Sábado, 18 de Dezembro de 2010
Áreas rurais concentram 75% da pobreza mundial
Nova York (IPS) – Por todo o mundo, camponeses estão sendo apanhados em um círculo vicioso: os governos não investem o suficiente na agricultura e os produtores locais estão sendo expulsos de suas terras e lançados em periferias urbanas onde se afundam ainda mais na pobreza. Isso só dificulta os esforços para aliviar o problema da desnutrição: em todo o mundo, 925 milhões de pessoas seguem sofrendo fome crônica, segundo dados divulgados em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
Olivier de Schutter, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direito à alimentação, assinalou que a solução mais sustentável é incrementar os investimentos agrícolas nos países em desenvolvimento do Sul para melhorar a renda dos camponeses e dar-lhes uma maior estabilidade no setor. De Schutter, que trabalha de forma independente, foi designado em maio de 2008 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra. Desde então, visitou a Nicarágua, Guatemala, Brasil, Benin e Síria. Segue a entrevista que ele concedeu a IPS:
IPS: Qual a importância da agricultura nas economias dos países em desenvolvimento?
Vários países em desenvolvimento dependem demasiadamente de um punhado de matérias primas, como o algodão, o café, o tabaco e o açúcar. Isso os torna muito vulneráveis a mudanças dos preços desses produtos e também significa que têm uma tendência a investir muito nestes cultivos para sua exportação e menos para o consumo local. Esse é o caso de quase todos os países da África Subsaariana. Neste contexto, eu estou sugerindo a esses países que façam duas coisas: primeiro, investir na agricultura para produzir alimentos internamente e, assim, tornar-se menos vulnerável no futuro aos aumentos de preços no mercado de alimentos, uma medida fundamental para a sua segurança alimentar.
Segundo, que diversifiquem suas economias para ter um setor secundário (a indústria) e outro terciário (os serviços) que possam absorver a mão de obra excedente e diminuir a dependência de um pacote limitado de cultivos de exportação como fonte de renda.
IPS: Uma maior produtividade agrícola impulsionaria as economias de alguns dos países mais pobres na África e Ásia?
Os investimentos na produtividade agrícola podem ser fundamentais se beneficiarem os camponeses, que são os mais pobres. Cerca de 75% da pobreza mundial está concentrada em áreas rurais. Melhorar a renda dessas pessoas fará com que comprem mais de produtores e provedores de serviços locais, com um importante efeito multiplicador nas economias, beneficiando também os setores da indústria e de serviços em seus respectivos países.
IPS: Que tipo de investimento está recomendando?
São necessários investimentos públicos e privados. Os países simplesmente não tem o orçamento necessário, muitos carecem de recursos. Certos investimentos provavelmente devem ser feitos pelo Estado, já que não existem incentivos ou são débeis para o setor privado. Por exemplo, os estados deveriam desenvolver serviços de extensão rural, infraestrutura e pesquisa agrícola. Deveriam criar escolas agrárias e apoiar organizações e cooperativas de camponeses.
Os investimentos do setor privado também são importantes e podem complementar os do setor público. Mas não devem tomar a forma de aquisições ou de compra de terra em grande escala, pois isso pode causar enormes perturbações sociais e políticas, constituindo um retrocesso nos esforços para melhorar o acesso a terras por parte dos pobres que, em geral, já tem pouco para cultivar. Então, qual é a alternativa? Creio que certas formas de contratos agrícolas podem garantir importantes benefícios para os camponeses, possibilitando que sejam apoiados por investimento e garantam o acesso à terra.
IPS: De quanto exatamente necessita a agricultura e quanto está sendo investido hoje? Qual é o déficit?
Estima-se que, para relançar a agricultura na África Subsaariana e cobrir 30 anos de esquecimento, são necessários entre 35 e 45 bilhões de dólares anuais durante um período de cinco anos (2010-2015). Isso é mais do que se prometeu até agora e, de fato, pouco dinheiro foi prometido para essa finalidade.
