Sexta-Feira, 22 de Junho de 2012
Consumado o golpe: Senado destitui Lugo
Por Saul Leblon
Senado paraguaio concluiu nesta sexta-feira o enredo do golpe iniciado no dia anterior e aprovou, por 39 votos a favor e quatro contra, o impeachment do presidente da República, Fernando Lugo. De olho nas eleições de abril de 2013, a oligarquia, a Igreja e a mídia queriam a destituição do Presidente, cuja base de apoio é maior no interior, porém pouco organizada e pobre. A pressa evidenciada no rito sumário do impeachment, questionável até do ponto de vsta jurídico, tinha como objetivo justamente impedir a chegada de caravanas de camponeses a Assunção, onde o Parlamento estava cercado por pouco mais de dois mil manifestantes contrários ao golpe, mas protegido por número equivalente de policiais.
Lugo recebeu a notícia no Palácio de governo. Golpistas ignoraram a pressão internacional: dirigentes da Unasul advertiram pouco antes da votação que o organismo poderá não reconhecer um governo resultante da ruptura democrática agora consumada.
Lugo, um ex-bispo da linha progressista do catolicismo latinoamericano, foi eleito em 2008 pelos extratos mais pobres que formam cerca de 80% da população paraguaia. Ademais de um aparelho de Estado fraco, com receita fiscal inferior a 12% do PIB (35% no Brasil, cerca de 40% na Europa), insuficiente para reverter o estoque de iniquidades de sua base de apoio, Lugo bateu de frente com uma oligarquia poderosa, sedimentada nos 60 anos da ditadura militar que o antecedeu.
Sem orçamento, sua presidência foi marcada por conflitos sociais insolúveis, que o ex-bispo adepto da Teologia da Libertação não reprimia buscando associar as demandas a uma maior organização dos excluídos. Com a proximidade das eleições do próximo ano, a oliarquia paraguaia decidiu implodir esse arranjo e antecipar sua volta ao poder através de um atalho: o impeachment golpista.
O torniquete enfrentado por Lugo, infelizmente, não representa uma exceção no cenário da América Latina. Estado fraco, baixa receita fiscal, urgências sociais explosivas, insuficiente organização popular, elites intransigentes e mídia golpista formam um padrão histórico disseminado. Em versões com pequenos ajustes locais,repete-se na Bolívia, Guatemala, Honduras, Peru, El Salvador, Equador etc. Não por acaso, ao ser informado do andamento do golpe em marcha contra Lugo, Rafael Correa, Presidente do Equador (leia sua entrevista nesta pág) reagiu: "Se for bem sucedido abre um precedente perigoso".
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O Globo.com, 22/06/2012 - 18h31
Senado paraguaio aprova impeachment de Fernando Lugo
Flávio Freire, enviado especial com agências internacionais
Manifestantes a favor de Fernando Lugo realizam protesto em frente ao Congresso, onde há forte policiamento
Marcos Brindicci/Reuters
ASSUNÇÃO — O senado paraguaio aprovou na tarde desta sexta-feira o
impeachment do presidente Fernando Lugo, após um rápido processo
iniciado na quinta-feira na Câmara dos Deputados sob o argumento de que
ele não exerce sua função devidamente. Com 39 votos a favor e 4 contra
(2 ausências), Lugo foi destituído do cargo no Senado. Seu vice, o
liberal Federico Franco - que mantinha uma tensa relação com Lugo - deve
assumir a Presidência até agosto de 2013, segundo a Constituição local,
o que deve provocar uma mudança na orientação ideológica do governo. O
Congresso convocou uma sessão para empossar Franco, que já está na sede
do Senado.
- Espero que tenham noção da gravidade dos fatos. Acato a decisão do Congresso e estou disposto a responder por meus atos como ex-presidente. Que o direito de manifestar sua opinião não seja negado a nenhum cidadão paraguaio, mas que o sangue dos justos não se derrame nunca mais por causa de interesses mesquinhos no nosso pais. Depois de quase quatro anos na presidência, não me despeço como cidadão paraguaio. Este cidadão responde e continuará respondendo ao chamado dos compatriotas, incluindo dos mais humildes.
A votação demorou cerca de cinco minutos. Enquanto a maioria se limitava a indicar “condenação” ou “absolvição”, um dos quatro senadores a favor pela absolvição de Lugo, o ex-ministro do interior Rafael Filizzola foi enfático.
- Rejeito veementemente o circo que está sendo montado aqui. Um circo sem pé nem cabeça - disse.
Já há rumores de tiros e violência em frente ao Senado, onde muitos manifestantes se concentravam desde de manhã. A maioria deles recebeu com indignação e nervosismo a notícia da destituição do presidente e muitos se descontrolaram, invadindo a área de segurança. Agentes da Polícia Nacional lançaram bombas de gás lacrimogêneo e jatos d´água para dispersar os manifestantes.
A decisão foi tomada sem a presença de Lugo, que preferiu ficar na sede do governo em vez de ir ao Senado se defender durante duas horas - tarefa que foi desempenhada pelos seus advogados. Mais cedo, Lugo se disse vítima de um golpe de Estado e tentou recorrer do processo de impeachment. Ele argumenta que o julgamento é inconstitucional por causa da velocidade com que foi aprovado. Na Câmara, 76 deputados votaram a favor do impeachment e apenas um contra. Em uma tentativa de ganhar uma sobrevida, ele teria se reunido com os integrantes do Partido Colorado na manhã desta sexta-feira para negociar apoio.
Uma comissão da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) liderada pelo chanceler brasileiro Antônio Patriota foi até Assunção preocupada com o processo democrático paraguaio. Os chanceleres tentaram angariar apoio ao presidente no Senado e frear o julgamento relâmpago.
Os parlamentares paraguaios argumentam que a Constituição está sendo cumprida, por isso não se pode falar em golpe. A acusação de que Lugo não exerce devidamente sua função de presidente ganhou força após a morte de 17 pessoas durante uma operação de desocupação de uma área próxima à fronteira com o Brasil na semana passada. Ele é acusado ainda de nepotismo, má gestão das Forças Armadas e de ser brando no combate à violência.
Lugo sustenta que a motivação para o ataque é política, já que os setores mais conservadores da política paraguaia não ficaram satisfeitos com as mudanças promovidas em seu mandato, principalmente a inclusão social dos mais pobres.
Mesmo com a pressão interna, Lugo se recusou a pedir renúncia e pediu, sem sucesso, o direito de ter mais tempo de preparar sua apresentação de defesa no Senado.
Apesar da forte oposição política, Lugo ainda contou com apoio popular a partir do anúncio do impeachment. Paraguaios saíram de várias cidades em direção a Assunção para fortalecer o presidente. A maior parte dos partidários são camponeses e sem terras.
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