ALGO DE PODRE NO REINO DA VALE
Data: 08/04/2011
Fonte: ILAESE
Autor: NAZARENO GODEIRO
Comentários sobre a troca de comando na maior empresa privada do Brasil
Esta contradição revela uma mudança estrutural na economia brasileira que se deu nos últimos 20 anos: o Brasil está retornando a uma economia de cunho colonial baseado na exportação de produtos primários. O “mão invisível do mercado”, quer dizer, o imperialismo, determinou que o lugar do Brasil no mundo seria de fornecedor de alimentos, matérias primas e energia para o salto chinês.
Assim, está acontecendo um retrocesso no caráter da indústria brasileira: ganha peso os setores primários exportadores em detrimento da indústria de transformação, que perde peso relativo no conjunto da economia brasileira. Enquanto a China tornou-se a “fábrica do mundo”, o Brasil está se tornando, junto com a América do Sul, no “celeiro do mundo”.
Esta volta ao passado foi patrocinada por FHC. Com a introdução do neoliberalismo no Brasil, a partir do governo Collor, surge um novo modelo de acumulação capitalista, apoiado nos bancos, nacionais e internacionais, que vivem parasitando a dívida pública, juros altos para atrair capital internacional que possibilite seguir rolando a dívida, combinado com saldos comerciais elevados no comércio com o exterior (exportações do agronegócio, mineração e energia), também para financiar a rolagem da dívida pública, que já chega a 50% do PIB e absorve toda a riqueza do Brasil (todo ano entrega R$ 400 bilhões de juros e amortizações aos banqueiros e cuja dívida nunca diminui, ao contrário, cresce R$ 20 bilhões por mês).
As contradições deste novo modelo de acumulação estão vindo à tona e obriga o governo a agir em várias áreas.
A Vale é a expressão superestrutural da mudança profunda da economia brasileira, demonstrando que o Brasil perdeu sua soberania. A constatação deste fato se deu com o enfrentamento entre Lula e a Vale, na figura de Roger Agnelli, em 2009, durante a crise econômica internacional.
A Vale demitiu 1.300 empregados diretos e cerca de 13 mil terceirizados. Ou mais de 10% da sua força de trabalho mundial, que neste momento era de 119 mil trabalhadores, entre efetivos e terceirizados. Além disso, cortou os investimentos em U$ 5 bilhões de dólares.
Depois de enfrentamentos públicos entre Lula e a Vale, aparentemente a Vale recuou, voltou os investimentos ao nível anterior e prometeu investir em siderúrgicas. Depois de toda aquela briga, a Vale investiu somente 2,7% do total dos seus investimentos em siderurgia, em 2010.
A Vale continuou com seus investimentos para se tornar a maior mineradora do mundo e não entrar no setor siderúrgico pois segundo o Sr. Roger Agnelli “A Vale não poderia concorrer com seus clientes”. Poderia ter completado: “A Vale não pode concorrer com seus donos”, já que os donos das grandes siderúrgicas no mundo são os mesmos donos da Vale: 65% das ações da Vale estão nas mãos de estrangeiros, que movimentam U$ 1 bilhão de dólares por dia com ações da empresa em Nova York. Os grandes acionistas estrangeiros da empresa são o Citibank, HSBC, J. P. Morgan Chase, Barclays, Fidelity Management, Vanguard Emerging Markets, Morgan Stanley, Templeton e Black Rock. São grandes bancos internacionais. Vale recordar que a dona do J.P. Morgan é a bilionária família Rockfeller.
Estes investidores querem transformar a Vale, em curto prazo, na maior mineradora do mundo.
Aparentemente, este objetivo estratégico dos grandes acionistas da Vale entrou em rota de colisão com os interesses imediatos do governo, que está preocupado com a dinâmica de reprimarização da economia brasileira e os efeitos nocivos desta fato sobre a economia de conjunto.
Para quem trabalha Roger Agnelli?
Figuras destacadas do governo[2] estão concluindo que Roger Agnelli dirige a Vale “como se ela fosse uma empresa estrangeira”. Depois de atuar conjuntamente por oito anos na direção da Vale com Roger Agnelli, o governo concluiu o óbvio!
