quinta-feira, 14 de abril de 2011

Crime e castigo

Male Asian elephant Black Diamond at Al G. Barnes Circus

Black Diamond and Homer D. "Curley" Pritchett, San Antonio 1928.
Photo: Tom Scapalanda. Buckles Woodcock colllection


São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 2011
Crime e castigo

ALDO PEREIRA

Em 12 de outubro de 1929, na cidade texana de Corsicana, uma mulher que assistia ao desembarque dos animais do circo de Al G. Barnes morreu pisoteada pelo elefante Black Diamond, quando este escapou de seus tratadores para atacá-la. Quatro dias depois desse incidente, o dono do circo cedeu à exigência popular de "execução" do elefante. Uma dúzia de pressurosos cidadãos abateu Black Diamond a tiros.
Na Bíblia, o preceito de retaliação ("olho por olho, dente por dente") inclui, em Êxodo 21:28-29, especificação que pode ter afligido o sr. Barnes ainda mais: "Se um boi matar a chifradas um homem ou uma mulher, será apedrejado e não se lhe comerá a carne; o dono do boi, porém, será inocentado. Mas se o boi costumava chifrar já antes, e o dono, mesmo advertido, não o mantinha fechado, e se este boi matar algum homem ou alguma mulher, o boi será apedrejado e o dono também será morto." Black Diamond era reincidente: em escapada anterior, matara três pessoas.
Certos crimes sempre inspiraram linchamentos e outras exigências coletivas de punição vingativa, esta muitas vezes racionalizada: pena de morte e prisão perpétua previnem reincidência; infamar e atormentar o condenado provem escarmento, presunção de que o exemplo inibirá potenciais delinquentes.
O moderno direito penal, porém, tende a favorecer prevenção do crime e a reabilitação do criminoso.
Continua válido, embora hipotético, o argumento de que punição exemplar inibe disposição criminosa em gente propensa a delinquir.
Mas impor sofrimento a delinquentes em nada satisfaz o interesse social; desconsiderada a vingança, interessa à sociedade apenas que os crimes não ocorram.
Na prevenção de reincidência pode não haver ainda alternativa plausível para, por exemplo, reclusão e concomitantes medidas disciplinares; para isolamento e vigilância no contato com visitas e advogados; para rastreamento por emprego de tornozeleira eletrônica. Mas, em tais casos, o decorrente sofrimento do réu é meramente incidental, não intencional.
Ponto controverso? Penalistas que se preparem para outros a caminho. Baseados no conhecimento atual da genética e da neurociência, filósofos naturalistas argumentam que a vida de cada pessoa é jogo necessariamente disputado com a mão de cartas recebidas do destino: o legado genético, social e financeiro dos pais, afeto e exemplos recebidos deles, os acertos e erros cometidos em nossa formação.
E, afora a decisiva influência parental, todas as oportunidades fortuitas, ao longo da existência, de amizades e inimizades, de amores e desamores, de sanidade e doença, de lucros e perdas.
Os naturalistas não propõem daí que sejamos todos inimputáveis.
Ainda assim, sustentam que o livre arbítrio, fundamento da responsabilidade ética e penal postulado há séculos por Epicuro (341-270 a.C.), por Lucrécio (circa 96-circa 55 a.C.) e por são Tomás de Aquino (1224-1274), é uma ilusão.
Qual o seu veredito?

ALDO PEREIRA é ex-editorialista e colaborador especial da Folha. E-mail: aldopereira.argumento@uol.com.br.

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