Cabe uma observação para este artigo abaixo: O WikiLeaks não violou nada, não invadiu nenhum sistema.
Quem o fez foi um soldado do exécito dos EUA que baixou estes documentos e o forneceu ao WikiLeaks. O WikiLeaks apenas os está divulgando. Isto deve estar claro!
Quinta-feira, 7 de dezembro de 2010
WIKILEAKS
O furo e a ética do coletivo
WIKILEAKS
O furo e a ética do coletivo
Por Washington Araújo
Os Estados Unidos parece ter embarcado no século 21 sob a égide dos vazamentos. Em fins de abril de 2010, uma maré negra de petróleo atingiu a costa do estado americano de Louisiana e se alastrou por outros quatro estados da costa do Golfo do México, vazando de um poço que despejou no mar de forma contínua durante exatos 87 dias nada menos que 4 milhões de litros petróleo. Essa catástrofe começou com uma explosão que matou 11 trabalhadores, em 20 de abril. Além da tragédia ambiental, o prejuízo financeiro fez a British Petroleum perder US$ 70 bilhões em seu valor de mercado. No coração do capitalismo mundial esta cifra dá conta dos contornos da desgraça.
Há uma semana alguns dos principais jornais do mundo vêm publicando o mais impressionante acervo de documentos diplomáticos vazados de embaixadas norte-americanas ao redor do mundo. O impressionante estoque de "mal-estar escrito" foi conseguido e vem sendo divulgado pela organização WikiLeaks (www.wikileaks.org). São exatos 251.287 itens. Todos com a marca oficial do governo americano. É no mínimo instigante constatar que os jornais que divulgaram os arquivos confidenciais foram simplesmente os maiores do mundo, seja em circulação, seja em tradição, como é o caso do The New York Times, dos Estados Unidos, El País, da Espanha, Le Monde, da França, Der Spiegel, da Alemanha, e The Guardian, da Inglaterra. No Brasil, o jornal que publica o material é a Folha de S.Paulo.
Do total de documentos, 1.947 foram emitidos pela embaixada dos EUA em Brasília, 777 de São Paulo, 119 do Rio de Janeiro e 12 do Recife. As relações diplomáticas Brasil-EUA são desnudadas em 2.855 documentos. Do que já foi divulgado ficamos sabendo que o então embaixador dos EUA no país, Clifford Sobel, informou à Casa Branca, em 2008, que o Brasil disfarça a prisão de terroristas. E que o Itamaraty era referido pelo embaixador americano como uma entidade de inclinação antiamericana, como um nicho adversário no governo brasileiro. O embaixador cuidou de colocar no papel que nosso ministro da Defesa Nelson Jobim deveria ser visto como "um aliado dos Estados Unidos". Noutro dia o jornal paulista revelou documentos em que a embaixada dos EUA em Brasília faziam duras críticas à Estratégia Nacional de Defesa, lançada em 2008.
Métrica das aparênciasA imprensa tem se limitado a publicar os documentos, se atendo quase que exclusivamente ao seu conteúdo que, por si só, já é suficiente para causar embaraço aos governos e autoridades neles mencionados. Chama atenção o fato que nosso jornalismo tão marcadamente opinativo parece haver decretado férias coletivas. O fato é que os juízos de valor, sempre com tendência para o exagero e a contundência, são de todo escassos.
O leitor já parou para pensar se o protagonista do evento não fosse Washington e em seu lugar estivesse no olho do furacão... Brasília? Com certeza teríamos capas dos grandes jornais mostrando indignação, acusando o governo de total incompetência e amadorismo na condução de sua diplomacia. Não faltariam editoriais lança-chamas pedindo a cabeça do chanceler Celso Amorim e analistas estariam fazendo as mais sombrias reflexões sobre o embuste que é o nosso Itamaraty, dado de barato como tendo sido aparelhado politicamente à enésima potência – e por aí vai.
Capas das revistas semanais tratariam de colocar uma penca de polvos habitando a piscina da Casa de Rio Branco e as matérias internas trariam entrevistas robustas com o ex-ministro Celso Lafer, textos contundentes e um tanto desfocados do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No Congresso Nacional a confusão estaria armada com a circulação de listas de assinaturas pedindo assinaturas além dos costumeiros pronunciamentos inflamados contra o ministro Amorim, de forma a que o parlamentar oposicionista mais pautado pela calma que nesses momentos se exige estaria exigindo sua imediata demissão.