IPS: Quais são algumas das soluções para esta falta de responsabilidade?
A participação dos parlamentos nacionais e de organizações da sociedade civil, incluindo grupos de camponeses, pode ser muito importante para garantir que os governos tomem decisões bem informadas na base de uma adequada compreensão sobre o que os pobres necessitam. Eu recomendo a adoção de estratégias que sejam desenvolvidas em marcos participativos, por meio dos quais os governos estabeleçam pontos de referência para eles mesmos dentro de um prazo determinado e atribuam responsabilidades em diversos departamentos para a adição das medidas necessárias para atingir tais metas. Isso aumenta a responsabilidade do governo, já que terá que justificar a ausência de ações e explicar por que não cumpriu as metas que fixou para si mesmo.
IPS: O alimento pode ser usado como arma de guerra?
Pode sim. Interromper o transporte de ajuda alimentar a zonas afetadas pela guerra sob o pretexto de que a ajuda poderia terminar em mãos de guerrilheiros, matar de fome uma população para castigá-la por ser hostil ao governo central ou destruir cultivos para privar as pessoas de alimentos são graves violações aos direitos humanos. Em alguns casos podem constituir crimes de guerra ou contra a humanidade. No entanto, o mais frequente é o uso de alimentos como ferramenta política, para recompensar partidários e castigar adversários.
Tradução: Katarina Peixoto
Áreas rurais concentram 75% da pobreza mundial
Cléo Fatoorehchi - IPS
Nova York (IPS) – Por todo o mundo, camponeses estão sendo apanhados em um círculo vicioso: os governos não investem o suficiente na agricultura e os produtores locais estão sendo expulsos de suas terras e lançados em periferias urbanas onde se afundam ainda mais na pobreza. Isso só dificulta os esforços para aliviar o problema da desnutrição: em todo o mundo, 925 milhões de pessoas seguem sofrendo fome crônica, segundo dados divulgados em setembro pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).
Olivier de Schutter, relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direito à alimentação, assinalou que a solução mais sustentável é incrementar os investimentos agrícolas nos países em desenvolvimento do Sul para melhorar a renda dos camponeses e dar-lhes uma maior estabilidade no setor. De Schutter, que trabalha de forma independente, foi designado em maio de 2008 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, com sede em Genebra. Desde então, visitou a Nicarágua, Guatemala, Brasil, Benin e Síria. Segue a entrevista que ele concedeu a IPS:
IPS: Qual a importância da agricultura nas economias dos países em desenvolvimento?
Vários países em desenvolvimento dependem demasiadamente de um punhado de matérias primas, como o algodão, o café, o tabaco e o açúcar. Isso os torna muito vulneráveis a mudanças dos preços desses produtos e também significa que têm uma tendência a investir muito nestes cultivos para sua exportação e menos para o consumo local. Esse é o caso de quase todos os países da África Subsaariana. Neste contexto, eu estou sugerindo a esses países que façam duas coisas: primeiro, investir na agricultura para produzir alimentos internamente e, assim, tornar-se menos vulnerável no futuro aos aumentos de preços no mercado de alimentos, uma medida fundamental para a sua segurança alimentar.
Segundo, que diversifiquem suas economias para ter um setor secundário (a indústria) e outro terciário (os serviços) que possam absorver a mão de obra excedente e diminuir a dependência de um pacote limitado de cultivos de exportação como fonte de renda.
IPS: Uma maior produtividade agrícola impulsionaria as economias de alguns dos países mais pobres na África e Ásia?
Os investimentos na produtividade agrícola podem ser fundamentais se beneficiarem os camponeses, que são os mais pobres. Cerca de 75% da pobreza mundial está concentrada em áreas rurais. Melhorar a renda dessas pessoas fará com que comprem mais de produtores e provedores de serviços locais, com um importante efeito multiplicador nas economias, beneficiando também os setores da indústria e de serviços em seus respectivos países.
