O Globo.com, 15/04/2012
Alexina, a militante que conviveu com Fidel, Che e Mao Tsé-Tung
Letícia Lins
RECIFE - Ignorada pelos livros sobre a história recente do país,
Alexina Lins Crespo de Paula não foi uma militante de esquerda comum.
Ela praticamente respondia pelas relações internacionais das Ligas
Camponesas, um dos movimentos sociais mais expressivos do Brasil e que
agitou o Nordeste do final dos anos 1950 a meados de 1960. No período
anterior ao golpe de 1964, chegou a negociar a entrada de armas no país e
a manter entendimentos com líderes como Fidel Castro e Mao Tsé-Tung,
por achar que a guerrilha era a melhor forma de realizar a reforma
agrária em terras então dominadas econômica e politicamente pelos
usineiros, que mantinham seus lavradores em regime de semiescravidão.
Aos
85 anos e ainda lúcida — apesar de um acidente vascular cerebral
recente —, Alexina teve uma adolescência igual às das meninas burguesas
de sua geração. Foi criada para casar, estudou em colégio religioso, e o
pai não era ligado em política. Mas a avó e a mãe eram fãs do líder
comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1943, casou-se com o advogado
Francisco Julião, que seria o fundador das Ligas Camponesas e um dos
homens mais temidos pelas forças conservadoras de então. Tido como um
demônio pelo regime militar implantado no Brasil em 1964, o ex-deputado
estava à direita de Alexina.
— Quando casei, lia documentos sobre
União Soviética, Cuba, China. Francisco começou a trabalhar nesse
sentido. Achei que estava certo. Só divergia porque ele achava que (a
revolução) tinha que ser pela via pacífica e eu, pela luta armada, na
lei ou na marra — afirma ela no documentário “Alexina - Memórias de um
exílio”, lançado na última segunda-feira. O filme foi rodado em Recife e
em Cuba, e foi dirigido pelos pernambucanos Stella Maris e Cláudio
Bezerra, professores da Universidade Católica de Pernambuco.
—
Infelizmente, a História é injusta ou omissa com as mulheres. E Alexina
não é exceção — afirmou Stella, principal responsável pelo resgate da
saga da militante que, em 1962, deixou em Cuba os quatro filhos para
estudarem. Queria dedicar-se integralmente ao trabalho das Ligas.
Enfrentou muito preconceito por conta da atitude:
— Isso causou
muita estranheza na família. Eram comentários desagradáveis. Mas eu
tinha que voltar para o Brasil e reforçar o braço armado das Ligas,
lembra Alexina, que também recorda de uma promessa de Fidel:
— Pode enviar (os filhos), que vou cuidar deles como se fossem meus.
A
militante chegou a conviver também com Che Guevara. A lembrança que
guarda dos dois líderes cubanos é de um Fidel falante e de um Che calado
e fechadão. No documentário, ela também conta um encontro que teve com
Mao, na China.
—Tomava chá com ele, quando me perguntou que
material tínhamos de armas. Dissemos que não o suficiente para a
guerrilha. Mas não posso falar muito se não me prendem — desconversa, no
filme. Alexina estava em Cuba em 1964, para o casamento da filha
Anatailde, quando o golpe aconteceu. Já era separada de Julião, com quem
viveu por 20 anos. Ela pretendia retornar ao Brasil. Mas Fidel não
deixou. Achava que morreria se voltasse.
No filme, ela relata
episódios inacreditáveis em sua atuação como voluntária da Revolução de
uma Cuba bélica, que acabara de derrotar os Estados Unidos. Alguns são
até hilários.
— Plantei café, costurei sacos de açúcar e fiz
guarda de noite. Morávamos perto da casa do Che. Eu fazia a ronda, mas
não tinha arma e usava um cabo de vassoura. Peguei em arma só para
treinar, mas não para fazer guarda — relata.
Recorda o reforço ideológico pelo qual passavam visitantes em Havana:
—
Você sai de Cuba para matar e esfolar americano e o imperalismo. O
contato com Che e Fidel vai dando reforço ao idealismo da gente, é
fantástico — afirma, como se o passado ainda fosse presente.
* Esta reportagem foi publicada no vespertino para tablet “O Globo a mais”
RECIFE - Ignorada pelos livros sobre a história recente do país,
Alexina Lins Crespo de Paula não foi uma militante de esquerda comum.
Ela praticamente respondia pelas relações internacionais das Ligas
Camponesas, um dos movimentos sociais mais expressivos do Brasil e que
agitou o Nordeste do final dos anos 1950 a meados de 1960. No período
anterior ao golpe de 1964, chegou a negociar a entrada de armas no país e
a manter entendimentos com líderes como Fidel Castro e Mao Tsé-Tung,
por achar que a guerrilha era a melhor forma de realizar a reforma
agrária em terras então dominadas econômica e politicamente pelos
usineiros, que mantinham seus lavradores em regime de semiescravidão.
Aos 85 anos e ainda lúcida — apesar de um acidente vascular cerebral recente —, Alexina teve uma adolescência igual às das meninas burguesas de sua geração. Foi criada para casar, estudou em colégio religioso, e o pai não era ligado em política. Mas a avó e a mãe eram fãs do líder comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1943, casou-se com o advogado Francisco Julião, que seria o fundador das Ligas Camponesas e um dos homens mais temidos pelas forças conservadoras de então. Tido como um demônio pelo regime militar implantado no Brasil em 1964, o ex-deputado estava à direita de Alexina.
