quinta-feira, 19 de abril de 2012

O elefante e as contas da Casa Real de Espanha

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O elefante e as contas da Casa Real de Espanha

 
Tito Drago - IPS

Um acidente sofrido pelo rei Juan Carlos durante uma caçada na África parece ter libertado a crítica aberta dos espanhóis à sua responsabilidade na gestão dos gastos, enquanto os cofres do Estado enfraquecem, bem como as suas atuações pessoais, nas quais, entre outras coisas, entra em rota de colisão com normas ambientais.

A campanha de caça implica um grande gasto pelo deslocamento em avião até Botswana, mais pessoal, armas, munições, a segurança real e o custo propriamente dito da expedição. Uma permanência de 12 dias num dos acampamentos com licença para abater um elefante, o exemplar mais caro e ao lado de um dos quais o rei Juan Carlos se deixou fotografar, custa cerca de 37 mil euros, segundo as agências de viagem e turismo.

Esse alto custo, que se choca com a crise espanhola que reduz o salário dos funcionários públicos entre 25% e 30% e deixou cinco milhões de desempregados, não teria vindo à luz sem o acidente. Isto coloca sobre a mesa um fato conhecido, mas não criticado até agora pelos partidos políticos, de que a Casa Real não está obrigada a informar sobre o uso de seu orçamento, e nunca o fez. Entre os mais duros críticos está Julio Anguita, ex-coordenador da coligação Esquerda Unida (IU), que disse ser preciso lembrar que o rei “sempre teve
uma corte de escândalos” e que a monarquia “deveria desaparecer. Não pode haver um senhor fora do alcance da lei, protestou.

A IU apresentou nesta terça feira uma proposta no Parlamento para que se esclareça se a viagem de Juan Carlos I foi custeada com o dinheiro que a Casa Real recebe dos Orçamentos Gerais em cada ano, e que em 2011 foi equivalente a 11,2 milhões de dólares, e se algum ministério cedeu fundos ou meios. No contexto dos ajustamentos fiscais previstos, este ano haverá redução no dinheiro destinado à Casa Real em
apenas 2% e não afetará o que recebem os membros da família real, mas incidirá apenas nos gastos de manutenção ou viagens.

Por sua vez, a porta-voz do partido de centro-esquerda União, Progresso e Democracia, Rosa Díez, afirmou à IPS que é muito doloroso que o rei não se inteire da situação que “enfrentamos e vá caçar em África enquanto o seu país sofre uma crise tripla, económica, política e social”. No mesmo sentido se pronunciaram dirigentes do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). A sua porta-voz parlamentar, Soraya Rodríguez, disse entender “a incompreensão, o mal-estar e a indignação” gerada por esse episódio do rei. Segundo ela, “Juan Carlos é conhecedor da situação, e acreditamos que a Casa Real se dirigirá à sociedade espanhola para falar algo a respeito”. O governante Partido Popular (PP) negou-se a pronunciar-se sobre o caso. A sua secretária-geral, María Dolores de Cospedal, declarou que o partido não entraria “na polêmica que alguns estão tentando alimentar”.

Da sociedade também surgiram críticas contra a Casa Real. Ativistas defensores da vida animal concentraram-se perto do hospital onde o rei recupera da lesão no quadril, pedindo que ele reflita sobre o seu costume de caçar. Um dos críticos, o porta-voz da organização não governamental Igualdade Animal, Javier Moreno, disse que a dor sofrida pelo rei deveria levá-lo a refletir sobre a dor que ele causou aos animais “durante tantos anos”.

Já a organização Actuable pediu que o rei “deixe de ser o presidente de honra” da seção espanhola da organização não governamental Fundo Mundial para a Natureza (WWF)”, cargo que ocupa desde 1968, por não ser compatível com a sua prática da caça. O WWF limitou-se a indicar que informará o rei sobre o grande número de pedidos recebidos dos seus sócios a solicitar que dê um passo atrás.

Não foi somente a caçada na África que nos últimos dias afetou a imagem do rei. Um desses problemas surgiu quando o seu neto Froilán Marichalar, de 13 anos, deu um tiro num pé ao disparar acidentalmente uma espingarda, numa fazenda da família.
Na Espanha é proibido o uso de armas por menores de 14 anos.

Contudo, o que mais atinge a Casa Real é a investigação que pesa sobre o genro do rei, Iñaki Urdangarin, marido da princesa Cristina, acusado de negócios nebulosos e de suposto desvio de fundos públicos. Manuel González Peeters, advogado defensor de Diego Torre, que foi sócio de Urdangarin no Instituto Nós, entregou documentação à rede de rádio SER, que, caso as acusações sejam confirmadas, também comprometeria Juan Carlos I.

