CartaCapital, Ed. 695
Opinião pública, o que é?
Por Mino Carta
Pergunto aos meus reflexivos botões
qual seria no Brasil o significado de opinião pública. Logo garantem
que não se chama Merval Pereira, ou Dora Kramer, ou Miriam Leitão. Etc.
etc. São inúmeros os jornalistas nativos que falam em nome dela, a qual,
no entanto, não deixa de ser misteriosa entidade, ou nem tão
misteriosa, segundo os botões.
A questão se reveste de extraordinária complexidade. Até que ponto é pública a opinião de quem lê os editorialões, ou confia nas elucubrações de Veja? Digo, algo representativo do pensamento médio da nação em peso? Ocorre-me recordar Edmar Bacha, quando definia o País como Belíndia, pouco de Bélgica, muito de Índia. À época, houve quem louvasse a inteligência do economista. Ao revisitá-la hoje, sinto a definição equivocada.
Os nossos privilegiados não se parecem com a maioria dos cidadãos belgas. A Bélgica vale-se da presença de uma burguesia autêntica, culta e naturalmente refinada. Trata-se de tetranetos da Revolução Francesa. Só para ser entendido pelos frequentadores do Shopping Cidade Jardim em São Paulo: não costumam levar garrafas de vinho célebre aos restaurantes, acondicionadas em bolsas de couro relampejante, para ter certeza de uma noite feliz. Até ontem, antes do jantar encharcavam-se em uísque.
Em contrapartida, a minoria indiana, sabe das coisas e leu os livros. Já a maioria, só se parece com a nossa apenas em certos índices de pobreza, relativa ou absoluta. No mais, é infelicitada por conflitos, até hoje insanáveis, étnicos e religiosos. Nada de Bélgica, tampouco de Índia. Nem por isso, a diferença, ainda brutal, existe entre brasileiros ricos e pobres, embora desde o governo Lula tenha aumentado o número de remediados.
O Brasil figura entre os primeiros na classificação da má distribuição de renda, pecha mundial. Na semana passada, CartaCapital publicou ampla reportagem de capa sobre vários índices do nosso atraso, a mostrar que crescimento não é desenvolvimento. De fato, o Brasil sempre teve largas condições de ser um paraíso terrestre, como vaticinava Americo Vespucci, e não foi porque faltou o comando de quem quisesse e soubesse chegar lá. Sobrou espaço para os predadores, ou seja, aqueles que, como dizia Raymundo Faoro, querem “um país de 20 milhões de habitantes e uma democracia sem povo”.
A opinião pública que os Mervais, Doras e Mirians da vida acreditam personificar, é no máximo, na melhor das hipóteses para eles, a dos seus leitores. Há outra, necessariamente, daqueles que não se abeberam a essas fontes, e muitos sequer têm acesso à escrita. Votam, contudo, e são convocados pelas pesquisas de opinião. À pressão midiática, que ignoram por completo, preferem optar por Lula e Dilma Rousseff. Temos de levar a sério esta específica e majoritária opinião pública claramente expressa e, em termos práticos, mais determinante que a outra.
A opinião pública que a mídia nativa pretende personificar já condenou o chamado mensalão e decidiu os destinos da CPI do Cachoeira. A opinião pública da maioria está noutra. O resultado do confronto há de ser procurado nas pesquisas e nas eleições, é o que soletram meus botões. Eles são exigentes e me forçam a um exame de consciência. Por que as circunstâncias me levam à referência frequente a mídia nativa? Acontece que a mídia é, sim, personificação da minoria. Aquela do deixa como está para ver como fica.
A mesma que conspirou contra Getúlio democraticamente eleito e contra a eleição de Juscelino. Ou que apoiou Jânio Quadros em 1960, tentou evitar Jango Goulart depois da renúncia e enfim implorou o golpe perpetrado pelos gendarmes fardados em 1964, e o golpe dentro do golpe em 1968. A mesma que desrespeitou o anseio popular por eleições diretas em 1984 e engendrou uma dita redemocratização, de todo patética, em 1985, e hoje ainda dá uma de galo no papel impresso e no vídeo. Será que a rapaziada se dá conta do que está a acontecer de verdade?