— Quando casei, lia documentos sobre União Soviética, Cuba, China. Francisco começou a trabalhar nesse sentido. Achei que estava certo. Só divergia porque ele achava que (a revolução) tinha que ser pela via pacífica e eu, pela luta armada, na lei ou na marra — afirma ela no documentário “Alexina - Memórias de um exílio”, lançado na última segunda-feira. O filme foi rodado em Recife e em Cuba, e foi dirigido pelos pernambucanos Stella Maris e Cláudio Bezerra, professores da Universidade Católica de Pernambuco.
—
Infelizmente, a História é injusta ou omissa com as mulheres. E Alexina
não é exceção — afirmou Stella, principal responsável pelo resgate da
saga da militante que, em 1962, deixou em Cuba os quatro filhos para
estudarem. Queria dedicar-se integralmente ao trabalho das Ligas.
Enfrentou muito preconceito por conta da atitude:
— Isso causou muita estranheza na família. Eram comentários desagradáveis. Mas eu tinha que voltar para o Brasil e reforçar o braço armado das Ligas, lembra Alexina, que também recorda de uma promessa de Fidel:
— Pode enviar (os filhos), que vou cuidar deles como se fossem meus.
A militante chegou a conviver também com Che Guevara. A lembrança que guarda dos dois líderes cubanos é de um Fidel falante e de um Che calado e fechadão. No documentário, ela também conta um encontro que teve com Mao, na China.
—Tomava chá com ele, quando me perguntou que material tínhamos de armas. Dissemos que não o suficiente para a guerrilha. Mas não posso falar muito se não me prendem — desconversa, no filme. Alexina estava em Cuba em 1964, para o casamento da filha Anatailde, quando o golpe aconteceu. Já era separada de Julião, com quem viveu por 20 anos. Ela pretendia retornar ao Brasil. Mas Fidel não deixou. Achava que morreria se voltasse.
No filme, ela relata episódios inacreditáveis em sua atuação como voluntária da Revolução de uma Cuba bélica, que acabara de derrotar os Estados Unidos. Alguns são até hilários.
— Plantei café, costurei sacos de açúcar e fiz guarda de noite. Morávamos perto da casa do Che. Eu fazia a ronda, mas não tinha arma e usava um cabo de vassoura. Peguei em arma só para treinar, mas não para fazer guarda — relata.
Recorda o reforço ideológico pelo qual passavam visitantes em Havana:
— Você sai de Cuba para matar e esfolar americano e o imperalismo. O contato com Che e Fidel vai dando reforço ao idealismo da gente, é fantástico — afirma, como se o passado ainda fosse presente.
* Esta reportagem foi publicada no vespertino para tablet “O Globo a mais”
Aos 85 anos e ainda lúcida — apesar de um acidente vascular cerebral recente —, Alexina teve uma adolescência igual às das meninas burguesas de sua geração. Foi criada para casar, estudou em colégio religioso, e o pai não era ligado em política. Mas a avó e a mãe eram fãs do líder comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1943, casou-se com o advogado Francisco Julião, que seria o fundador das Ligas Camponesas e um dos homens mais temidos pelas forças conservadoras de então. Tido como um demônio pelo regime militar implantado no Brasil em 1964, o ex-deputado estava à direita de Alexina.
— Quando casei, lia documentos sobre União Soviética, Cuba, China. Francisco começou a trabalhar nesse sentido. Achei que estava certo. Só divergia porque ele achava que (a revolução) tinha que ser pela via pacífica e eu, pela luta armada, na lei ou na marra — afirma ela no documentário “Alexina - Memórias de um exílio”, lançado na última segunda-feira. O filme foi rodado em Recife e em Cuba, e foi dirigido pelos pernambucanos Stella Maris e Cláudio Bezerra, professores da Universidade Católica de Pernambuco.
— Isso causou muita estranheza na família. Eram comentários desagradáveis. Mas eu tinha que voltar para o Brasil e reforçar o braço armado das Ligas, lembra Alexina, que também recorda de uma promessa de Fidel:
— Pode enviar (os filhos), que vou cuidar deles como se fossem meus.
A militante chegou a conviver também com Che Guevara. A lembrança que guarda dos dois líderes cubanos é de um Fidel falante e de um Che calado e fechadão. No documentário, ela também conta um encontro que teve com Mao, na China.
—Tomava chá com ele, quando me perguntou que material tínhamos de armas. Dissemos que não o suficiente para a guerrilha. Mas não posso falar muito se não me prendem — desconversa, no filme. Alexina estava em Cuba em 1964, para o casamento da filha Anatailde, quando o golpe aconteceu. Já era separada de Julião, com quem viveu por 20 anos. Ela pretendia retornar ao Brasil. Mas Fidel não deixou. Achava que morreria se voltasse.
No filme, ela relata episódios inacreditáveis em sua atuação como voluntária da Revolução de uma Cuba bélica, que acabara de derrotar os Estados Unidos. Alguns são até hilários.
— Plantei café, costurei sacos de açúcar e fiz guarda de noite. Morávamos perto da casa do Che. Eu fazia a ronda, mas não tinha arma e usava um cabo de vassoura. Peguei em arma só para treinar, mas não para fazer guarda — relata.
Recorda o reforço ideológico pelo qual passavam visitantes em Havana:
— Você sai de Cuba para matar e esfolar americano e o imperalismo. O contato com Che e Fidel vai dando reforço ao idealismo da gente, é fantástico — afirma, como se o passado ainda fosse presente.
* Esta reportagem foi publicada no vespertino para tablet “O Globo a mais”
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