Durante a crise, veja a afirmação do Roger Agnelli, em nome da diretoria da Vale:
“Mantivemos, para 2009, o mesmo valor da remuneração mínima ao acionista anunciada em 2008, um ano de geração de caixa recorde, num claro esforço de satisfazer as aspirações de curto prazo de nossos acionistas, especialmente frente a um cenário mundial de reduzida liquidez.”[3]
Taí o objetivo central de ter um banqueiro comandando uma empresa industrial: satisfazer as aspirações de curto prazo dos grandes acionistas, seus colegas banqueiros americanos e brasileiros (sócios minoritários na empreitada).
Porém, é comum no Brasil se dizer que o governo é dono da Vale porque tem acionistas com peso na empresa, caso da Previ e do BNDES.
Para resolver a controvérsia, veja a declaração do Tito Martins que era o candidato mais cotado para substituir o Agnelli:
“Dois terços das nossas ações são comercializadas fora do Brasil. Estas ações são possuídas por não brasileiros.”
Este senhor Tito Martins esteve à frente da empresa na luta para derrotar a heróica greve dos mineiros canadenses da Vale. Recusou-se a negociar com os grevistas, para impor perdas de direitos. Preferiu ter um prejuízo de U$ 1 bilhão de dólares a ter que ceder direitos que custariam muito menos para os cofres da empresa. Foi uma queda de braço política, para tentar derrotar os trabalhadores.
Desafiamos o governo do PT e a CUT a garantir a reestatização a Vale
Esta é a única forma de garantir que o crescimento da Vale sirva ao Brasil para construir uma indústria nacional de base, independente do imperialismo e das grandes corporações transnacionais.
Se o Governo Lula tivesse reestatizado a Vale durante a crise de 2009 teria o apoio de toda a população e dos funcionários da empresa. Em plebiscito realizado em 2007, mais de 3 milhões de brasileiros aprovaram a reestatização da Vale. Em pesquisas realizadas pelos sindicatos da Vale, mais de 90% dos funcionários da Vale se demonstraram a favor da reestatização.
O governo pode reestatizar a Vale legalmente, pois detém uma ação com poder de veto, chamada Golden Share, que permite reestatizar a Vale em caso de fechamento de minas, mudança de nome ou mudança de composição acionária.
Desafiamos o governo Dilma a cobrar 10% de compensação pela exploração mineral
Se o governo tiver coragem de enfrentar os empresários e os acionistas estrangeiros da Vale, pode aumentar a cobrança de royalties para a mineração que hoje paga somente 2% para extração de minério no Brasil. O governo tcobrar da Petrobras 10% de royalties, mas não cobra da multinacional Vale.
Em 20 anos, as maiores minas do Brasil estarão exauridas, deixando grandes crateras onde havia bilhões de dólares em minério de ferro. No final, os investidores estrangeiros irão embora deixando um rastro de destruição e miséria. Quem vai pagar por isso?
Apesar de Lula fazer bravata na TV, brigando publicamente com Roger Agnelli, seu governo não se dispôs a fazer o mesmo que fez o governo australiano que cobra mais de 7% de royalties e está propondo recolher 40% do lucro líquido das empresas como compensação. O Canadá chega a cobrar até 18% de compensação pela exploração mineral do ferro. O Chile está estudando passar a alíquota de 5% que as empresas pagam hoje para 9% em 2014.
Desafiamos o governo Dilma a impor a cobrança de 10% de royalties de compensação pela exploração do minério de ferro e a cobrança de 8% do lucro líquido das empresas para usar nas regiões mineradoras, para recuperação do meio ambiente destruído pela ação mineradora. Quando a Vale era estatal, existia uma cláusula no seu estatuto que determinava a empresa investir 8% do lucro líquido nas regiões onde explorava minérios.
A única forma de impedir o controle estrangeiro sobre o subsolo brasileiro e sobre a Vale é reestatizando a empresa e colocando-a sob controle dos trabalhadores e do povo brasileiro.
Nos últimos 13 anos, os pressupostos que levaram à privatização da Vale se mostraram falsos: a empresa não era deficitária e, ao contrário, suas reservas minerais e seu corpo de funcionários sempre foi muito rentável.