IPS: Que tipo de investimento está recomendando?
São necessários investimentos públicos e privados. Os países simplesmente não tem o orçamento necessário, muitos carecem de recursos. Certos investimentos provavelmente devem ser feitos pelo Estado, já que não existem incentivos ou são débeis para o setor privado. Por exemplo, os estados deveriam desenvolver serviços de extensão rural, infraestrutura e pesquisa agrícola. Deveriam criar escolas agrárias e apoiar organizações e cooperativas de camponeses.
Os investimentos do setor privado também são importantes e podem complementar os do setor público. Mas não devem tomar a forma de aquisições ou de compra de terra em grande escala, pois isso pode causar enormes perturbações sociais e políticas, constituindo um retrocesso nos esforços para melhorar o acesso a terras por parte dos pobres que, em geral, já tem pouco para cultivar. Então, qual é a alternativa? Creio que certas formas de contratos agrícolas podem garantir importantes benefícios para os camponeses, possibilitando que sejam apoiados por investimento e garantam o acesso à terra.
IPS: De quanto exatamente necessita a agricultura e quanto está sendo investido hoje? Qual é o déficit?
Estima-se que, para relançar a agricultura na África Subsaariana e cobrir 30 anos de esquecimento, são necessários entre 35 e 45 bilhões de dólares anuais durante um período de cinco anos (2010-2015). Isso é mais do que se prometeu até agora e, de fato, pouco dinheiro foi prometido para essa finalidade.
IPS: Quais são algumas das soluções para esta falta de responsabilidade?
A participação dos parlamentos nacionais e de organizações da sociedade civil, incluindo grupos de camponeses, pode ser muito importante para garantir que os governos tomem decisões bem informadas na base de uma adequada compreensão sobre o que os pobres necessitam. Eu recomendo a adoção de estratégias que sejam desenvolvidas em marcos participativos, por meio dos quais os governos estabeleçam pontos de referência para eles mesmos dentro de um prazo determinado e atribuam responsabilidades em diversos departamentos para a adição das medidas necessárias para atingir tais metas. Isso aumenta a responsabilidade do governo, já que terá que justificar a ausência de ações e explicar por que não cumpriu as metas que fixou para si mesmo.
IPS: O alimento pode ser usado como arma de guerra?
Pode sim. Interromper o transporte de ajuda alimentar a zonas afetadas pela guerra sob o pretexto de que a ajuda poderia terminar em mãos de guerrilheiros, matar de fome uma população para castigá-la por ser hostil ao governo central ou destruir cultivos para privar as pessoas de alimentos são graves violações aos direitos humanos. Em alguns casos podem constituir crimes de guerra ou contra a humanidade. No entanto, o mais frequente é o uso de alimentos como ferramenta política, para recompensar partidários e castigar adversários.
Tradução: Katarina Peixoto
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21 de Novembro de 2010
O modelo neoliberal da fome e das grandes cadeias de distribuição
Que relação pode haver entre a forma contemporânea, e capitalista, de comercialização dos alimentos (feita principalmente através de grandes redes de supermercados) e a fome no mundo? O especialista colombiano autor deste ensaio investiga o assunto, expondo as entranhas do modelo neoliberal de comercialização de alimentos e os grandes lucros que alcançam com a exploração dos camponeses, de seus próprios empregados e dos consumidorese.
Por Freddy Ordóñez*
As grandes cadeias de distribuição. O neoliberalismo oculto em nosssa vida cotidianaUma ação rotineira como esperar o transporte público pode terminar dando elementos para analisar as transformações culturais produzidas pela presença de Hipermercados e Redes de Supermercados: os ônibus e as vans não indicam seus trajetos por bairros e ruas, mas sim que suas rotas passam em um supermercado das redes Carrefour ou Éxito, por exemplo.
