Jornal do Brasil, 10/04/2012
Conversações na Casa Branca
Por Mauro Santayana
A
primeira referência séria de um líder norte-americano sobre o Brasil
foi de Thomas Jefferson. Em maio de 1787 – quando era embaixador em
Paris, dois anos antes da reunião dos Estados Gerais e da descoberta da
conspiração de Vila Rica – Jefferson se encontrou, em Nimes, no sul da
França, com José Joaquim da Maia, que lhe falou sobre a possível
independência do Brasil e das relações que poderiam estabelecer-se entre
as duas nações, que ocupavam posição predominante no sul e no norte do
hemisfério ocidental.
Jefferson enviou seu relatório, bem divulgado pelos historiadores brasileiros, ao futuro Secretário de Estado, John Jay. O documento não tratava somente do Brasil, mas, também, do México e do Peru. No caso brasileiro, além de relatar o que lhe dissera José Joaquim da Maia sobre as riquezas brasileiras, a situação estratégica do Brasil e a possibilidade de uma insurreição vitoriosa – se os brasileiros tivessem armas e alguma assistência militar que estavam dispostos a pagar, conforme seu interlocutor – Jefferson prevê vantagens comerciais para o seu país.
A personalidade de Joaquim José da Maia não é muito conhecida. Não se tem notícia de outra presença sua na História, além do encontro com Jefferson. No ano seguinte, ainda muito jovem, ele morreria. Mas o fato levanta a hipótese de que a conjuração mineira já se encontrava em andamento, e tinha presença entre os estudantes brasileiros de Montpellier – a maioria deles das Minas. Coube a Domingos Vidal Barbosa, como registram os Autos da Devassa da Inconfidência, levar a informação da posição de Jefferson aos inconfidentes.
O mesmo Jefferson voltará a referir-se ao Brasil, 30 anos depois, em carta a La Fayette, seu amigo e um dos combatentes na Guerra da Independência dos Estados Unidos. Retirado em Monticello, o grande homem de Estado comenta os assuntos do mundo e de seu país. Ao discutir os problemas continentais, refere-se ao Brasil – a correspondência é de 14 de maio de 1817, quando a Revolução Pernambucana, iniciada em 6 de março, lhe parecia vitoriosa, embora naquela mesma semana as tropas legalistas tivessem sitiado o movimento, que seria logo debelado. Diz então Jefferson a Lafayette (Jefferson, Writings, The Library of America, 1984, pag. 1409) que Portugal, ávido em manter suas extensões no sul, acabara de perder a rica província de Pernambuco, e que ele não se espantaria se os brasileiros mandassem logo de volta a Portugal sua família real. E se referia ao Brasil como mais populoso, muitíssimo mais extenso, mais rico e mais sábio do que a metrópole.
Ao longo destes dois séculos e algumas décadas de vida das duas nações, poderíamos ter encontrado convivência melhor, mas os norte-americanos – talvez com exceção de Jefferson e alguns poucos mais – sempre nos viram como inferiores e sujeitos à sua vontade. Faltou-nos falar-lhes sem arrogância, mas com firmeza. É constrangedor anotar que, salvo em alguns momentos, como os de Getúlio, no Brasil, e Franklin Roosevelt (não Ted) nos Estados Unidos, os gestos de subserviência partiram das próprias elites brasileiras.
A visita da presidente Dilma Roussef a Washington está sendo vista, por certos observadores, como de poucos resultados. Entre outros fatos, apontam que não lhe foi oferecido um jantar de gala, mas simples almoço de trabalho. Trata-se de bom sinal: a austeridade do encontro demonstra que, nas conversações preliminares, os diplomatas norte-americanos perceberam que a chefe de Estado não chegava aos Estados Unidos para o ritual de vassalagem – conforme ocorria em certo período de nosso passado quase recente – mas como representante de uma nação soberana, disposta a discutir assuntos de interesse recíproco, de forma séria e honrada.
Ao não transformar uma conversa de trabalho em jantar de gala, Obama tratou o Brasil como o Brasil quer ser tratado: um país que não se deixa engambelar por homenagens dessa natureza. Não somos mais dirigidos por personalidades deslumbradas, que se sentem engrandecidas quando são conduzidas ao Palácio de Buckingham em carruagens puxadas a cavalos brancos e de arneses prateados, a fim de serem recebidos por uma rainha astuta.