Acontece que foi nos Estados Unidos. Onde tudo parece superlativo. País com apenas 5% da população mundial e que é responsável por 32% do consumo global. Trocando em miúdos, se o mundo inteiro consumisse como os americanos, o planeta só suportaria 1,4 bilhões de pessoas. É o país em que o consumo de energia elétrica de um norte-americano equivale ao de quinhentos indianos. E que detêm em suas fronteiras megaempresas que estão na vanguarda da revolução tecnológica como a Apple e a Microsoft.
Quando ficamos sabendo do conteúdo do Wikileaks e da forma como são coletadas informações sobre países como o Brasil, a maneira jocosa com que tratam nosso governo e nossas instituições, a importância desmesurada que se concede às pequenas vaidades dos governantes, podemos entender melhor que provavelmente o maior objetivo dos Estados Unidos é conscientizar o consumo dos países pobres para que o consumismo em seu território continue desenfreado; e julgam que este processo ocorre, pois necessitam mais das matrizes energéticas e das fontes naturais.
Como um país tão rico, tão senhor de si e tão convencido de que é o umbigo do mundo, não consegue guardar consigo o que ele mesmo classifica como reservado, confidencial e secreto? Um país que não consegue separar a cozinha da sala e esta do quarto apenas demonstra sua fragilidade interior. Porque continua, como sempre fez, a confundir um anão com uma criança de tenra idade. Vive no mundo das aparências e sua métrica é apenas a das aparências. Com embaixadas tão guarnecidas, tão pesadamente prontas para receber os mais letais ataques, ainda assim não consegue conservar consigo o que nesses ambientes se produz por excelência – informação.
Desconhecemos que foi ao longo dos tempos que o ser humano conseguiu conquistar seu espaço privativo e o direito de resguardar sua intimidade? Com as instituições e os governos deve ser diferente? No Brasil, o assunto é encampado em nossa Constituição Federal, com os chamados direitos da personalidade. No artigo 5º, inciso X da Constituição encontramos abrigo ao direito à reserva da intimidade, assim como ao da vida privada. E a intimidade, segundo teóricos do Direito, consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.
Jornalismo saudávelAs transformações pelas quais perpassa a humanidade nos últimos vinte anos, porém, criaram desafios à eficácia dos direitos da personalidade, notadamente ao direito à privacidade. Além de o indivíduo passar a ser visto não mais isolado de seu contexto, a explosão das comunicações veio trazer à tona novos debates, que chegam tarde dada a velocidade astronômica com que as novidades tecnológicas se incorporaram ao dia a dia das pessoas. É fato – e o Wikileaks constitui robusta prova – que a internet permitiu o surgimento de uma nova forma de correspondência, o chamado correio eletrônico. Fácil e eficiente, tornou-se ferramenta essencial. Tanto que parte considerável dos 251.287 documentos diplomáticos conseguidos pela Wikileaks é constituída por mensagens eletrônicas.
Feitas estas observações, considero igualmente importante debater o papel da imprensa em relação ao Wikileaks. Será legítimo, constituirá um serviço à sociedade, servir como braço mecânico e prolongado de quem surrupiou informações confidenciais de governos e de suas autoridades para colocá-las ao alcance de todos? Onde é que começa o ato criminoso... e onde termina? O braço mecânico – o ente que divulga – tem vida própria ou segue a lógica inicial de quem acessa documentos privados?
Como estamos conhecendo o conteúdo de apenas duas dezenas desses documentos diplomáticos, ainda é cedo para afirmar que muitos desses poderão agravar a instabilidade política no mundo, na medida em que tornam públicos sentimentos que antes existiam apenas em esfera privada. Qual a diferença entre ter minha residência invadida ou meu computador pessoal invadido e assim, sem mais nem menos, tomar conhecimento de que estranhos acessam facilmente as 5.334 mensagens eletrônicas existentes em meu provedor de internet? E se parte dessas mensagens forem parar na Folha de S.Paulo... que prejuízo isso me traria? Quem seria responsabilizado por isso? Apenas o criminoso invasor ou também quem, sabendo se tratar de documentos de natureza particular – portanto, confidenciais – os difunde? E, se por motivo que desconheço, viesse a ser chantageado ou mesmo lesado financeiramente pelo fato de que em um dos 5.334 documentos fossem encontrados dados bancários sensíveis como agência, senha, três letras etc. etc.?
Mais do que circunscrever o episódio Wikileaks apenas a um furo jornalístico de dimensões atlânticas, há que se enveredar pelo debate inescapável – a questão da ética. Porque há momentos em que a ética do indivíduo também pode ser alargada a ponto de vir a ser a ética do coletivo. E mais que proteger a parte, há que se proteger o todo. Porque o que infelicita a parte infelicita o todo.
