Jornal do Brasil, 03/04/2012
DEMóstenes corre o risco de ser expulso pelo próprio povo
Jornal do Brasil
O DEM, na história política moderna, já teve três políticos que abandonaram o partido por comportamento aético: José Roberto Arruda, Antônio Carlos Magalhães e, agora, DEMóstenes Torres.
Em 2001, o então senador ACM se viu envolvido no escândalo da violação do painel do Senado e acabou renunciando ao mandato; em 2009, Arruda, então governador do Distrito Federal, enfrentou acusações de envolvimento com corrupção e acabou se desfiliando. Agora é a vez de DEMóstenes Torres enfrentar acusações de envolvimento em práticas ilícitas, flagrado em gravações telefônicas com Carlinhos Cachoeira, preso sob a acusação de comandar esquema de jogo ilegal.
Nesta terça-feira, DEMóstenes oficializou sua desfiliação do DEM. Tal ato pode ser encarado como um reconhecimento tácito de que realmente cometeu algum ilícito grave.
Agora, especulações dão conta de que ele estaria a caminho do PMDB. Vale lembrar que, nas gravações flagradas, Carlinhos Cachoeira pedia ajuda a Demóstenes para empresário que teria laços com este partido - Fernando Cavendish, da Delta.
Resta saber se Jarbas Vasconcelos, Eduardo Braga e Pedro Simon concordariam com o ingresso de Demóstenes no PMDB.
Mas apenas deixar o partido é o mesmo que mudar de roupa sem tomar banho. Ficar no limbo é mostrar que não está limpo. Se DEMóstenes acha que está maculando seu partido por causa dos escândalos em que se vê supostamente envolvido, certamente também acha que outro partido não o aceitará. Neste caso, o único caminho digno seria a renúncia ao mandato.
Se deixa o partido, é porque cometeu algum crime; se reconhece que cometeu algum crime, tem que renunciar.
Pior que ser um trêfego partidário é mentir para seu eleitor. E quem ele quer enganar é o eleitor.
Em outras palavras, quer manobrar para salvar seu belo salário nos três anos que resta de seu mandato.
Mais correto seria se licenciar no Congresso até que as investigações fossem concluídas. Se não tiver culpa, voltará para cumprir seu mandato com toda a dignidade.
Mas, se mantiver esta postura, corre o risco de, nas próximas eleições, ser expulso pelo próprio povo.
O caso Demóstenes Torres e as raposas no galinheiro
Maria Inês Nassif
O rumoroso caso Demóstenes Torres (DEM-GO) não é apenas mais um caso de corrupção denunciado pelo Ministério Público. É uma chance única de reavaliar o que foi a política brasileira na última década, e de como ela – venal, hipócrita e manipuladora – foi viabilizada por um estilo de cobertura política irresponsável, manipuladora e, em alguns casos, venal. E hipócrita também.
Teoricamente, todos os jornais e jornalistas sabiam quem foram os arautos da moralidade por eles eleitos nos últimos anos: representantes da política tradicional, que fizeram suas carreiras políticas à base de dominação da política local, que ocuparam cargos de governos passados sem nenhuma honra, que construíram seus impérios políticos e suas riquezas pessoais com favores de Estado, que estabeleceram relações profícuas e férteis com setores do empresariado com interesses diretos em assuntos de governo.
Foram políticos com esse perfil os escolhidos pelos meios de comunicação para vigiar a lisura de governos. Botaram raposas no galinheiro.
Nesse período, algumas denúncias eram verdadeiras, outras, não. Mas os mecanismos de produção de sensos comuns foram acionados independentemente da realidade dos fatos. Demóstenes Torres, o amigo íntimo do bicheiro, tornou-se autoridade máxima em assuntos éticos. Produziu os escândalos que quis, divulgou-os com estardalhaço. Sem ir muito longe, basta lembrar a “denúncia” de grampo supostamente feita pelo Poder Executivo no gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, então presidente da mais alta Corte do país. Era inverossímil: jamais alguém ouviu a escuta supostamente feita de uma conversa telefônica entre Demóstenes, o amigo do bicheiro, e Mendes, o amigo de Demóstenes.
Os meios de comunicação receberam a suposta transcrição de um grampo, onde Demóstenes elogia o amigo Mendes, e Mendes elogia o amigo Demóstenes, e ambos se auto-elegem os guardiões da moralidade contra um governo ditatorial e corrupto. Contando a história depois de tanto tempo, e depois de tantos escândalos Demóstenes correndo por baixo da ponte, parece piada. Mas os meios de comunicação engoliram a estória sem precisar de água. O show midiático produzido em torno do episódio transformou uma ridícula encenação em verdade.
A estratégia do show midiático é conhecida desde os primórdios da imprensa. Joga-se uma notícia de forma sensacionalista (já dizia isso Antonio Gramsci, no início do século passado, atribuindo essa prática a uma “imprensa marrom”), que é alimentada durante o período seguinte com novos pequenos fatos que não dizem nada, mas tornam-se um show à parte; são escolhidos personagens e lhes é conferida a credibilidade de oráculos, e cada frase de um deles é apresentada como prova da venalidade alheia. No final de uma explosão de pânico como essa, o consumo de uma tapioca torna-se crime contra o Estado, e é colocado no mesmo nível do que uma licitação fraudulenta. A mentira torna-se verdade pela repetição. E a verdade é o segredo que Demóstenes – aquele que decide, com seus amigos, quem vai ser o alvo da vez – não revela.
Convenha-se que, nos últimos anos, no mínimo ficou confusa a medida de gravidade dos fatos; no outro limite, tornou-se duvidosa a veracidade das denúncias. A participação da mídia na construção e destruição de reputações foi imensa. Demóstenes não seria Demóstenes se não tivesse tanto espaço para divulgação de suas armações. Os jornais, tevês e revistas não teriam construído um Demóstenes se não tivessem caído em todas as armadilhas construídas por ele para destruir inimigos, favorecer amigos ou chantagear governos. Os interesses econômicos e ideológicos da mídia construíram relações de cumplicidade onde a última coisa que contou foi a verdade.
Ao final dos fatos, constata-se, ao longo de um mandato de oito anos, mais um ano do segundo mandato, uma sólida relação entre Demóstenes e a mídia que, com ou sem consciência dos profissionais de imprensa, conseguiu curvar um país inteiro aos interesses de uma quadrilha sediada em Goiás.
Interesses da máfia dos jogos transitaram por esse esquema de poder. E os interesses abarcavam os mais variados negócios que se possa fazer com governos, parlamentos e Justiça: aprovação de leis, regras de licitação, empregos públicos, acompanhamento de ações no Judiciário. Por conta de um interesse político da grande mídia, o Brasil tornou-se refém de Demóstenes, do bicheiro e dos amigos de ambos no poder.
Não foi a mídia que desmascarou Demóstenes: a investigação sobre ele acontece há um bom tempo no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Nesse meio tempo, os meios de comunicação foram reféns de um desconhecido personagem de Goiás, que se tornou em pouco tempo o porta-voz da moralidade. A criatura depõe contra seus criadores.
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