LUGO POR UM FIO: UNASUL ADVERTE GOLPISTAS
Advogados
do Presidente da República, Fernando Lugo, concluiram sua defesa no
Senado, que se recusa a adiar o processo sumário de votação do
impeachment, desencadeado na quinta- feira. De olho nas eleições de
2013, oligarquia, Igreja e mídia querem a destituição do Presidente, cuja base é pouco organizada e pobre.
Parlamento
está cercado por pouco mais de dois mil manifestantes contra o golpe;
Lugo se encontra no Palácio. Sua chance de sobrevivência no cargo
depende agora da pressão internacional: dirigentes da Unasul advertem
que a organização poderá não reconhecer um eventual governo resultante
da ruptura democrática em curso.
Jornal do Brasil,
22/06/2012
A crise no Paraguai e a estabilidade
continental
Por Mauro Santayana
Toda unanimidade é burra, dizia o filósofo nacional Nelson Rodrigues. Toda unanimidade é suspeita, recomenda a lucidez política. A unanimidade da Câmara dos Deputados do Paraguai, em promover o processo de impeachment contra o presidente Lugo, seria fenômeno político surpreendente, mas não preocupador se não estivesse relacionado com os últimos fatos no continente.
Na Argentina, a presidente Cristina Kirchner enfrenta uma greve de
caminhoneiros, em tudo por tudo semelhante à que, em 1973, iniciou o processo
que levaria o presidente Salvador Allende à morte e ao regime nauseabundo de
Augusto Pinochet. Hoje, todos nós sabemos de onde partiu o movimento. Não
partiu das estradas chilenas, mas das maquinações do Pentágono e da CIA. Uma
greve de caminhoneiros paralisa o país, leva à escassez de alimentos e de
combustíveis, enfim, ao caos e à anarquia. A História demonstra que as grandes
tragédias políticas e militares nascem da ação de provocadores.
O Paraguai, nesse momento, faz o papel do jabuti da fábula maranhense de
Vitorino Freire. Ele é um bicho sem garras e sem mobilidade das patas que o
faça um animal arbóreo. Não dispõe de unhas poderosas, como a preguiça, nem de
habilidades acrobáticas, como os macacos. Quando encontrarmos um quelônio na
forquilha é porque alguém o colocou ali. No caso, foram o latifúndio paraguaio
– não importa quem disparou as armas – e os interesses norte-americanos. Com o
golpe, os ianques pretendem puxar o Paraguai para a costa do Pacífico,
incluí-lo no arco que se fecha, de Washington a Santiago, sobre o Brasil.
Repete-se, no Paraguai, o que já conhecemos, com a aliança dos interesses
externos com o que de pior há no interior dos países que buscam a igualdade
social. Isso ocorreu em 1954, contra Vargas, e, dez anos depois, com o golpe
militar.
Não podemos, nem devemos, nos meter nos assuntos internos do Paraguai, mas não
podemos admitir que o que ali ocorra venha a perturbar os nossos atos
soberanos, entre eles os compromissos com o Mercosul e com a Unasul. Mais
ainda: em conseqüência de uma decisão estratégica equivocada do regime militar,
estamos unidos ao Paraguai pela Hidrelétrica de Itaipu. O lago e a usina, sendo
de propriedade binacional, se encontram sob uma soberania compartida, o que nos
autoriza e nos obriga a defender sua incolumidade e o seu funcionamento, com
todos os recursos de que dispusermos.
Esse é um aspecto do problema. O outro, tão grave quanto esse, é o da miséria,
naquele país e em outros, bem como em bolsões no próprio território brasileiro.
Lugo pode ter, e tem, todos os defeitos, mas foi eleito pela maioria do povo
paraguaio. Como costuma ocorrer na América Latina, o povo concentrou seu
interesse na eleição do presidente, enquanto as oligarquias cuidaram de
construir um parlamento reacionário. Assim, ele nunca dispôs de maioria no
Congresso, e não conseguiu realizar as reformas prometidas em campanha.
Lugo tem procurado, sem êxito, resolver os graves problemas da desigualdade, da
qual se nutriram líderes como Morínigo e ditadores como Stroessner. Por outro
lado, o parlamento está claramente alinhado aos Estados Unidos – de tal forma
que, até agora, não admitiu a entrada da Venezuela no Tratado do Mercosul.
O problema paraguaio é um teste político para a Unasul e o conjunto de nações
do continente. As primeiras manifestações – entre elas, a da OEA – são as de
que não devemos admitir golpes de estado em nossos países. Estamos, a duras
penas, construindo sistemas democráticos, de acordo com constituições
republicanas, e eleições livres e periódicas. Não podemos, mais uma vez,
interromper esse processo, a fim de satisfazer aos interesses geopolíticos dos
Estados Unidos, associados à ganância do sistema financeiro internacional e das
corporações multinacionais, sob a bandeira do neoliberalismo.
Os incidentes na fronteira do Paraguai com o Brasil, no choque entre a polícia
e os camponeses que ocupavam uma fazenda de um dos homens mais ricos do
Paraguai, Blas Riquelme, são o resultado da brutal desigualdade social naquele
país. Como outros privilegiados paraguaios, ele recebeu terras quase de graça,
durante o governo corrupto e ditatorial de Stroessner e de seus sucessores.
