O Globo.com, 30/06/2012
Em 88% dos empregos, setor público paga mais
Diferença se repete em profissões como médico, professor e advogado
Antônio Gois
A
professora Maria do Carmo Alencar ganha R$ 900,00 na rede privada e R$
2844,00 na rede publica municipal de Jaboatão dos GuararapesO Globo / Hans von Manteuffel
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Advogados e juristas, por exemplo, que trabalham as mesmas 40 horas semanais ganham no governo ou no setor militar 121% a mais do que seus colegas de formação empregados com carteira assinada no setor privado: R$ 10.097 contra R$ 4.578, em média. Mesmo professores dos ensinos fundamental, médio e superior recebem mais quando não estão na iniciativa privada. No fundamental, os profissionais chegam a ganhar 11% a mais.
No Rio, os salários de funcionários do setor público também são maiores do que os dos trabalhadores da mesma ocupação no setor privado em 222 profissões, de um total de 267. Os médicos, por exemplo, ganham 8% a mais se estiverem trabalhando para o governo. Nessa conta, no entanto, não entram os profissionais que têm consultórios e tendem a ser melhor remunerados. Já os professores universitários recebem 21% a mais se não estiverem na iniciativa privada.
— O servidor público tem, em média, mais escolaridade do que o que está no setor privado e isso justifica em parte os salários maiores. Mesmo quando são levados em conta a escolaridade e o gênero, ainda assim, o servidor recebe, em média, 20% a mais do que quem está na iniciativa privada — diz Fernando Holanda Barbosa Filho, professor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), que acredita que como os servidores têm estabilidade, “uma espécie de seguro”, deveriam ganhar menos do que os que estão no setor privado, “que correm mais risco”:
— Pode-se dizer que o funcionalismo tem uma dupla vantagem: o salário mais alto e a estabilidade.
Rotatividade reduz ganho em empresas
Segundo Breno Braga, economista da Universidade de Michigan e autor do estudo Escolaridade e diferencial de rendimentos entre o setor público e o setor privado no Brasil, com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2005, “os funcionários públicos recebem rendimento 24% maior/por hora do que os setor privado”.
No entanto, Braga explica que “o diferencial de rendimentos médio por hora de trabalho no setor público decresce com o nível de escolaridade dos trabalhadores”:
— Esse diferencial é significativamente positivo para trabalhadores que têm o ensino superior incompleto. Para os que têm ensino superior completo o diferencial é pequeno, mas ainda favorável ao setor público. No entanto, o diferencial salarial se torna favorável ao setor privado quando os trabalhadores têm pós-graduação.
Também autor do artigo, Gustavo Gonzaga, do departamento de Economia da PUC-Rio, lembra que os mais escolarizados ganham mais no setor privado, provavelmente, por conta do teto do funcionalismo, que hoje é de R$ 26, 7 mil.
— Mas se olharmos a aposentadoria, esse desequilíbrio é corrigido. No setor privado, uma pessoa que ganha R$ 30 mil vai se aposentar recebendo o teto, que não chega a R$ 4 mil. No setor público, uma pessoa muito qualificada não recebe os mesmos R$ 30 mil, mas se aposenta com o salário integral. Então, se essa pessoa fica no serviço público é porque leva em conta o salário somado com a aposentadoria — diz Gonzaga, para quem a segurança que o funcionalismo tem também é um benefício: — Esse rendimento que a estabilidade traz nem tem como ser medido no emprego privado.
Levando em consideração benefícios previdenciários e FGTS, o estudo de Braga e Gonzaga aponta que “trabalhadores de todos os níveis de escolaridade recebem em média maiores rendimentos no setor público”. Os menos qualificados, aqueles “sem nenhuma escolaridade formal”, recebem em média 37% a mais do que os trabalhadores na rede privada.
— Durante a era FH, o ajuste fiscal foi feito muito em cima do funcionalismo e os salários foram achatados. No governo Lula, houve uma recomposição dos salários. Mas o fato de o funcionalismo ganhar mais não tem oscilado muito ao longo dos anos — diz Fernando Barbosa.
Para ele, a ação dos sindicatos também contribui para que os servidores tenham melhores salários:
— O enfraquecimento dos sindicatos é universal, mas no Brasil, ainda que fracos, eles atuam mais no setor público, pressionam e isso ajuda a elevar o rendimento.
Professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, Waldir José de Quadros lembra que os salários no setor público já são maiores no início da carreira:
— No setor privado, leva-se anos para ganhar R$ 20 mil e o trabalhador ainda pode ser trocado a qualquer momento. Agora, se a pessoa fizer concurso para a Polícia Federal, se for trabalhar no Banco Central ou no Judiciário, ela começa a carreira ganhando quase R$ 20 mil. No Brasil, neste momento, o setor privado não tem como competir com o público.
Quadros diz ainda que a alta rotatividade no setor privado contribui para que os salários sejam menores.
— Quando um profissional começa a ganhar mais, ele é demitido e o novo funcionário é contratado recebendo menos do que o anterior. É essa rotatividade que faz o funcionário público receber mais e o piso dele, em muitos casos, nem é um exagero. A questão é que o setor privado paga pouco, porque não consegue concorrer, por exemplo, com a produção chinesa, com a concorrência externa. Além disso, muitos empresários buscam uma margem de lucro exagerada e não podem criar déficit como o governo porque quebram — diz Quadros, que estuda o assunto há mais de 30 anos: — Nem sempre foi assim. Na década de 70, o setor privado pagava mais do que o setor público.
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