Carta Capital, 12 de Dezembro de 2010
A democracia cultural
Por Emir Sader
O modelo econômico social - com as adequações que já começaram a ser colocadas em prática –, que claramente deu certo, deverá continuar a ser a referência fundamental para o próximo governo. Questões fundamentais passarão as vinculadas aos valores que devem predominar em uma sociedade que tem se transformado aceleradamente em toda a década que termina.
Uma expressão da importância dessa esfera foi dada pela campanha eleitoral, em que a comparação entre os governos FHC e Lula era avassaladoramente favorável a este último, o que levou a oposição a buscar um atalho de deslocamento para explorar preconceitos no plano dos valores de setores da classe média, mas também de setores populares. Daí a diferença entre o índice de popularidade do governo Lula e a votação que a Dilma conseguiu.
Os valores predominantes na sociedade brasileira, produto das transformações que o neoliberalismo impôs, foram provenientes do “modo de vida norteamericano”, assentado na competição individual no mercado de todos contra todos. Uma visão segunda a qual “tudo tem preço”, “tudo se vende, tudo se compra”, tudo é mercadoria. Uma visão que incentiva o consumidor em detrimento do cidadão, o mercado às custas dos direitos , a esfera mercantil contra a esfera pública.
Os avanços econômicos e sociais geram a base para que os valores predominantes na sociedade brasileira possam mudar nos seus fundamentos. O apoio do povo brasileiro ao governo Lula é resultado do papel essencial que o governo passou a dar aos direitos de todos, independentemente do nível de renda, governando para todos e não apenas para aqueles que têm poder de renda, aqueles que conseguem ter acesso ao consumo por meio do mercado.
Os valores implícitos no modelo econômico e social do governo Lula são os da preponderância do direito sobre a competição, são os direitos de todos e não apenas dos que possuem poder de renda adquirida no mercado. São os dos direitos para todos, do governo para todos, da cidadania estendida a todos. O da reestruturação do Estado em torno dos interesses públicos e sua desmercantilização, sua desfinanceirização.
Os valores que deveriam nortear os novos contornos da sociedade brasileira, de uma sociedade mais justa, deveriam ser os de solidariedade, justiça social, desenvolvimento econômico e social, soberania política, cidadania, direitos para todos. O neoliberalismo buscou mercantilizar tudo, concentrando aceleradamente as riquezas, atentando gravemente contra a democracia, contra o acesso aos direitos para todos.
A construção dos valores de uma nova solidariedade é decisiva para consolidar os avanços econômicos e sociais dos últimos anos, porque é no plano da consciência, dos valores, das ideias, dos costumes e hábitos que regem as vidas das pessoas, que se constroem as formas de sociabilidade. Desmercantilizar é democratizar, é superar o filtro do mercado, que seleciona os que têm poder de acesso a bens, para estender esse direito a todos. É privilegiar a esfera dos direitos em oposição à esfera mercantil.
Na esfera mercantil triunfa quem tem maior poder aquisitivo, uma esfera centrada no consumidor. Na esfera pública todos têm direitos, uma esfera centrada no cidadão. Essa a grande transformação que o Brasil precisa viver nos próximos anos, para se tornar uma democracia não apenas nos planos econômico e social, mas também no plano cultural.
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Carta Capital, 09 de Dezembro de 2010
Obama e Lula
Por Emir Sader
A perda rápida de prestigio de Obama revela duas coisas: a primeira é que se pode ganhar eleição centrado no marketing, mas não se pode governar centrado no marketing. A segunda é que não se muda a mentalidade conservadora, forjada durante décadas, em uma campanha eleitoral, embora se possa avançar nessa direção, contanto que esses avanços sejam consolidados por politicas governamentais.
Apesar do enorme apoio popular e mesmo dos meios de comunicação e do apoio irrisório com que contava Bush no momento das eleições, Obama venceu por uma margem pequena de votos – 4%. O que refletia a enorme virada conservadora que os EUA tinham sofrido várias décadas antes – desde a vitória de Nixon, em 1968, apelando para a chamada “maioria silenciosa”. Não apenas a opinião publica deu uma virada conservadora, como as estruturas de poder – da Justiça à educação – que passaram, por sua vez, a consolidar um pensamento de direita no conjunto da sociedade.
