CartaCapital, Ed. 701
A Marcha dos Marcianos ainda desfila
Por Mino Carta
Recebi de um leitor a imagem que ilustra este editorial. Primeira página de O Globo pós-golpe de 1964, Presidência interina de Ranieri Mazzilli, enquanto os donos do poder e seus gendarmes decidem o que virá. Treze dias depois o então presidente da Câmara volta a seu assento de congressista e a ditadura é oficialmente instalada. Comentário do amável leitor: eis aí os defensores midiáticos da democracia sem povo.
De fato, acabava de ser desferido um golpe de Estado, mas seus escribas, arautos e trompetistas declamam e sinfonizam a história oposta. O marciano que subitamente descesse à Terra, diante da página de O Globo, e de todas as dos jornalões, acreditaria que o Brasil vivera anos a fio uma ditadura e agora assistia à sua derrubada. Em editorial, nosso colega Roberto Marinho celebrava: “Ressurge a Democracia!”
É o jornalismo nativo em ação, entre a ficção e o sonho, a hipocrisia e a prepotência, sempre na sua função de chapa-branca da casa-grande. Vaticinava a invasão bárbara da marcha da subversão, passou, entretanto, a Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade. A Marcha dos Marcianos, me arrisco a dizer. Não é que faltassem entre os marchadores os hipócritas e os prepotentes. A maioria, contudo, era marciana. Só mesmo um alienígena para acreditar em certos, retumbantes contos da carochinha.
Agora, observem. Quarenta e oito anos depois, a Marcha dos Marcianos ainda desfila, sem deixar de arrolar hipócritas e prepotentes. Ocorre que muitas mudanças aconteceram neste tempo longo. Inúteis ferocidades e desmandos a ditadura praticou, para esvair-se em suas próprias contradições enquanto fermentava a fortuna de empreiteiros, banqueiros e barões midiáticos. A pretensa redemocratização teve seus lances de ópera-bufa. Collor foi louvado por abrir os portos, mas cobrou pedágios nunca vistos. O governo tucano quebrou o País três vezes.
Fernando Henrique Cardoso contou de fio a pavio com os aplausos febris da mídia, seduzida pelo príncipe dos sociólogos disposto, oh, surpresa, a encarnar as preferências da reação, impávido ao conduzir a privataria tucana e a comprar congressistas para garantir a reeleição. A vitória de Lula é o divisor de águas, não somente porque um homem dito do povo chegou ao trono, mas também em virtude de um governo que elevou o teor de vida dos setores menos favorecidos da população e ganhou prestígio internacional nunca dantes navegado. A presidenta Dilma garante a continuidade. Para entender melhor, leiam nesta edição a coluna Vox Populi de Marcos Coimbra.
Sim, os bairros ricos, alguns dubaienses, ainda pululam de marcianos, assinantes fiéis e parvos dos jornalões, sem falar das pilhas de Veja que abarrotam no fim de semana os saguões dos seus prédios. Não enxergo, porém, a maioria dos brasileiros debruçados sobre estes textos sagrados e consagrados pela chamada classe A e parte da B. É possível que os da maioria ainda não tenham atingido o grau adequado de consciência da cidadania, de resto incomum em geral, mas estão maciçamente com Dilma como estiveram com Lula. E, quem sabe, pouco se preocupem com os destinos do processo do mensalão.
Leio e ouço até agora que a questão incomoda sobremaneira tanto Lula quanto Dilma, e que a CPI do Cachoeira foi excogitada para desviar as atenções da Nação. CartaCapital entende que é do interesse geral, inclusive do PT, que o julgamento se faça o mais rapidamente possível e que o assunto seja finalmente encerrado por sentença justa.
Insistimos na convicção de que o mensalão, conforme a denúncia original de Roberto Jefferson, como mesada oferecida a um certo número de congressistas, não será provado. Outros crimes, acreditamos, terão prova. Crimes igualmente gravíssimos, uso de caixa 2, lavagem de dinheiro, aquele que o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos recebe do contraventor Cachoeira para defendê-lo. CartaCapital arrisca-se a prever condenações óbvias, e nem tanto, e espera que o conspícuo envolvimento do banqueiro Daniel Dantas venha à tona neste enredo. Difícil imaginar como a mídia se portará ao cabo. Vale acentuar apenas o silêncio que manteve sem pestanejar diante dos “mensalões” tucanos.
Brasil de fato, Sexta-feira,
8 de junho de 2012 - Ed. 484
Editorial
Em
defesa do STF
Agora, quando a lama da trinca Cachoeira-Demóstenes-Veja se aproxima de sua cadeira, Gilmar Mendes busca a sua defesa dizendo que há um ataque à instituição do STF
Reza uma história, provavelmente fictícia, sobre
Tomás de Aquino, um dos maiores filósofos da Idade Média, que, com muita
facilidade e ingenuidade, tornava-se a vítima preferida das brincadeiras dos
outros frades. Contam que Tomás estava estudando quando um jovem frade veio
chamá-lo para ver uma vaca que estava voando. O filósofo apressou-se para
chegar até a janela e vasculhar os céus em busca da vaca. Quando se voltou,
desapontado com a inexistência do fenômeno, enfrentou a gargalhada coletiva dos
frades, com a ferina frase: “Achei que seria mais fácil ver uma vaca voar do
que um frade mentir”.
O ensinamento do santo da Igreja Católica deveria
estar fixado em local de muita visibilidade no STF, nossa mais alta Corte
Judicial. Se é inconcebível imaginar um frade mentir, o que pensar de um
membro do Supremo?
