sábado, 23 de abril de 2011

É a hora do calote em série

Cartoon: Greece crisis crush the euro (medium) by svitalsky tagged greece,crisis,cartoon,euro,coin,area,column,svitalsky,svitalskybros,griechenland,krise,finanzkrise,wirtschaftskrise
São Paulo, sábado, 23 de abril de 2011

É a hora do calote em série

CLÓVIS ROSSI

A "D WORD" (a palavra default, jargão técnico para calote) já pode ser pronunciada em voz alta. Deu até no sóbrio "Financial Times", na forma de reprodução de um correio eletrônico atribuído ao Citigroup que anuncia para este fim de semana o calote da Grécia.
Nada que surpreenda o leitor atento desta Folha. No mês passado, a convite do governo alemão, participei de um seminário sobre a crise no qual ouvi de Thomas Mayer, economista-chefe do Deutsche Bank, a avaliação de que os pacotes de socorro que a União Europeia/ Fundo Monetário Internacional haviam aprovado não resolviam o essencial: como os países socorridos conseguiriam pagar suas dívidas.
Como? Resposta de Mayer: com um calote, que ele sugeria parcial. Falava em 30% de desconto, para o caso da Grécia.
Mas o raciocínio obviamente valia para a Irlanda, o outro país já beneficiado (ou vítima) de um pacote europeu, e para Portugal, que pediu um mais recentemente.
Tudo isso saiu na Folha na ocasião, acompanhado de um raciocínio indestrutível. O calote, agora, não é um recurso ideológico contra a ganância dos rentistas, mas uma inevitabilidade, diante das circunstâncias.
Que circunstâncias? Simples: a Grécia, um ano depois de ter recebido ajuda (110 bilhões, o que está longe de ser pouco dinheiro), continua patinando economicamente e continua pagando juros insuportáveis (23% na quinta-feira, mais que o dobro dos 10,2% que pagava antes de ser socorrida).
Quer dizer o seguinte: os europeus deram aos gregos (em condições que não são exatamente de pai para filho) uma pilha de dinheiro para que os mercados estivessem avisados de que havia butim a ser colhido, o que, em tese, deveria levar a que reduzissem os juros.
Mas, tanto quanto o economista-chefe do Deutsche Bank, todos os demais credores sabiam que a Grécia não conseguiria conviver com um programa de austeridade violento, que minava suas já reduzidas chances de crescimento, e, ao mesmo tempo, pagar toda a dívida. Então, cobram antecipadamente a perda que terão com o calote que julgam inevitável.
É um jogo cínico? É. Mas é o preço que os governos -e a sociedade- estão pagando por não terem sabido impor a primazia do político sobre os mercados.
O filósofo húngaro Karl Polanyi (1886/1964) já antevia que essa cessão era a porta de entrada para o fascismo, o que introduz o segundo país a muito provavelmente entrar na fila da "d word", Portugal.
Acontece que, na Finlândia, a extrema-direita fascistóide conseguiu domingo um resultado eleitoral espetacular (19% dos votos), o suficiente para catapultá-la a um governo de coalizão, que é a tradição finlandesa. Acontece também que os "Autênticos Finlandeses", o nome do grupo, são contra a ajuda que a UE está discutindo para Portugal.
Ora, como a ajuda tem de ser aprovada unanimemente pelos países que usam o euro, caso da Finlândia, se ela não sair, Portugal, como a Grécia, ficará quase obrigado a recorrer ao calote.
Daí para o contágio a outras economias, pode ser um passo -um passo que criará tremenda turbulência global, à qual o Brasil não poderá ficar imune.

Nenhum comentário:

Postar um comentário