O leitor desavisado – ou aquele dado a ler sempre na diagonal – pode pensar que tomei partido por um dos lados: (1) os que recriminam a imprensa pela divulgação; (2) os que aplaudem a imprensa pela divulgação. Em casos de dois lados, como sempre, pode haver um terceiro: é um jornalismo saudável este que acredita que os fins (divulgar ao público documentos confidenciais e não autorizados) justificam os meios (quebrar protocolos de segurança, infringir a privacidade alheia, roubar dados e informações, bisbilhotar o que não lhe é de direito)?
Há uma semana alguns dos principais jornais do mundo vêm publicando o mais impressionante acervo de documentos diplomáticos vazados de embaixadas norte-americanas ao redor do mundo. O impressionante estoque de "mal-estar escrito" foi conseguido e vem sendo divulgado pela organização WikiLeaks (www.wikileaks.org). São exatos 251.287 itens. Todos com a marca oficial do governo americano. É no mínimo instigante constatar que os jornais que divulgaram os arquivos confidenciais foram simplesmente os maiores do mundo, seja em circulação, seja em tradição, como é o caso do The New York Times, dos Estados Unidos, El País, da Espanha, Le Monde, da França, Der Spiegel, da Alemanha, e The Guardian, da Inglaterra. No Brasil, o jornal que publica o material é a Folha de S.Paulo.
Do total de documentos, 1.947 foram emitidos pela embaixada dos EUA em Brasília, 777 de São Paulo, 119 do Rio de Janeiro e 12 do Recife. As relações diplomáticas Brasil-EUA são desnudadas em 2.855 documentos. Do que já foi divulgado ficamos sabendo que o então embaixador dos EUA no país, Clifford Sobel, informou à Casa Branca, em 2008, que o Brasil disfarça a prisão de terroristas. E que o Itamaraty era referido pelo embaixador americano como uma entidade de inclinação antiamericana, como um nicho adversário no governo brasileiro. O embaixador cuidou de colocar no papel que nosso ministro da Defesa Nelson Jobim deveria ser visto como "um aliado dos Estados Unidos". Noutro dia o jornal paulista revelou documentos em que a embaixada dos EUA em Brasília faziam duras críticas à Estratégia Nacional de Defesa, lançada em 2008.
Métrica das aparênciasA imprensa tem se limitado a publicar os documentos, se atendo quase que exclusivamente ao seu conteúdo que, por si só, já é suficiente para causar embaraço aos governos e autoridades neles mencionados. Chama atenção o fato que nosso jornalismo tão marcadamente opinativo parece haver decretado férias coletivas. O fato é que os juízos de valor, sempre com tendência para o exagero e a contundência, são de todo escassos.
O leitor já parou para pensar se o protagonista do evento não fosse Washington e em seu lugar estivesse no olho do furacão... Brasília? Com certeza teríamos capas dos grandes jornais mostrando indignação, acusando o governo de total incompetência e amadorismo na condução de sua diplomacia. Não faltariam editoriais lança-chamas pedindo a cabeça do chanceler Celso Amorim e analistas estariam fazendo as mais sombrias reflexões sobre o embuste que é o nosso Itamaraty, dado de barato como tendo sido aparelhado politicamente à enésima potência – e por aí vai.
Capas das revistas semanais tratariam de colocar uma penca de polvos habitando a piscina da Casa de Rio Branco e as matérias internas trariam entrevistas robustas com o ex-ministro Celso Lafer, textos contundentes e um tanto desfocados do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. No Congresso Nacional a confusão estaria armada com a circulação de listas de assinaturas pedindo assinaturas além dos costumeiros pronunciamentos inflamados contra o ministro Amorim, de forma a que o parlamentar oposicionista mais pautado pela calma que nesses momentos se exige estaria exigindo sua imediata demissão.
Acontece que foi nos Estados Unidos. Onde tudo parece superlativo. País com apenas 5% da população mundial e que é responsável por 32% do consumo global. Trocando em miúdos, se o mundo inteiro consumisse como os americanos, o planeta só suportaria 1,4 bilhões de pessoas. É o país em que o consumo de energia elétrica de um norte-americano equivale ao de quinhentos indianos. E que detêm em suas fronteiras megaempresas que estão na vanguarda da revolução tecnológica como a Apple e a Microsoft.