Porém, os temores que havia em toda a população em privatizar a Vale se mostraram verdadeiros: se temia pela alienação do patrimônio nacional e a conseqüente perda da soberania nacional.
Hoje, o povo brasileiro perdeu o poder de decidir sobre o uso do seu subsolo. Tampouco o governo manda na Vale, como ficou demonstrado nos últimos anos, onde o governo queria uma coisa e a Vale fez o oposto.
O governo está provocando a mudança de comando na Vale sem modificar o essencial: enquanto a Vale for uma empresa privada em mãos de banqueiros nacionais e estrangeiros, ela servirá para o lucro fácil e rápido (que vai na sua maior parte para o estrangeiro) e não para o desenvolvimento do Brasil.
Existe uma contradição entre os objetivos da população brasileira para a Vale e os objetivos da “iniciativa privada”.
Para resolver esta contradição, não basta trocar o comando da Vale, substituindo um gerente de banco por um gerente de produção. É necessário mudar o caráter da propriedade privada, cujo fim é o lucro privado, pela propriedade estatal e social, cujo fim é o desenvolvimento do país e a melhoria das condições de vida da população e a defesa do meio ambiente.
Se o Governo Dilma quer de fato resolver esta contradição favoravelmente ao Brasil, tem todas as condições econômicas, políticas e legais para reestatizar a Vale.
Não pode ser que os interesses de um punhado de banqueiros esteja por cima dos interesses de 190 milhões de brasileiros.
Se o Governo Dilma, o PT e a CUT resolverem lutar pela reestatização da Vale, contarão com o apoio de todo o povo brasileiro. Caso não trilhem este caminho, estarão “mudando tudo para que tudo permaneça como está”. Significará a rendição completa do PT e da CUT à burguesia brasileira e ao imperialismo.
Se optar por este caminho é porque foi seduzido pelo brilho do poder e da riqueza. Terá prevalecido a cooptação do PT e da CUT pelo capital internacional e nacional. A tentação é grande, basta ver que os dois maiores contribuintes da campanha do PT e da Dilma em 2010 foram o Bradesco, que contribuiu com R$ 18.890.000,00 e a Vale, que contribuiu com outros R$ 18.380.000,00.
O Bradesco cedeu à contragosto ao retirar seu gerente do comando da Vale, para não perder regalias. Preferiu “entregar os anéis para não perder os dedos”. O Bradesco tem grandes negócios com o governo brasileiro, cuja rolagem da dívida pública lhe rende bilhões de reais anuais, além de acordos entre o Bradesco e o governo, como o do Banco Postal dos Correios Brasileiros, que está nas mãos do Bradesco e rende R$ 1 bilhão por ano.
Esperemos que todo este episódio não seja um acordo de cavalheiros entre o governo do PT, os banqueiros e os acionistas estrangeiros para “manter tudo como dantes no quartel de Abrantes”.
Demonstrará também que somente a classe trabalhadora pode resgatar a soberania brasileira, entregue pela burguesia brasileira ao capital internacional, no processo de privatização das estatais.
Nazareno Godeiro, coordenador nacional do ILAESE
São Paulo, 3 de abril de 2010
[1] Um incidente, relatado por Carlos Lessa (ex-presidente do BNDES na primeira gestão do Lula) na revista Retratos do Brasil de abril de 2008, mostra essa cara do Lula: “Comprei para impedir que o Mitsui ficasse com as ações da InvestVale [empresa que detinha as ações dos empregados da Vale], e passasse a ter direito de veto dentro da Valepar (sociedade que detém o controle acionário da Vale, onde está o BNDES, Bradesco, Mitsui e fundos de pensão das estatais). Se o Mitsui tivesse comprado estas ações, a Vale passaria a ser nipo-brasileira. Lula, que estava em viagem à África me telefonou chamando uma reunião. Eu fui. Estavam lá 4 ministros, que me criticaram muito. Lula disse: ‘Lessa, se eu estivesse na África e um jornalista me perguntasse se o governo brasileiro queria reestatizar a Vale eu diria que não. Mas parece que estávamos comprando a Vale naquele momento’.”
[2] Declarações publicadas no jornal O Estado de São Paulo, 3 de abril de 2011, caderno de economia, página Bb6
[3] Relatório anual da Vale 2008.
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