicômio judiciário”. Quem, sistematicamente, atenta contra as instituições democráticas do país?
Profético foi o artigo do jurista Dalmo Dallari, escrito em 2002 na Folha de S.Paulo: “Se essa indicação [a de Gilmar Mendes] vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.
Quinze senadores votaram contra a indicação de Mendes para o STF. Mas prevaleceu o rolo compressor de FHC e ele assumiu uma cadeira na Corte mais alta do sistema que ele considerava ser um manicômio.
Até quando esse senhor continuará tripudiando das instituições e atentando contra a democracia do país?

Nenhum comentário:

Postar um comentário