Chico Otávio desvenda o atentado do Riocentro. Viva o STF ! Viva a PGR !
- Publicado em 24/04/2011
O Globo, 23/04/2011
Agenda do sargento que morreu no atentado no Riocentro revela, após 30 anos, rede de conspiradores do período
Chico Otavio e Alessandra DuarteHavia ainda nomes-chave da polícia fluminense, como o chefe de gabinete do secretário de Segurança e o chefe da unidade de elite policial da época, o Grupo de Operações Especiais, mais tarde Departamento Geral de Investigações Especiais, setor especializado em explosivos que tinha a responsabilidade de investigar justamente atentados a bomba como os patrocinados pelos bolsões radicais alojados na caserna.
Trinta anos depois do atentado que vitimou o próprio autor e feriu gravemente o então capitão Wilson Machado, O GLOBO localizou a agenda e identificou metade dos 107 nomes e telefones anotados pelo sargento. De oficiais graduados a soldados, de delegados a detetives, Rosário tinha contatos em setores estratégicos, como o Estado-Maior da PM e a chefia de gabinete da Secretaria de Segurança, além de amigos ligados a setores operacionais, como fábrica de armamento e cadastros de trânsito.
Terror de direita usou paraquedistas
A rede formada por esses contatos mostra onde se apoiavam as ações dos insatisfeitos com a abertura. Na segunda metade dos anos 70, o governo Geisel determinou a desmobilização da máquina de torturar e matar nos porões do regime, que mudou de direção, indo da brutalidade para ações de inteligência, com a reestruturação dos DOIs. Descontentes com as mudanças, sargentos como Rosário, sobretudo os paraquedistas arregimentados anos antes pela repressão, transformaram-se em braços operacionais de grupos terroristas de extrema direita. Rosário e sua turma foram buscar na ação clandestina, fora da cadeia de comando, o poder gradativamente perdido.
Recolhida pelo então tenente Divany Carvalho Barros, o "doutor Áureo", também do DOI, pouco depois da explosão, a agenda de Rosário só seria submetida à perícia 19 anos depois, em abril de 2000, no segundo IPM sobre o atentado. Porém, desde que o caso foi arquivado, naquele mesmo ano, o caderninho marrom, do tamanho da palma da uma mão e que trazia em seu cabeçalho a prece "Confio em Deus com todas as forças e peço a Deus que ilumine o meu caminho e toda a minha vida", permanecia esquecido em um envelope, num dos anexos do volumoso processo sobre o caso, no Superior Tribunal Militar (STM).
Para montar a rede do sargento, foi preciso cruzar nomes e números da agenda com catálogos telefônicos da época, e com telefones e endereços atuais, bem como outras fontes de informação. Para entender a rede, a lista de contatos foi dividida em cinco segmentos: integrantes do Grupo Secreto, do qual Rosário era provavelmente ativo protagonista; a comunidade de informações (incluindo militares até hoje envolvidos com arapongagem); agentes da Secretaria estadual de Segurança (polícias Civil e Militar, como integrantes do serviço de inteligência e de grupos de peritos em explosivos); representantes da sociedade civil, como empresas de construção civil e de equipamentos elétricos; além de um sub-reitor da Uerj que consta como tendo auxiliado quadros da repressão; e até meios de comunicação, cujos telefones seriam usados pelos terroristas para a comunicação de atentados.
IPMs ignoraram nomes da agenda
O atentado do Riocentro foi alvo de dois inquéritos policial-militares do Exército. O primeiro, em 1981, foi considerado farsa ao concluir que o sargento e o capitão foram vítimas, e não autores da ação. Já o segundo IPM, provocado pela reabertura do caso em 1999, mudou a versão oficial, comprovando o envolvimento da dupla do DOI, além de um oficial (Freddie Perdigão) e um civil (Hilário Corrales), mas ninguém foi levado a julgamento: o STM entendeu que os autores estavam cobertos pela anistia.
A agenda, porém, nunca foi considerada como pista para o esclarecimento do atentado e da ação dos terroristas do período. Se os investigadores se detivessem nos nomes anotados, teriam descoberto, por exemplo, que o aviador Leuzinger Marques Lima (para Rosário, Léo Asa) , um dos nomes do Grupo Secreto, participara da Revolta de Aragarças, contra o governo JK, ainda nos anos 50. No episódio, Léo Asa envolveu-se no sequestro de um avião da Panair e planejou com outros revoltosos jogar bombas nos palácios das Laranjeiras e do Catete.
Outro do Grupo Secreto no caderno de Rosário era o general Camilo Borges de Castro, cujo telefone pessoal reforça a tese de que o terror agia fora da cadeia de comando, sem respeitar a hierarquia. Castro era amigo do marceneiro Hilário Corrales, civil que integrava o grupo e que teria montado a bomba que colocaria Rosário na História política do país. O irmão de Hilário, Gilberto Corrales, também teve o nome anotado na agenda.
O coronel do Exército Freddie Perdigão Pereira foi o quarto nome do Grupo Secreto encontrado no caderno de Rosário. Apontado pelo projeto Brasil Nunca Mais como notório torturador, era o "dr. Nagib" do DOI I e da "Casa da Morte", em Petrópolis. Na época do Riocentro, estava na Agência Rio do SNI. O general Newton Cruz, chefe da Agência Central do órgão, chegou a admitir que Perdigão lhe falou do atentado antes de ele ocorrer.
Da Secretaria de Segurança, havia integrantes das polícias Militar e Civil com algum tipo de relação com o atentado. Um dos PMs na agenda, o segundo-tenente José Armindo Nazário, trabalhava no Estado-Maior da PM - justamente a unidade que deu ordem para suspender o patrulhamento no Riocentro na noite do atentado. Nazário também era ligado à inteligência da PM, a P-2. Em 69, foi designado pelo general Emílio Médici, então chefe do SNI, para servir em Brasília; em 73, foi para a divisão de Segurança e Informações do Ministério da Justiça.
Outro nome do caderninho é o do coronel da PM Hamilton Dorta, ex-sargento do Exército e chefe da P-2 de vários batalhões da PM nos anos 1970. De 1978 a 1981, ele foi subdiretor de segurança externa da Secretaria de Justiça, cargo ligado ao Desipe, no qual cuidava da inteligência de movimentações de presos comuns e políticos, e também da segurança de presídios, para evitar, por exemplo, ações de resgate. O telefone associado a Dorta na agenda pertencia ao Departamento Penitenciário da época.
Da Polícia Civil, um dos nomes identificados é o do delegado Sérgio Farjalla. Ex-instrutor de tiro da Academia de Polícia, ele também foi ligado à Delegacia de Polícia Política e Social (DPPS), órgão que investigava atentados a bomba na época. Mais tarde, Farjalla se tornaria um dos primeiros especialistas em efeitos especiais do país e abriria uma empresa especializada.
A agenda registra ainda o telefone de "Solange Tavares - esposa dr. Ilo". A advogada Solange era mulher do delegado Ilo Salgado Bastos, chefe de gabinete do secretário de Segurança nos anos 80 - na época, o secretário era Olavo de Lima Rangel, ex-Dops. Nessa função, Ilo, ex-Dops, ex-DPPS e próximo de alguns dos "Doze Homens de Ouro" da polícia, coordenava todas as delegacias distritais do Rio. Na secretaria, era um dos poucos a ter uma espécie de "telefone vermelho", um aparelho sem discador, só para receber ligações diretas do secretário.
A maioria das pessoas que constavam da agenda e que foram contactadas pela reportagem disse não se lembrar do sargento, mas não soube explicar por que seu nome estava na agenda.
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