Jornal do Brasil, 17/04/2012
A ética e a retidão
Por Mauro Santayana
Talvez
nos conviesse, ao tratar da corrupção política, substituir o vocábulo
“ética” por substantivos mais singelos, como retidão e correção. Ética é conceito filosófico profundo, de definição difícil, e que se desgastou no abuso de seu emprego. É uma idéia que está acima do exame dos escândalos
atuais, que não merecem nem mesmo serem qualificados como aéticos.
Apelar para a ética, nesses casos, é como usar uma balança de ouro para
pesar cascalho sujo. Em lugar de recorrer à ética, tratemos apenas do Código Penal.
Em todos os tempos humanos – esta é a âncora recorrente – houve peculatários. E em todos os tempos humanos eles foram combatidos, mesmo quando os larápios se encontravam à frente dos estados. As sublevações populares, quaisquer fossem suas bandeiras, sempre se fizeram contra os usurpadores do bem público.
Em todos os tempos houve – de acordo com os historiadores – organizações criminosas, de quadrilhas de salteadores de estradas a ocupantes do poder nacional. Daí a famosa comparação de Santo Agostinho: a diferença entre os grupos de bandidos organizados e os estados é o exercício da justiça. No estado em que não prevalece a justiça, os governantes não diferem dos bandidos. No interior dos estados, como no interior de qualquer comunidade, as duas realidades – a busca da justiça e a ação criminosa – coexistem e se combatem. Até mesmo no interior das famílias há os que procedem corretamente e os pérfidos.
O povo brasileiro tem sido submetido, mais do que outros povos, ao assalto quase continuado aos bens comuns. E o maior dano é o causado à sua dignidade. A dignidade ou, em termos mais simples, a vergonha, é um atributo das pessoas honradas, como lembra Lupicínio Rodrigues em sua composição mais conhecida, em que a vingança contra o opróbrio é recomendada. Cidadãos de paises que não se destacam pela retidão de seus homens públicos – como é o caso da Itália e da Espanha, entre outros – se esbaldam em comentar as notícias do Brasil, por meio da rede internacional de computadores: lá os ladrões são levados aos tribunais; aqui costumam escafeder-se pelos corredores dos entraves processuais.
Talvez Agostinho tenha razão, se pensarmos no que foi a política de privatizações do governo soi-disant social-democrata, que nos infelicitou entre 1995 e 2003. Podem dar-nos todas as explicações técnicas e econômicas, dentro da famosa “ética do capitalismo”, para justificar a entrega das empresas estatais ao setor privado, mas não houve nada de honrado nessa decisão. Ao contrário: a privatização só privilegiou alguns empresários, brasileiros e estrangeiros, além de fazer, de alguns gestores do processo, homens subitamente beneficiados por posições destacadas e altamente remuneradas nas organizações compradoras e nas organizações financeiras que com elas se associaram.
Há, como em todas as outras organizações criminosas, os que agem com cautela jurídica e os lambões. Essa construtora envolvida, se nos ativermos a uma conversação telefônica entre seu presidente e o Sr. Carlos Cachoeira, não soube como operar no sofisticado sistema. Tampouco souberam precaver-se o senador Torres e o vitorioso empresário tentacular Carlos Cachoeira. Foram, além de tudo, lambões, ao se envolverem com personagens vulgares do millieu, como o araponga Dadá.
A vulnerabilidade de Brasília à ação dos corruptores nos leva a uma constatação constrangedora: a autonomia da capital da República foi a mais infeliz das decisões constitucionais de 1988. A esse erro, que violou criminosamente o pacto federativo de 1891, somaram-se outros, como os cometidos pelo açodado afã “modernizador” do demagogo e moralista de fachada Fernando Collor, ao alienar as residências funcionais da capital da República. Até então, os servidores de Brasília eram recrutados em todo o país, e servir ao poder central constituía uma vitória do mérito. Sem essa modesta vantagem – a garantia de moradia por um aluguel moderado – a transferência para o planalto central perdeu seu grande atrativo.
