sábado, 16 de junho de 2012

Alberto Sordi e a mídia nativa

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CartaCapital, Ed. 702

Alberto Sordi e a mídia nativa

Por Mino Carta
 

Alberto Sordi (Roma, 15.junho.1920 — Roma, 24.fevereiro.2003)

Lembrei-me de um filme de Alberto Sordi, tempos de comédia à italiana. Não recordo o título, mas de uma sequência a seu modo antológica. A mulher sai de viagem e o marido, Sordi, decide convocar a amante em domicílio. Golpe de cena. A dona da casa antecipa o retorno sem pré-aviso e encontra os dois na cama que supunha ser da sua frequentação exclusiva.
Tragédia? Os gritos da legítima chegam ao céu enquanto Sordi e a clandestina, impassíveis, erguem-se do tálamo e com extrema precisão nos gestos, e sem apressar o ritmo, retomam seus trajes e os envergam um a um. Enfim vestida, a amante sai do quarto de passo altaneiro. A esposa traída continua aos berros e Sordi pergunta, pacato: “Mas que aconteceu?” “Sem-vergonha – uiva a mulher –, você ousa trazer a amante para a nossa casa.” “Mas que amante? Nunca tive amante…” “Estava com você, na cama, seu desgraçado!” “Quem? Como? Cadê a senhora em questão? Ora, este quarto está exatamente como você o deixou. Você inventa, sofre de miragens, sonha de olhos abertos, deve estar doente…”
Veio a lembrança por causa da semelhança entre o comportamento de Sordi e aquele da mídia nativa, a despeito de uma diferença flagrante: o ator suscita a risada, mas a personagem é obviamente paradoxal, a mídia nativa atua no mundo real e não faz rir. Além disso, não se parecem a plateia verde-amarela e a mulher traída. Quem pretende saber das coisas exclusivamente por meio dos jornalões, do Jornal Nacional e emissoras de rádio e tevê assemelhadas, não terá motivo algum para protestar, acreditará nas verdades do jornalismo pátrio.
Sordi interpreta uma ficção farsesca. Já uma fatia de brasileiros vive uma farsa sem dar-se conta, presa da convicção da mídia de que tudo quanto não noticia simplesmente não aconteceu. E isto sim deixa de ser farsa para ganhar foros no mínimo de drama. Leio que mídia e diversão movimentaram no Brasil 1,6 trilhão de dólares no ano passado, o que, nesta classificação, coloca o País em nono lugar no mundo. O número impressiona. Induz, porém, a uma consideração inescapável: parte deste rio de dinheiro não é gasto para o bem da Nação.
Ocorre-me um exemplo recente, vamos intitulá-lo “O incrível Caso Gilmar Mendes”. Há três semanas as gravíssimas acusações dirigidas pelo ministro do Supremo contra o ex-presidente Lula tomaram conta do noticiário e contaram com manchetes retumbantes. Tratava-se, segundo a mídia nativa, de um dos maiores escândalos da história da República desde que à palavra de Mendes foi dado crédito absoluto antes mesmo de uma apuração superficial. O acusador, rapidamente, soçobrou em suas próprias contradições e sobre o naufrágio o silêncio se fechou para relegar ao esquecimento uma crise que, de acordo com a profecia midiática, haveria de comprometer o futuro do governo e do País. Se quiserem os críticos mais olímpicos, “O incrível Caso Gilmar Mendes” comprova apenas que nenhuma bala é perdida.
A suspeição de Gilmar Mendes no julgamento do chamado mensalão é evidente até na percepção do mundo mineral. Caluda, no entanto, e não se fale mais nisso. Assunto enterrado, e não é como a cabeça do avestruz, mesmo porque a minoria privilegiada cai alegremente no engodo sem atentar para o engano. Agora, observem. Na edição da semana passada de CartaCapital o repórter Leandro Fortes revela algumas grandes mazelas do professor Gilmar, contraventor como sócio de um instituto de ensino na qualidade de magistrado e acusado de falcatruas por outro que lhe seguiu as pegadas (Vide anexos (Ivan)). A questão é séria e formulada com a devida solidez. Em outro país democrático e civilizado, e em circunstâncias análogas, a mídia iria atrás. Repercutiria, como se diz. Aqui, silêncio abissal.
Eis um trivial, como arroz e feijão. Disse, e me arrependo, infelizmente o arroz e o feijão já eram, soou a hora sinistra das fritas com ketchup e dos Big Macs. Eis o clássico atual que se presta à comparação. A mídia nativa só oferece eco imediato às denúncias de quem pensa igual, independentemente da consistência da denúncia. Assim há de ser, a demonstrar que o fato não se deu se não for noticiado pelos eleitos. Donde, omissão absoluta em relação à reportagem de Leandro Fortes.
Única exceção a coluna de Elio Gaspari, e mesmo assim sem citar CartaCapital. Consta que tal é o estilo do colunista, falar de quem escreve e não de quem publica. Talvez ele se inspire em sua própria situação, a de quem cabe nas páginas de órgãos diversos, embora todos alinhados do lado dos inquisidores da reação. Declinar o nome de quem publica é, contudo, importante. Eu me pergunto se a reportagem de Leandro Fortes acharia espaço, por exemplo, na Veja, ou em O Globo.

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