As relações entre os dois países podem, e devem, ser melhores do que nunca foram – desde que os norte-americanos nos vejam em nossa devida dimensão. O Brasil, ao contrário de certos desavisados, não tem a pretensão de liderar os paises sulamericanos, mas sente o dever de defender a autodeterminação de seus vizinhos, como defende a própria. Não queremos que nos estendam o tapete vermelho, mas que nos recebam com o respeito que os amigos se merecem. Pelo menos, este é o sentimento do povo brasileiro, ainda que não seja o de todos os seus diplomatas e homens públicos.
A viagem de Dilma Roussef deve ser entendida como um êxito. Tratou-se de uma conversa franca, e não de troca de amabilidades chochas, ditadas pelas conveniências da diplomacia. O confronto de interesses entre os dois grandes países é normal. Anormal seria a subordinação dos interesses de um aos interesses do outro. As discórdias se resolvem nos acordos e tratados, sempre que em benefício comum.
Reprodução de texto sobre a visita de Dilma aos EUA do site do "Guardian"
UOL, 12/04/201212h43
Todos querem falar com Dilma, menos Obama, diz jornal britânico
Do UOL, em Brasília
Sob o título “Todos querem falar com a presidente Rousseff, menos Obama”, o jornal britânico “The Guardian” publicou um artigo que defende mais atenção para o Brasil por parte da principal potência do mundo, dias depois da visita de Dilma a Washington e a Boston.
Em um texto de sua versão online, o diário, um dos mais importantes da Europa, diz que os norte-americanos parecem “presos em outra era” para não admitirem que o vizinho ao sul é um exemplo.
No texto assinado pelo jornalista Jason Farago, baseado em Nova York, Dilma é chamada de “a segunda pessoa mais poderosa no Ocidente”.
Enquanto ela chegava aos EUA no início da semana, Obama, o mais
poderoso, “passava a maior parte do seu dia embrulhando ovos de Páscoa”
na Casa Branca.
Os
dois presidentes tiveram uma breve reunião e uma entrevista coletiva
conjunta “durante a qual eles nem se olharam no olho”, diz o texto.
“Não apenas o presidente dos EUA desdenhou das arapucas de uma visita de Estado; ele mal deu a Dilma duas horas”, diz o artigo.
A visita de Obama ao Brasil no ano passado tampouco foi de Estado - para isso é necessário visitar as sedes dos três poderes e o cumprimento de uma série de protocolos.
Diplomatas norte-americanos afirmaram que isso aconteceu com Dilma
porque é ano eleitoral e o presidente é candidato à reeleição.
“Ela chegou acompanhada de meia dúzia de formadores de opinião, de professores a chefes de thinktanks [instituições que difundem conhecimentos e estratégias sobre assuntos importante], todos exaltando
seu comando econômico e implorando a Washington que a levasse a sério.
As diretoras de Harvard e do MIT (ambas mulheres) a convidaram para ir a
Boston. Até a Câmara do Comércio se esforçou - certamente a primeira vez que o grupo de grandes e malvadas empresas se empolgou tanto ao conhecer uma ex-guerrilheira”, diz o texto. “Só Obama deu de ombros.”
Sem respeito
Nos bastidores, diplomatas brasileiros admitem há semanas que os EUA não se dedicaram à visita de Dilma como deveriam.
Em sua visita ao Brasil, a presidente o convidou ao Palácio do
Planalto, participou de um almoço com ele no Itamaraty, recebeu Obama e
sua família no Palácio da Alvorada, antes de ele seguir para o Rio de
Janeiro. "Pelo menos um jantar teria sido mais adequado", diz um deles
em Brasília.
De
acordo com o texto do “Guardian”, “o Brasil é o país dos Bric que não é
respeitado, mesmo em 2012”. Ao visitarem aos EUA, os líderes da Índia e
da China são recebidos com grandes honrarias. A Rússia, por seus laços
com a antiga União Soviética, sempre esteve sob o radar dos
norte-americanos.
“O
Brasil é o país que impõe a menor ameaça geopolítica significativa e
oferece mais vantagens, como os CEOs [diretores-executivos] salivantes
já sabem”, afirma a publicação.
“É assim que Washington funciona. Nas aulas de história, a primeira lição que os estudantes aprendem sobre a política externa norte-americana é a Doutrina Monroe – o princípio de 200 anos de que a América Latina é o nosso quintal. Fazemos isso e gostamos de dizer a todos que fiquem fora. A ideia de que um país latino-americano na verdade serve como modelo vai além da compreensão”, conclui o texto.
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