A mídia nativa, é fácil demonstrar, na sua certeza de representar a opinião pública do País todo pratica aquilo que definiria como jornalismo onírico. Neste mister, o Estadão de quinta 26 supera-se. Estampa na primeira página que a presidenta Dilma mente ao afirmar, ao cabo de um longo encontro com Lula em Brasília, a ausência de diferenças entre ela e seu mentor. A presidenta responde obviamente a uma pergunta e diz: “Não há diferenças entre nós e nunca haverá”. Então por que perguntam se estão certos de que seu sonho é a própria verdade?
----------
Revista Caros amigos - dezembro 2010
Ornaldo Rancor, cineastra
Carlos Bagno
Eu pensava que depois que Orvalho de Cavalo, pilósopo,
tinha se mudado para os Estados Unidos, a extrema direita brasileira tinha
ficado órfã. Mas eis que não! Basta ligar o rádio pela manhã e ter o desprazer
de ouvir Ornaldo Rancor vomitar uma verborreia fascista, digna da Ku-Klux-Klan
ou coisa pior, atrapalhar nosso santo café manhã, que tantos brasileiros podem
tomar agora graças ao desenvolvimento que o país alcançou nos últimos oito anos
com a maravilhosa ascensão das classes C e D e com a maior redução de pobreza
da história desse Brasil sofrido.
Bem dizia uma amiga: "A ditadura fez a cama de muita
gente". É verdade! Nos anos de chumbo, fomos iludidos por algumas figuras
que posavam de progressistas e revolucionárias. Agora, sob a luz da resplendente
democracia que o último governo tornou ainda mais radiante, os conservadores
enrustidos saem do armário e se revelam em corpo, alma e espírito.
Nosso cineastra é um desses. Devidamente cooptado pelo
império midiático, aparece na televisão e no rádio, rancoroso e furibundo,
lançando ofensas pessoais contra Lula e tudo o que não venha da elite mais
racista, xenófoba e sexista que, tendo a grande imprensa como porta-voz, se
aliou em torno do candidato derrotado nas eleições e da candidata de casca
verde e polpa azul-tucano, que fala como se estivesse pairando acima do bem e do mal, nalgum ecossistema mítico,
num discurso absolutamente autista.
Temos também "comentaristas" políticos que
pontificam na grande mídia, como a tucana disfarçada de perua Pelúcia
Hipócrita, o gosmento Vermal Peneira e seu colega Humilham Vaaca, que babavam e
espumavam de ódio toda vez que, durante o período eleitoral, precisavam se
referir à nossa nova presidenta eleita. Eu mal podia acreditar no que via e
ouvia. Eles não tinham o menor escrúpulo em emitir palavras de ordens ao
tucanato do tipo "o que é preciso fazer é X", "expliquem aos
eleitores que Y", "digam que o verdadeiro nome disso é Z" e
coisas assim, instruções diretas e claras, sem papas na língua, sobre como
aumentar o volume da boataria sórdida que fez tanta lambança entre o primeiro
e o segundo turnos.
Que saudades de quando a voz da direita nacional era a de
Nelson Rodrigues, que nosso cineastra Ornaldo parece querer imitar. Só que Nelson
Rodrigues era um gênio, um dos maiores estilistas da língua portuguesa, um
reacionário assumido, enquanto nosso Ornaldo é um... cineastra.
Quando chego num aeroporto e vejo filas de pessoas humildes,
principalmente idosos, que somente agora conseguem tomar um avião para visitar
os parentes distantes ou voltar à terra natal, me encho de alegria. Ou quando,
como professor universitário, recebo cada vez mais alunos vindos de famílias
pobres, de pais analfabetos, alunos que, em outros tempos (ainda recentes),
jamais poderiam pisar numa universide a não ser como faxineiras, zeladores ou
motoristas. Mas deve ser justamente por isso que gente como Rancor, Hipócrita,
Vermal e Vaaca não conseguem se conter e saem em defesa dos feudos reservados
à elite elitíssima que se vê, com toda razão, ameaçada pela invasão de seus
condomínios habitacionais, sociais, culturais etc. por tanta gente pobre, feia,
pouco instruída, nortista-nordestina e malvestida. Será mera coincidência que
os três sejam brancos e do Sudeste?
Marcos Bagno é linguista e escritor. www.marcosbagno.com.br
Nota pessoal : Quem é quem
Ornaldo Rancor – Arnaldo
Jabor
Pelúcia Hipócrita - Lúcia Hipólito
Vermal Peneira - Merval Pereira
Humilham Vaaca – William
Waack
Nenhum comentário:
Postar um comentário