Outro elemento interessante tem a ver com as transformações na linguagem e nos significados dados às palavras.
Em Bogotá é normal referir-se ao dono do minimercado do bairro ou ao de uma mercearia com a expressão vizinho, com a qual esta pessoa é identificada como parte do entorno mais próximo e cotidiano, morador do bairro, da quadra, etc., com um ar de familiaridade se se quiser. Como parte de seu processo de expansão, o grupo Éxito implementa os supermercados Éxito Vecino, modelo de tamanho muito menor do que o dos grandes supermercados, com a finalidade de atender aos clientes de localidades ou setores não centrais ou distantes de um grande supermercado dessa empresa.
Não só se transforma a cultura, mas também o espaço social se define em função destes supermercados (frente a, atrás de, uma quadra depois de, etc.), surgem construções em torno a eles, levando inclusive a que se possa dizer que a comercialização por meio de supermercados não só define o que comemos mas também a estrutura territorial de nossas cidades.
Esta invasão das grandes cadeias de distribuição (em seus múltiplos formatos) se apresenta como a implementação de um modelo de comercialização de produtos, especialmente alimentos, que operam sob as regras do sistema capitalista neoliberal e globalizado, com características de oligopólio e monopsonio, fazendo do direito à alimentação um lucrativo negócio.
A maximização dos lucros de um modelo neoliberal de comercialização de alimentos: Alguns casos emblemáticos.
A revista Fortune 500, publicada no início do ano, trouxe a lista das empresas norte-americanas que tiveram, a nível mundial, maiores vendas durante 2009. O primeiro lugar é ocupado pelo gigante das lojas Wal-Mart Stores, cujas vendas chegaram a 408 bilhões de dólares superando empresas como Exxon Mobile, AT&T, Ford Motors e o City Group. No ano anterior, a Wal-Mart ficou com o segundo lugar, com 405 bilhões de dólares.
Wal-Mart Stores é um caso emblemático, a nível mundial, dos grandes lucros das empresas com a venda a varejo de alimentos e outros produtos básicos. Mas ela não é a única empresa que lucra com os alimentos. Outras que se encontram bem situadas na classificação da Fortune 500 são: JP Morgan Chase (que, embora seja uma agência financeira, opera no mercado de frutas e verduras em Londres), Berkshire Hathaway, Kraft Foods, PepsiCo, Coca-Cola, y Tyson Foods.
O outro caso paradigmático da distribuição de alimentos é o do gigante francês Carrefour, que está presente em mais de 30 países, sendo a segunda rede mais importante a nível mundial. E a primeira na Colômbia. Seu faturamento anual alcançou 86 bilhões de euros - 43% na França, 35,7% no resto da Europa e 13,7% na América Latina, sendo que os hipermercados foram responsáveis por 62,1% de seu lucro anual. Em segundo lugar estiveram o formato supermercados, com 21,5%. Na Espanha, o Carrefour concentra 23,7% da distribuição de alimentos – isto é, controla praticamente um em cada quatro alimentos que são comprados no país (ver Garcia Ferran y Rivera Marta. El planeta de los supermercados. En: Montagut Xavier y Vivas Esther (Coords.). Supermercados, no gracias. Grandes cadenas de distribución: impactos y alternativas. Barcelona: Icaria, 2007). Na França, se destaca o fato de que, junto com outras quatro empresas, controlam 90% da comercialização de produtos alimentícios (ver Montagut Xavier y Dogliotti Fabrizio. Alimentos globalizados. Soberanía alimentaria y comercio justo. Barcelona: Icaria, 2008). Na Colômbia, em pouco mais de uma década após sua chegada (1997) o Carrefour abriu mais de 60 estabelecimentos em 33 cidades de 18 departamentos [nota do tradutor: departamentos é a forma como são designadas as províncias na Colômbia].