A administração pública, tanto da União, quanto do Distrito Federal, se viu obrigada a recrutar quem se apresentasse. Os cargos comissionados foram, de modo geral, preenchidos pelos atores políticos, que atendiam e atendem à pressão de seus eleitores. Por outro lado, o achatamento dos vencimentos dos servidores – a não ser em carreiras privilegiadas – afasta os mais bem dotados para as atividades privadas, de remuneração muito mais atraente.
Antes de 1988, Brasília era administrada diretamente pelo poder central, mas seus prefeitos (aquinhoados pelo governo militar com o título de governadores) tinham que ser aprovados pelo Senado – em nome de toda a Federação – e estavam submetidos ao controle de um comitê especial da mesma casa legislativa. Com a autonomia, Brasília passou a ser um estado como os outros – sujeito à pressão de suas oligarquias. E como a população, em sua maioria, é pressionada pela miséria, tende a votar com a emoção, seguindo os demagogos de turno. Por isso, a câmara de vereadores, que se denomina distrital, mas tem a arrogância de votar como se fosse o plenário das Nações Unidas, é dominada por homens como os que foram filmados pelo ex-delegado de polícia Durval Barbosa, ao receber dinheiro vivo de suas próprias mãos, a fim de votar de acordo com os interesses do governador de Brasília de então.
E há outros inconvenientes. Quando a Comissão Arinos discutia a questão da autonomia, no anteprojeto de Constituição que elaborava, Hélio Jaguaribe lembrou outra grave inconveniência da medida. Argumentou que, no caso em que o governador local fosse inimigo do Presidente da República, seria fácil colocar caminhões fétidos de lixo na praça dos Três Poderes, quando o Brasil estivesse recebendo a visita de um chefe de estado estrangeiro, para a desmoralização nacional diante do mundo. Isso sem falar no esbulho dos outros estados da federação, que perderam, de fato, a soberania sobre a sua capital.
A solução radical terá de ser emenda constitucional, imediata, que devolva a administração política do Distrito Federal ao governo da República, como era antes de 1988, e já a partir de 2015, quando termina o atual mandato, antes que a situação se perpetue. Essa medida radical irá romper aqueles esquemas conhecidos de desvio de recursos públicos. Não é certo que isso venha a acabar com a corrupção, mas certamente reduzirá a sua audácia e os seus efeitos.
17.abril
Apr
Apr
A água velha das fontes contaminadas
Por Fernando Brito
Há
um ano na Veja, a "manchete" de ontem do Jornal Nacional. A mesma
história, o mesmo objetivo: usar José Dirceu para atingir o alvo: Lula
A “reportagem” de ontem do Jornal Nacional e manchete em vários jornais, curiosamente, já tinha sido matéria publicada há um ano. Aliás, pela Veja.
Inclusive,
com a transcrição literal do áudio levado ao ar pelo JN, onde o
empresário Fernando Cavendish fala, jocosamente, sobre a corrupção dos
políticos – aliás, grande novidade… – pelas empreiteiras.
O Jornal Nacional usa, porém, como fonte o blog do jornalista Mino Pedrosa, ex-assessor de Carlinhos Cachoeira.
Pedrosa foi acusado, na CPI da Assembleia do Rio de Janeiro (veja o documento, página 238) sobre o caso Waldomiro Diniz, de praticar extorsão contra o ex-diretor de loterias, em nome de Carlinhos Cachoeira.
Mais um fato: a fita é descrita como tendo sido gravada em uma reunião com diretores da empresa.
Portanto, não faz parte dos grampos telefônicos legais produzidos na Operação Monte Carlo.
Quem e com que fim se fez esta gravação, então?
A
narrativa sobre as cisrcusntâncias da gravação sugere que possa ter
sido Carlos Pacheco, o homem de Cachoeira nas gravações da PF.
Para que, para chantagear o empresário, como parece evidente? Quais são os crimes que ele tem escondidos?
Cavendish,
certamente, é um que tem muitas explicações a dar na CPI, mas não as
dará se persistirem os movimentos para criar empecilhos à instalação da
investigação.