Entre os sem-terra paraguaios, que entraram na gleba, estavam antigos moradores
na área, que buscavam recuperar seus lotes. Muitos deles pertencem a famílias
que ali viviam há mais de cem anos, e foram desalojados depois da transferência
ilegítima da propriedade para o político liberal. E há, ainda, uma ardilosa
inversão da verdade. A ação policial contra os camponeses era e é, de interesse
dos oligarcas da oposição a Lugo, mas eles dela se servem para acusar o
presidente de responsável direto pelos incidentes e iniciar o processo de
impeachment. É o cinismo dos tartufos, semelhante ao dos moralistas do
Congresso Brasileiro, de que é caso exemplar um senador de Goiás.
Quando encerrávamos estas notas, a comissão de chanceleres da Unasul, chefiada
pelo brasileiro Antonio Patriota, estava embarcando para Assunção, a fim de
acompanhar os fatos. Notícias do Paraguai davam conta de que os chanceleres não
serão bem recebidos pelos que armaram o golpe parlamentar contra Lugo, e que se
apressam para tornar o fato consumado – enquanto colunas do povo afluem do
interior para Assunção, a fim de defender o que resta do mandato de Lugo.
Tudo pode acontecer no Paraguai – e o que ali ocorrer nos afeta; obriga-nos a
tomar todas as providências necessárias, a fim de preservar a nossa soberania,
e assegurar o respeito à democracia republicana no continente.
O Paraguai e a legalização de um golpe
Gilberto Maringoni
O Paraguai vive um golpe de Estado com coreografia legal, de acordo com o líder camponês Ramón Molina. A Câmara dos Deputados aprovou a abertura do processo de impedimento do presidente da República, Fernando Lugo, em rito sumário no final da manhã desta quinta-feira (21). No início da tarde o roteiro adentrava o Senado. Os prazos são curtíssimos. A acusação está sendo feita nesta noite e a defesa deve acontecer na sexta (22). A decisão final – se nenhum fato novo ocorrer – pode ser aprovada no sábado (23).
A depender dos votos parlamentares, Lugo é carta fora do baralho. A votação na Câmara foi de 73 votos contra o governo e um a favor. A maioria dos 45 senadores – mesmo os do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), da coligação governista – quer abreviar o mandato do chefe do Executivo.
O conflito entre os representantes parlamentares da elite local e o mandatário arrasta-se há pelo menos três anos. Na raiz de tudo está a resistência de Lugo em reprimir abertamente movimentos de camponeses sem terra que se enfrentam com grandes proprietários, entre eles vários brasileiros.
Até o início da noite de quinta não havia tanques nas ruas ou violência aberta. Há – segundo ativistas locais que conversaram com Carta Maior – uma crescente resistência popular. É a grande esperança dos partidários de Lugo para manter a normalidade democrática.
A seguir apresentamos os depoimentos de Najib Amado, secretário-geral do Partido Comunista Paraguaio, Ramón Molina, líder camponês e dirigente do Partido Popular da Convergência Socialista e Martin Almada, ativista de direitos humanos.
Najib Amado
(Secretário-geral do Partido Comunista Paraguaio)
“O processo de impeachment foi aprovado de forma acelerada. Isso deixa claro que se trata de um golpe de Estado. Há muita gente chegando do interior para resistir. O governo tem apoio nos setores populares. O golpe não representa nem mesmo a base social dos partidos de direita. Já estão em Assunção representantes do Foro de São Paulo (articulação de partidos de esquerda da América Latina) e logo mais chegam os ministros das Relações Exteriores da Unasul (Brasil, Equador, Bolívia, Colômbia e Uruguai). Os meios de comunicação fazem coro com os golpistas. Ao longo das últimas semanas difundiram notícias alarmistas e deram voz apenas aos parlamentares que tentam derrubar o presidente. Até agora, pelo menos oficialmente, as forças armadas não se pronunciaram. A polícia montou um aparato de segurança em torno do Congresso, mas não há violência nas ruas”.
Ramón Molina
(Secretário do Partido Popular Convergência Socialista e dirigente camponês)
“Estamos diante de um golpe de Estado patrocinado pelos grandes proprietários de terra do país. Mas começa a haver protestos em todo o país. No final da tarde já havia cerca de duas mil pessoas em frente ao Congresso, que está fortemente policiado. É uma mobilização pacífica. O presidente está no palácio, com seus auxiliares, avaliando a situação. Uma garantia ele já deu: não renunciará. Faltam dez meses para o final do mandato. Nossa maior esperança é conseguirmos aumentar a mobilização popular, isolar os golpistas internacionalmente e mostrarmos que se pretende interromper um processo iniciado com a eleição de Fernando Lugo, em 2008”.
Martin Almada
(Ativista de direitos humanos)
“O Paraguai vive um golpe de Estado de direita. O processo foi aprovado na Câmara dos Deputados e chegou ao Senado de forma acelerada. O senador colorado Juán Carlos Galaverna, de oposição, pressiona para apressar os fatos. A intenção é clara: evitar que camponeses ou defensores do governo resistam ao golpe. As traições à Aliança Patriótica (frente que elegeu Lugo em 2008) são escandalosas. Carlos Filizzolla, ex-ministro do Interior (que caiu após os conflitos de terra da semana passada), acaba de se reintegrar ao Senado e fez uma firme defesa do governo. O tempo regulamentar até a decisão é, agora, de dois dias. Trata-se de uma grande jogada do vice-presidente Frederico Franco (do PLRA) para ficar com o poder”.
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