A história contada pelo ministro Gilmar Mendes,
sobre a conversa que manteve com o ex-presidente Lula no escritório do jurista
Nelson Jobim, é tão inconsistente, contraditória e inverossímil que não
necessita nem mesmo que a única testemunha do encontro ateste sua falsidade.
A blogosfera progressista já se encarregou de
desmascarar a farsa montada (sempre!) com a ajuda da revista Veja.
Na medida em que a farsa foi sendo desmontada,
restava o desafio de desvendar o objetivo que moveu a revista direitista do
grupo Abril, o ex-presidente do STF e o ex-governador José Serra, a
protagonizar mais uma cena patética no cenário político do país. Estes sim,
verdadeiros aloprados da política brasileira.
Além de tentar atingir a imagem do ex-presidente da
República, não restam dúvidas de que foi mais uma das tentativas de desviar
o foco das investigações da CPMI do Cachoeira que, a cada nova investigação
e informação divulgada causa tremores no prédio do grupo Abril e na pernas de
uma das cadeiras do Supremo.
Ou serão apenas suspeitas infundadas as informações
que apontam que as relações do ministro Gilmar Mendes com o senador Demóstenes
Torres (ex-Dem) vão além de uma saudável amizade, e os aproximam na penumbrosa
trama montada pelo crime organizado de Goiás?
O ministro Gilmar Mendes, pródigo em ocupar espaços
na mídia patronal, a quem não esconde sua condição de partido de oposição ao
governo Dilma, tem repetido inúmeras vezes que não possui um histórico de
mentiras. A partir de quando ele poderá incorporar esse legado em seu
curriculum vitae?
Na
eleição de 2010 ele atendeu um telefonema do candidato tucano José Serra
(sempre!) pedindo para interromper o julgamento de um recurso do PT contra a
obrigatoriedade de apresentação de dois documentos na hora de votar. O ministro atendeu o amigo. O senador
Álvaro Dias (PSDB/PR) não viu nenhuma interferência de poderes, muito menos
pediu uma CPI para investigar a pressão exercida sobre o STF. A Veja
silenciou. A única exceção foi um jornalista da Folha de S.Paulo que
registrou o momento do telefonema. Depois, tudo voltou à normalidade da dupla:
tanto Serra quanto Mendes negaram a existência do telefonema. Esse fato não
poderia contar para o curriculum mencionado?
Ao dar uma entrevista para o jornal Nacional da
rede Globo para explicar seu encontro com Lula, Gilmar Mendes estava tão
inseguro e nervoso que, num trecho de 3 minutos da entrevista, foram
detectados pela empresa Truter Brasil, que faz análises de arquivos de voz, 11
ocorrências de alto risco – alto risco é a maneira de dizer que a pessoa está
mentindo. Não deixa de ser um feito surpreendente para quem não tem um
histórico de mentira.
O
Ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes denunciaram, ainda no governo
Lula, que seus telefones foram grampeados pela Agencia Brasileira de
Inteligência (Abin), presidida pelo delegado Paulo Lacerda. Mendes usou o fato
para dizer que iria “chamar às falas” o presidente da República. O delegado
Lacerda perdeu o cargo na Abin. A Veja usou seus informantes privilegiados para
fazer mais uma das suas matérias sensacionalistas, sem nenhum compromisso com a
verdade e a ética jornalística.
Mais tarde, a investigação da Polícia Federal
comprovou que não houve nenhum grampo. Esse fato também não deve
entrar para o curriculum, uma vez que a mentira pode te sido dita pelo
Demóstenes e o Gilmar apenas a ouviu.
O ministro aproveitou a invencionice do grampo
telefônico para contratar um especialista em serviços de inteligência, um
personal araponga. Contratou o ex-agente da Abin, Jairo Martins, o que
prestava o mesmo tipo de serviços para Carlinhos Cachoeira e foi quem
gravou o vídeo da propina que originou a denúncia do mensalão. Hoje, esse
araponga está preso, juntamente com o Carlinhos Cachoeira e o sargento
aposentado da Aeronáutica Idalberto Matias, o Dadá – prisões que desfalcaram a
equipe de fontes e pauteiros das principais “reportagens” bombásticas da
revista Veja.
Agora, quando a lama da trinca
Cachoeira-Demóstenes-Veja se aproxima de sua cadeira, Gilmar Mendes busca a
sua defesa dizendo que há um ataque à instituição do STF. Seria o mesmo que
Demóstenes dizer que quem está sentando no banco dos réus na sua pessoa é o
Senado Federal.
Quem
atenta contra o STF é o próprio Gilmar Mendes
quando faz denúncias vazias e irresponsáveis, como ataque que fez ao presidente
da Venezuela, dizendo que Hugo Chávez “prende juiz”.
Já antes de assumir uma cadeira do STF, quando era
Advogado da União no governo de FHC – que nos legou esse ministro – Gilmar
Mendes recomendava aos agentes do Poder Executivo a não cumprir determinadas
ordens judiciais.
Como Advogado da União, quando sofria derrotas
judiciais, esse ex-presidente do STF não hesitava em afirmar que o sistema
judiciário brasileiro era um “manicômio judiciário”. Quem, sistematicamente,
atenta contra as instituições democráticas do país?
Profético
foi o artigo do jurista Dalmo Dallari, escrito em 2002 na Folha de S.Paulo: “Se
essa indicação [a de Gilmar Mendes] vier a ser aprovada pelo Senado, não há
exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no
Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.
Quinze
senadores votaram contra a indicação de Mendes para o STF. Mas prevaleceu o rolo compressor de FHC e
ele assumiu uma cadeira na Corte mais alta do sistema que ele considerava ser
um manicômio.
Até quando esse senhor continuará tripudiando das
instituições e atentando contra a democracia do país?
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