Ora, pois, pois... "Viva" o sistema capitalista!
São Paulo, sábado, 02 de abril de 2011
Calote é a saída para Portugal
CLÓVIS ROSSI
NÃO É a eleição antecipada, agora marcada para 5 de junho, que vai resolver a crise portuguesa. Vai apenas adiar a verdadeira -e dolorosa- solução, que é o calote ao menos parcial na sua dívida.
Não é uma questão ideológica, como não foi na Argentina, dez anos atrás. É uma questão de falta de qualquer outra alternativa.
Por partes:
1: Por que a eleição não resolve? Porque o lógico é que ganhe um dos dois partidos habitualmente majoritários de Portugal, o Socialista ou o Social Democrata, que, apesar do nome, é de direita. Ambos se comprometeram com os pacotes de austeridade já aprovados.
Foram três, mas eles não bastaram para que o mercado, esse ente sem rosto mas todo-poderoso, ficasse satisfeito.
Tanto não ficou que, ontem, exigiu juros de 5,793%, na média, para aceitar papéis portugueses no valor de 1,654 bilhão, quase o dobro dos 3,1% cobrados em julho passado, antes, portanto, dos pacotes de austeridade.
O quarto pacote foi justamente o que derrubou o governo do socialista José Sócrates, porque, desta vez, o oposicionista PSD não aceitou votar com o governo.
Deve ter pesado nessa decisão a marcha de umas 300 mil pessoas pelo centro de Lisboa, no dia 12, convocada pelo movimento "geração à rasca" (em apuros).
O protesto era -e continua vivo nas redes sociais- pela precariedade laboral que afeta um em cada cinco portugueses e pelo desemprego, que machuca 11,2% da força de trabalho do país.
2: Ora, se já há uma geração à rasca, qualquer pacote de austeridade só pode acrescentar apuros. O quarto -e rejeitado- propunha, por exemplo, o congelamento das aposentadorias que estivessem acima de certo valor.
Logo, o lógico é supor que a eleição terminará com um índice formidável de abstenção (na eleição presidencial de janeiro, já foi de impressionantes 54%) ou com algum tipo de voto de protesto.
De uma forma ou de outra, o novo governo português carecerá de força política para impor outro pacote de austeridade.
3: Sem ele, a opinião virtualmente consensual na Europa é a de que Portugal terá que recorrer à ajuda conjunta da União Europeia e do Fundo Monetário Internacional, que, por sua vez, imporão ajustes ainda mais draconianos.
O problema é que a ajuda não tira da "rasca" os países que a ela recorrem. É só ler o que escreve para o "Financial Times" Desmond Lachman, pesquisador do American Enterprise Institute, sobre Grécia e Irlanda, os dois países já socorridos:
"Desde que embarcou no seu programa de austeridade fiscal, aproximadamente dois anos atrás, a economia irlandesa se contraiu mais de 11%. Entre os últimos trimestres de 2009 e 2010, a economia da Grécia declinou 6,5% e, ao fim do ano [passado], as vendas no varejo estavam 20% abaixo das de um ano antes."
Tentar extrair mais sangue ainda também dos portugueses é uma inviabilidade política. Os bancos credores, com os juros que estão cobrando, já se forraram o suficiente para aguentar um calote ou, na linguagem contemporânea menos agressiva, um "hair cut".
Melhor cortar o cabelo de quem tem de sobra do que a carne de uma sociedade já exaurida.
Incerteza Portuguesa
VAGUINALDO MARINHEIRO
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA E COIMBRA
Um papel afixado na bilheteria da estação Entrecampos, em Lisboa, avisa: greves podem paralisar os serviços de trem e metrô de 26 a 31 de março. Não haverá transporte alternativo.
Uma mulher de uns 70 anos esbraveja: "O pior é a incerteza. Nunca sabemos de nada. Só descubro aqui que não tem comboio [trem]".
Abordada, se recusa a conversar. "Jornalistas só falam mal do país, o que piora ainda mais a situação", diz, e sai andando, praguejando.
A cena ilustra a realidade de Portugal hoje. As medidas de austeridade (corte de salários e de benefícios e aumento de impostos) adotadas para tirar o país da crise geraram uma onda de greves.
Todo dia tem uma paralisação: de trem, metrô, ônibus, serviço público... a paciência das pessoas parece estar no fim. Para agravar, sobram incertezas.
"Ninguém sabe o que vai acontecer com o país amanhã. Só sabemos que vai ficar pior. O governo fala em recessão para este ano e também para 2012. Se tiver ajuda do FMI (Fundo Monetário Internacional), serão uns dez anos de sofrimento", afirma Luís Soares Lomba, 23, estudante de economia.
A ajuda do FMI, e também do Banco Central Europeu, é dada como certa.
Portugal não tem caixa para saldar suas dívidas crescentes, e o mercado exige juros cada vez mais altos para emprestar ao país.
O estudante Lomba é um dos muitos jovens portugueses que, como os brasileiros nos anos 80, acham que a saída está no aeroporto.
"O futuro aqui é sombrio. Vou tentar outro lugar", diz.
Ele conclui a faculdade em junho e não crê que encontrará trabalho. A taxa de desemprego para pessoas com menos de 25 anos é de 21,3% em Portugal. Menos que na Espanha (43,5%), mas mais que na Alemanha (13,4%) ou na Holanda (7,4%).
A crise econômica acabou por gerar uma crise política. No dia 23, o primeiro-ministro José Sócrates renunciou após o Parlamento rejeitar seu quarto pacote de cortes.
As eleições foram marcadas para 5 de junho. Até lá, vigora o que os portugueses chamam de "governo de gestão". Sócrates fica no cargo, mas não tem poder.
"Já estava ruim e piorou. Depois da renúncia do Sócrates, não vendo mais nada. Todo mundo tem medo de gastar", diz Rui Simas, dono de uma loja de eletrônicos.
Para o taxista Paulo Sá, em breve as pessoas vão começar a tomar atitudes extremas. "Os salários caem, as preços aumentam. Não haverá dinheiro para a comida. Vai começar a ter assaltos."
Para outro taxista, Domingos Pimentel, a criminalidade piorou. "Há as ondas dos africanos" -portugueses chamam arrastões de ondas.
A crise não é muito aparente nas ruas. Há pedintes. A maioria é imigrante.
Nos shoppings, a impressão é que ninguém compra. A reportagem da Folha visitou quatro deles. Três em Lisboa (na praça de Touros, na estação Oriente e o Atrium Saldanha) e um em Coimbra, o Fórum. Há muita liquidação e algumas lojas anunciam descontos porque vão fechar. Mesmo assim, não se veem sacolas cheias.
Na contramão do pessimismo, Isabel (ela pediu que não fosse publicado seu sobrenome) resolveu abrir há um mês uma loja de brinquedos no Atrium Saldanha.
Ela é formada em inglês e alemão e não arrumava emprego. "Muitas de minhas amigas só reclamam e não fazem nada. O português é muito passivo. Não creio que tenha de haver atos violentos nas ruas, mas é preciso fazer algo além de reclamar."
A Folha passou 40 minutos na loja na quinta-feira. Não entrou nenhum cliente. "Quem sabe amanhã", ela diz. O país espera o mesmo.
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