Na presidência, Obama não se mostrou à altura das suas promessas. Salvou o sistema bancário, com a ilusão de que este salvaria o país e deixou abandonadas as vítimas principais da crise: os desempregados e os devedores das hipotecas bancárias. Na politica externa, mudou a linguagem, mas não os pontos essenciais da estratégia imperial: Cuba, Guantanamo, Iraque, Afeganistão.
Foi penalizado, à esquerda – com a abstenção e a desilusão – e à direita – com forte mobilização conservadora – e perdeu a maioria eleitoral, ficou em minoria na Câmara, terminando penosamente sua lua-de-mel com o eleitorado.
O marketing tinha possibilitado sua vitória, mas ela não se consolidou com política que se enfrentasse à hegemonia conservadora na sociedade, mesmo dispondo da crise social para demonstrar politicas distintas de enfrentamento da crise.
No Brasil, ao contrário, o marketing eleitoral foi positivo, porque se assentava em um governo enraizado fortemente nas camadas majoritárias da população, beneficiárias das politicas sociais. A comparação entre os governos FHC e Lula era inquestionavelmente favorável a este último, em todos os níveis. Daí que a oposição buscou um atalho para chegar a setores da população através da exploração de preconceitos de caráter religioso. A retomada da esfera politica como essencial, determinou finalmente a vitória de Dilma.
A diferença entre Lula e Obama é que, com o primeiro, o marketing está apoiado em medidas concretas de um governo de caráter popular, cujas políticas defenderam os direitos da população durante a crise e estendem esses direitos com seu modelo econômico e social. Por isso Lula saiu vitorioso e Obama foi derrotado. Lula fortaleceu os bancos públicos para combater a crise, enquanto Obama confiou em que a recuperação dos bancos privados em crise alavancaria a recuperação da economia, se equivocou e foi derrotado.
Uma imagem eleitoral pode ser construída tecnicamente, porém só se sustenta se estiver apoiada em um governo e em uma liderança sólida e coerente politicamente.
Apesar do enorme apoio popular e mesmo dos meios de comunicação e do apoio irrisório com que contava Bush no momento das eleições, Obama venceu por uma margem pequena de votos – 4%. O que refletia a enorme virada conservadora que os EUA tinham sofrido várias décadas antes – desde a vitória de Nixon, em 1968, apelando para a chamada “maioria silenciosa”. Não apenas a opinião publica deu uma virada conservadora, como as estruturas de poder – da Justiça à educação – que passaram, por sua vez, a consolidar um pensamento de direita no conjunto da sociedade.
Na presidência, Obama não se mostrou à altura das suas promessas. Salvou o sistema bancário, com a ilusão de que este salvaria o país e deixou abandonadas as vítimas principais da crise: os desempregados e os devedores das hipotecas bancárias. Na politica externa, mudou a linguagem, mas não os pontos essenciais da estratégia imperial: Cuba, Guantanamo, Iraque, Afeganistão.
Foi penalizado, à esquerda – com a abstenção e a desilusão – e à direita – com forte mobilização conservadora – e perdeu a maioria eleitoral, ficou em minoria na Câmara, terminando penosamente sua lua-de-mel com o eleitorado.
O marketing tinha possibilitado sua vitória, mas ela não se consolidou com política que se enfrentasse à hegemonia conservadora na sociedade, mesmo dispondo da crise social para demonstrar politicas distintas de enfrentamento da crise.
No Brasil, ao contrário, o marketing eleitoral foi positivo, porque se assentava em um governo enraizado fortemente nas camadas majoritárias da população, beneficiárias das politicas sociais. A comparação entre os governos FHC e Lula era inquestionavelmente favorável a este último, em todos os níveis. Daí que a oposição buscou um atalho para chegar a setores da população através da exploração de preconceitos de caráter religioso. A retomada da esfera politica como essencial, determinou finalmente a vitória de Dilma.
A diferença entre Lula e Obama é que, com o primeiro, o marketing está apoiado em medidas concretas de um governo de caráter popular, cujas políticas defenderam os direitos da população durante a crise e estendem esses direitos com seu modelo econômico e social. Por isso Lula saiu vitorioso e Obama foi derrotado. Lula fortaleceu os bancos públicos para combater a crise, enquanto Obama confiou em que a recuperação dos bancos privados em crise alavancaria a recuperação da economia, se equivocou e foi derrotado.
Uma imagem eleitoral pode ser construída tecnicamente, porém só se sustenta se estiver apoiada em um governo e em uma liderança sólida e coerente politicamente.
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