O secretário-geral do PSOE em Madrid, Tomás Gómez, pediu ao rei que escolha entre as suas responsabilidades e enfrente os vários casos que se apresentam a ele ou que abdique, esta uma ação que, segundo se diz em voz baixa, poderia abrir caminho para a República, embora se considere que esta é uma possibilidade muito remota.

Fonte: Esquerda.net


 
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 Terça-feira, 17 de Abril de 2012


O elefante e a monarquia


Por Luciano Martins Costa 

Os jornais brasileiros dão alguma repercussão ao episódio em que o rei de Espanha, “dom” Juan Carlos I, cujo nome completo é Juan Carlos Alfonso Víctor Maria de Borbón y Borbón-Dos Sicílias, sofreu fratura no fêmur ao participar de uma caçada de elefantes em Botsuana, na África.
Não é tanto barulho como o que faz a imprensa europeia, e em especial os jornais espanhóis chamados populares. Mas há informação suficiente para produzir alguma reflexão.
Quem estava na Espanha em meados dos anos 1970, durante a transição do regime franquista para a democracia parlamentarista, pôde conhecer como se construiu cuidadosamente a imagem desse monarca em cujo desempenho as antigas casas reais europeias depositaram grandes esperanças de sobreviver à modernidade.
Avalista da transição
Juan Carlos I era um jovem alto, atlético, bem educado e devidamente treinado para evitar controvérsias prejudiciais ao projeto político conservador – de aceitar as mudanças exigidas pelas ruas sem mudar na essência o sistema de poder.
A bomba que havia feito o carro do almirante Luis Carrero Blanco voar cinco pavimentos acima, num estacionamento de Madri, em 1973, assinalava os limites de tolerância das forças políticas de oposição que emergiam.
O então presidente do governo, que havia recebido o cargo com a missão de estruturar a sucessão do poder em razão da progressiva debilitação do ditador Francisco Franco, mal teve tempo de organizar um gabinete de transição. Sua morte deu início ao processo de abertura conduzido por Carlos Arias Navarro, e apenas dois anos depois se consolidava o Pacto de Moncloa, berço da Espanha moderna.
Desde aqueles tempos, a imprensa espanhola se renovou, com o surgimento de jornais como El País e a revista Cambio 16, porta-vozes de uma esquerda moderada que pretendia representar a sociedade emergente, ansiosa por abandonar o regime medievalista de Franco e das associações católicas tradicionais e merecer a acolhida entre os Estados europeus.
Na Convergência Socialista, os grupos mais à esquerda tentavam fazer avançar uma agenda mais exigente, no mesmo período em que a criação do Tribunal Russel, comandado pelo senador italiano Lelio Basso, abria uma frente de combate às ditaduras latino-americanas.
Esse foi o contexto político em que se consolidou a figura de Juan Carlos I como representante de um poder moderador para a transição.
Assombrados com as manifestações de rua que exigiam o enterro do regime antigo, os empresários espanhóis se associaram a lideranças socialdemocratas para consolidar uma mudança que preservasse as três condições impostas pelo franquismo: exclusão total do comunismo e de tudo que se referisse à liberdade sindical, manutenção da unidade nacional sem concessões a projetos de autonomia provincial, e reconhecimento da monarquia como regime de Estado.
Juan Carlos se tornou, então, o avalista da transição imposto pelas forças conservadoras, enquanto a imprensa internacional – a brasileira entre as mais entusiasmadas – saudava a solução pacífica.
Um tiro na monarquia
Desde então, ele vem sendo preservado como uma figura que simboliza os ritos da História. Embora a instituição da monarquia projete uma sombra de anacronismo sobre a Espanha do século 21, seu comportamento discreto assegurava a preservação daquele papel moderador, apesar de já totalmente inócuo.
Até este momento.
O rei provavelmente foi à caça de elefantes como parte de uma estratégia para fugir do assédio da imprensa, que exigia o esclarecimento de denúncias de corrupção que envolvem seu genro. Teve o azar de sofrer a queda, porque seu ingresso no hospital para uma cirurgia delicada não haveria de passar em branco.
Assim como não vai passar em branco a condição hipócrita de se dar o duvidoso prazer de matar elefantes enquanto goza a reputação como presidente honorário da WWF, o fundo mundial para a preservação da vida selvagem.
A sucessão de acontecimentos deveria estar promovendo na imprensa alguma reflexão sobre a permanência de determinados símbolos políticos no Estado contemporâneo. Monarquias, ainda que decorativas, são um entulho histórico que já não faz muito sentido, a não ser como fator de entretenimento para leitores das revistas de celebridades. Com exceção da Grã-Bretanha, onde ainda simbolizam a nacionalidade, reis, rainhas, príncipes e princesas já não cabem em protocolos de Estado.
O advento das mídias digitais, que consolidam o protagonismo do cidadão, coloca em xeque até mesmo a democracia representativa, na qual se insere um poder moderador já sem sentido.
O tiro do rei de Espanha no elefante africano pode abater a própria monarquia espanhola.

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