quinta-feira, 14 de junho de 2012

A crise, a corda e o pescoço

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Quinta-Feira, 14 de Junho de 2012


A crise, a corda e o pescoço

 
Por Saul Leblon



A palavra crise dissimula o violento conflito de interesses que redesenha a geografia e a posse da riqueza no processo de derrocada econômica que se esboça na zona do euro nesse momento. Não há faixa de neutralidade no trânsito nervoso do dinheiro que ela provoca. A chantagem dos mercados contra a soberania democrática do povo grego, por exemplo, já produziu a ruína vaticinada por quem sabe materializar suas profecias.

Fugas diárias de US$ 1 bilhão vem desidratando o sistema bancário do país, num cotejo cercado de pânico e ameaças para impedir a vitória da esquerda unida, a Syriza, nas urnas do próximo domingo. Quem não se lembra do que acontece no Brasil, no interregno que antecede o voto, quando uma candidatura progressista roça a porta do poder?
Tudo aquilo de que a mídia nativa é capaz nessas situações deve ser multiplicado agora pela tensão da desordem neoliberal. O produto expressa o peso das marteladas desferidas contra o discernimento de uma população ao mesmo tempo ansiosa e temerosa de assumir o comando do próprio destino.

A hemorragia cambial desidrata também a Espanha, fustiga a Itália e já se insinua em latitudes ao sul. Em maio a conta financeira do Brasil registrou a maior saída líquida de capitais desde a crise de 2008, US$ 5,4 bi; na Argentina, Cristina Kirchner faz o que a soberania recomenda nessas circunstâncias: impõe controles crescentes à saída de dólares, sob protestos das manchetes de sempre. Nenhuma delas tem a dignidade de arguir: quem ganha com a liberdade cambial que sanciona a fuga de capitais em meio a maior crise desde os anos 30? As taxas de juros pagas pelos governos de cada país são um bom indício da resposta.

O deslocamento em massa dos capitais em busca de qualidade e segurança, sanciona, de um lado, a extorsão rentista sobre Estados pobres e economias cambaleantes; de outro, permite que o núcleo central do capitalismo financie o gasto público a um custo negativo. Enquanto a Espanha só consegue captar a mercado pagando juros recordes de 6,8% ao ano, a Alemanha da inflexível Angela Merkel saboreia o bilhete premiado .

No final de maio, pela primeira vez na sua história, a Alemanha vendeu títulos da dívida a juro zero. Foram ofertados 4,5 bilhões de euros em papéis de dois anos rendendo irrisórios 0,07% ao ano ao investidor . A procura por segurança nas burras germânicas foi quase o dobro da oferta.

Da mesma forma,nos EUA, o Tesouro consegue financiar o déficit público mastodôntico de US$ 1,5 trilhão/ano -- feito de gastos militares, subsídios à banca e algum verniz social-- pagando taxas de 1,4% a.a (a inflação é da ordem de 2%). Há, portanto, cifras e circuitos que dão conforto a rigidez ortodoxa de frau Merkel, responsável pela ruína de muitas nações.

No sábado, por exemplo, a gerencia do euro aprovou um socorro 'generoso' à combalida Espanha. O volume do regalo, sintomaticamente, é idêntico ao total de capitais evadidos do país desde janeiro. Em termos líquidos, tudo se passa como se os mesmos US$ 150 bilhões que voaram para serem remunerados a taxas negativas nos centros do euro, saíssem de lá agora para fornecer oxigênio aos bancos espanhóis, a um custo de 4% ao ano, pagos pelo Estado; quer dizer, por toda sociedade, enforcada duas vezes pelo seu próprio dinheiro.

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