Porque foi esta a finalidade de se buscar água velha em fontes tão contaminadas.
A Globo não é de achar algo num blog e levar para o JN.
O objetivo, claro, foi o de dizer: devagar com a CPI.
Usando, como se diz no jargão jornalístico, um “gancho” para envolver o ex-ministro José Dirceu na história.
Porque Dirceu, assumiu de público, há um ano atrás, que prestou consultoria para a Delta, mum trabalho de quatro meses, pelo qual foram cobrados R$ 20 mil.
Era preciso, fosse lá como fosse, empurrar Dirceu – e portanto a Lula – para este escândalo novo.
Era, esta água servida, a forma de colocar José Dirceu no palanque eletrônico da Globo, e desviar as atenções para o período Lula.
É isso o que se busca. Esta é uma história exibida com sinais contrários.
Denunciam-se pressões sobre o STF para pressionar o STF.
Fala-se em corrupção para encobrir corruptos.
Diz-se
que a esquerda tem medo da CPI para ocultar o medo de que se exponha à
luz os esquemas espúrios pelos quais a direita fabrica escândalos.
A resposta a isso só pode ser uma: abra-se tudo, investigue-se tudo, sem seletividade ou dirigismo.
A resposta a isso só pode ser uma: abra-se tudo, investigue-se tudo, sem seletividade ou dirigismo.
Quem estiver devendo, que pague, seja oposição, empresário ou governista.
Mas não vamos deixar que nos vendam peixe velho como novo.
Até porque fede.
Levará Cerra a Madre Superiora aos mineiros do Chile ?
STF recorre ao PiG para julgar Dirceu, Lula e Dilma
Publicado em 17/04/2012
Saiu na pág. A8 da Folha entrevista com o Ministro Cezar Peluso, aquele que, felizmente, revelou ao país a Heroína Baiana, Eliana Calmon.
Peluso quer julgar o Dirceu (logo, o Lula e a Dilma), já !
Bem que o Merval tinha razão: é preciso julgar o Dirceu, o Lula e a Dilma antes de o Peluso se aposentar.
Ou seja, antes de junho.
Na seção Ilustrada – que não tem ilustres nem ilustrações – mas uma colonista de fácil acesso a advogados, ouve o Ministro Marco Aurélio (Color de) Mello.
É uma exibição de arrogância:
Peluso quer julgar o Dirceu (logo, o Lula e a Dilma), já !
Bem que o Merval tinha razão: é preciso julgar o Dirceu, o Lula e a Dilma antes de o Peluso se aposentar.
Ou seja, antes de junho.
Na seção Ilustrada – que não tem ilustres nem ilustrações – mas uma colonista de fácil acesso a advogados, ouve o Ministro Marco Aurélio (Color de) Mello.
É uma exibição de arrogância:
… o ministro Marco Aurélio Mello diz que é “terminantemente contra” a convocação da corte em julho apenas para apressar o andamento do processo, como defendem alguns de seus colegas. “Entre as coisas extravagantes que tenho visto, esta é a maior de todas”, diz ele.
Mello
diz que o mensalão “é um processo como outros 700 que temos que
apreciar. Por que pinçar este para julgar a toque de caixa?”. Ele diz
que o STF não deve “ceder à turba, que quer justiçamento, e muito menos à
pressão política”, que tenta adiar o julgamento.
Neste
sentido, ele refuta os argumentos que atrasariam o caso. Entre eles, o
de que o mensalão não deve ser julgado no segundo semestre, no meio das
eleições. “E eu com isso? … “
Na Argentina, Néstor Kirchner demitiu do Supremo os nomeados por Fernando Henrique e Collor.
E a mulher dele reestatizou a Repsol.
E ainda tem o Messi.
Que inveja da Argentina !
Em tempo: quem recomendou ao Lula nomear o Peluso ? Talvez a colonista da Folha saiba.