Quando ficamos sabendo do conteúdo do Wikileaks e da forma como são coletadas informações sobre países como o Brasil, a maneira jocosa com que tratam nosso governo e nossas instituições, a importância desmesurada que se concede às pequenas vaidades dos governantes, podemos entender melhor que provavelmente o maior objetivo dos Estados Unidos é conscientizar o consumo dos países pobres para que o consumismo em seu território continue desenfreado; e julgam que este processo ocorre, pois necessitam mais das matrizes energéticas e das fontes naturais.
Como um país tão rico, tão senhor de si e tão convencido de que é o umbigo do mundo, não consegue guardar consigo o que ele mesmo classifica como reservado, confidencial e secreto? Um país que não consegue separar a cozinha da sala e esta do quarto apenas demonstra sua fragilidade interior. Porque continua, como sempre fez, a confundir um anão com uma criança de tenra idade. Vive no mundo das aparências e sua métrica é apenas a das aparências. Com embaixadas tão guarnecidas, tão pesadamente prontas para receber os mais letais ataques, ainda assim não consegue conservar consigo o que nesses ambientes se produz por excelência – informação.
Desconhecemos que foi ao longo dos tempos que o ser humano conseguiu conquistar seu espaço privativo e o direito de resguardar sua intimidade? Com as instituições e os governos deve ser diferente? No Brasil, o assunto é encampado em nossa Constituição Federal, com os chamados direitos da personalidade. No artigo 5º, inciso X da Constituição encontramos abrigo ao direito à reserva da intimidade, assim como ao da vida privada. E a intimidade, segundo teóricos do Direito, consiste na faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.
Jornalismo saudávelAs transformações pelas quais perpassa a humanidade nos últimos vinte anos, porém, criaram desafios à eficácia dos direitos da personalidade, notadamente ao direito à privacidade. Além de o indivíduo passar a ser visto não mais isolado de seu contexto, a explosão das comunicações veio trazer à tona novos debates, que chegam tarde dada a velocidade astronômica com que as novidades tecnológicas se incorporaram ao dia a dia das pessoas. É fato – e o Wikileaks constitui robusta prova – que a internet permitiu o surgimento de uma nova forma de correspondência, o chamado correio eletrônico. Fácil e eficiente, tornou-se ferramenta essencial. Tanto que parte considerável dos 251.287 documentos diplomáticos conseguidos pela Wikileaks é constituída por mensagens eletrônicas.
Feitas estas observações, considero igualmente importante debater o papel da imprensa em relação ao Wikileaks. Será legítimo, constituirá um serviço à sociedade, servir como braço mecânico e prolongado de quem surrupiou informações confidenciais de governos e de suas autoridades para colocá-las ao alcance de todos? Onde é que começa o ato criminoso... e onde termina? O braço mecânico – o ente que divulga – tem vida própria ou segue a lógica inicial de quem acessa documentos privados?
Como estamos conhecendo o conteúdo de apenas duas dezenas desses documentos diplomáticos, ainda é cedo para afirmar que muitos desses poderão agravar a instabilidade política no mundo, na medida em que tornam públicos sentimentos que antes existiam apenas em esfera privada. Qual a diferença entre ter minha residência invadida ou meu computador pessoal invadido e assim, sem mais nem menos, tomar conhecimento de que estranhos acessam facilmente as 5.334 mensagens eletrônicas existentes em meu provedor de internet? E se parte dessas mensagens forem parar na Folha de S.Paulo... que prejuízo isso me traria? Quem seria responsabilizado por isso? Apenas o criminoso invasor ou também quem, sabendo se tratar de documentos de natureza particular – portanto, confidenciais – os difunde? E, se por motivo que desconheço, viesse a ser chantageado ou mesmo lesado financeiramente pelo fato de que em um dos 5.334 documentos fossem encontrados dados bancários sensíveis como agência, senha, três letras etc. etc.?
Mais do que circunscrever o episódio Wikileaks apenas a um furo jornalístico de dimensões atlânticas, há que se enveredar pelo debate inescapável – a questão da ética. Porque há momentos em que a ética do indivíduo também pode ser alargada a ponto de vir a ser a ética do coletivo. E mais que proteger a parte, há que se proteger o todo. Porque o que infelicita a parte infelicita o todo.
O leitor desavisado – ou aquele dado a ler sempre na diagonal – pode pensar que tomei partido por um dos lados: (1) os que recriminam a imprensa pela divulgação; (2) os que aplaudem a imprensa pela divulgação. Em casos de dois lados, como sempre, pode haver um terceiro: é um jornalismo saudável este que acredita que os fins (divulgar ao público documentos confidenciais e não autorizados) justificam os meios (quebrar protocolos de segurança, infringir a privacidade alheia, roubar dados e informações, bisbilhotar o que não lhe é de direito)?
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