Paulo Henrique Amorim
Jornal do Brasil, 16/04/2012
Não há por que temer a CPI
Por Mauro Santayana
Nos
meios políticos há o temor de que a investigação do Congresso sobre a
Operação Montecarlo, desfechada pela Polícia Federal, sobre as relações
do homem de múltiplos negócios de Goiás, conhecido como Carlos
Cachoeira, com parlamentares, membros do poder executivo de Goiás e do
Distrito Federal, venha a ampliar-se. Há informações de que pode surgir o
envolvimento de outras personalidades e de outros partidos políticos,
em outras unidades da federação. A rede de influência do empresário de Goiás parece ser mais ampla do que a de Al Capone.
O comportamento da presidenta da República inquieta alguns observadores. Uma investigação desse porte costuma assustar os chefes de governo, mais ainda em ano eleitoral. Tancredo Neves comparava esses inquéritos do parlamento à retirada de caranguejos dos jequis de pesca: eles sempre saem agarrados uns aos outros. Sendo assim, mesmo que não temam a apuração das denúncias, os chefes de governo, em todas as esferas do Estado, buscam impedir essas comissões de inquérito, pela turbulência que sempre causam. Pois bem, até agora, a presidenta da República não tomou qualquer iniciativa para dificultar as investigações, nem para incitá-las.
Uma visão mais republicana de sua atitude favorece-a: o poder executivo não deve imiscuir-se nos assuntos interna corporis do Parlamento. Uma visão mais particular, sabendo-se de seus atos anteriores, pode identificar o desejo de depurar o governo e o Estado, pelo menos durante o seu mandato, dos corruptos e corruptores. Ao esquivar-se de qualquer iniciativa no caso, ela preserva sua autoridade, principalmente em ano de eleições municipais.
É, mais do que possível, provável, que os temores se venham a justificar: nas teias do ativo empreendedor de Goiás, pelo que se sabe até o momento, há gente de toda espécie – de policiais a espiões particulares; de empresários de alta estirpe a meros assessores, além de jornalistas.
Será difícil emperrar a CPI, com adiamentos ou com manobras, como tem ocorrido a outras, em tempos recentes. Há algum tempo lembrávamos, neste mesmo espaço, o reaparecimento de uma instituição que parecia afastada da História, nestes anos de neoliberalismo: a cidadania. Ainda que os ensaios de mobilização não tenham levado às conseqüências radicais, os cidadãos começam a mover-se, a ocupar as ruas do mundo, a clamar por justiça. E é o que pode vir a ocorrer entre nós. É hora de identificar os homens públicos realmente honrados e os que posam de honrados, como os fariseus do Evangelho.
Se há órgãos de imprensa mancomunados com o corruptor goiano, que sejam conhecidos. Nesse caso, mais do que o rigor da lei, se a lei lhes puder ser aplicada, pesará o juízo da opinião pública. À imprensa cabe, nas democracias, a desagradável tarefa de fiscalizar as instituições políticas, a serviço da cidadania. Será muito grave se se descobrir que esse ou aquele jornalista tenha agido como o Senador Demóstenes Torres parece ter atuado: em público, ao posar Catão usticense; nas sombras, recebendo ordens, como obediente assalariado do contraventor goiano.
Tratemos de outra consternação diante da atualidade. O Sr. Murillo Portugal – um desses tecnocratas que trabalhavam para o Estado e depois atravessaram a rua para servir ao outro lado – foi emissário das queixas dos banqueiros ao governo. Os bancos se recusam a baixar a diferença entre as taxas de captação e as dos empréstimos que cobram dos seus devedores – das mais altas do mundo – sem que recebam compensações. Os cinqüenta bilhões de lucros obtidos – com inadimplência ou sem ela – lhes parecem pouco. Assim, ainda pedem isenções de tributos – e cobram 300 milhões de reais da Receita pelo recolhimento de impostos em suas caixas eletrônicas. Se continuarem assim, é provável que a estatização dos bancos se faça de maneira suave: seus clientes acabarão preferindo o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Demóstenes continua a editar a Veja
- Publicado em 14/04/2012
Pig na mira da CPI
O Conversa Afiada reproduz comentário do amigo navegante Lenilton:
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