Atualmente, o Grupo Casino, francês, é dono de mais de 62% da empresa Almacenes Éxito, sendo na Colômbia o principal concorrente de outro francês, o Carrefour. É entre estes dois gigantes e Wal-Mart que o mercado nacional de alimentos está sendo disputado, o que coloca em risco a segurança e soberania alimentar dos colombianos.
Fome e modelo capitalista agroalimentar
Como se demonstrou, a comercialização de alimentos através do modelo de grandes cadeias e seus formatos diferenciados é um negócio rentável em escala mundial, que tem suporte fundamental na aplicação indiscriminada das políticas neoliberais na agricultura e na alimentação. Esta lógica capitalista tem relação direta com a chamada crise alimentar evidenciada em 2006 e 2008, da qual até agora o mundo não se recuperou. Foi principalmente o modelo agroalimentar enquadrado em um modelo econômico capitalista, o responsável pela fome no mundo.
Isso tudo foi constatado pela FAO, que havia constatado o aumento da fome no planeta desde muito antes da crise alimentar. Desde 1995 cresce constantemente o número de pessoas subnutridas no mundo, coincidindo com a implantação global do neoliberalismo; o auge ocorreu em 2009, ano em que chegou a um bilhão de famintos. A fome tem como origem não a diminuição das colheitas e muito menos a redução na produção de alimentos mas a impossibilidade de ter acesso a eles em consequência dos altos preços, do desemprego e da pobreza mundial (ver Vivas Esther. Los entresijos del sistema agroalimentario mundial. En: Montagut Xavier y Vivas Esther. Del campo al plato. Los circuitos de producción y distribución de alimentos. Barcelona, Icaria, 2009).
No caso da Colômbia, diferentes estudos indicam a incidência das condições econômicas sobre as condições alimentícias e a possibilidade de aquisição de alimentos nutritivos e suficientes. Este é o caso da capital, Bogotá, onde a pesquisa uma pesquisa oficial (Encuesta Social Longitudinal de Fedesarrollo) feita em 2008 indicou que em 41% das moradias faltou dinheiro para a compra de alimentos na semana anterior à pesquisa. Para 2009, a pesquisa “Bogotá cómo vamos”, revelou que em 8% das moradias da capital colombiana algum membro deixa de consumir alguma das três refeições diárias (café da manhã, almoço e jantar) por falta de renda suficiente para comprar os alimentos. Desse total, em 10% das moradias algum membro da família não consumiu nenhuma destas três refeições. Por outro lado, a Pesquisa de Bem Estar e Segurança Econômica feita pela Supervisão Distrital em maio de 2009 afirmou que três em cada dez moradias de Bogotá, há pelo menos um membro da família que vai dormir sem ter feito nenhuma refeição durante o dia, e a razão é a falta de dinheiro. A mesma pesquisa mostra que em 37% das famílias algum membro “muitas vezes” ou “poucas vezes” deixou de fazer uma refeição durante o dia por falta de dinheiro.
Em síntese, pode-se observar que a garantia do direito à alimentação anda de mãos dadas com a capacidade de comprar os alimentos, deixando claro que quanto maior seja o número de intermediários e maior seja o monopólio de compra e distribuição, os produtos terão maiores custos e os intermediários maiores lucros com a venda dos mesmos.
Como fazer dinheiro distribuindo alimentos
Uma das formas mais evidentes para gerar maiores lucros na distribuição de alimentos tem a ver com a ampliação da margem entre o preço de compra ao produtor e o preço de venda ao consumidor final. Os números sobre o pagamento e o lucro obtido pelo produto vendido nas GCDA variam países, regiões e empresas. Por exemplo, na Europa – como mostra Andoni García - “mais de 60% do lucro final se com centra nos grandes hipermercados. A média em que participamos como consumidores no que cobram os agricultores é de 27%”.(García Andoni. “Precios en origen y precios en destino”. In: Montagut Xavier y Vivas Esther (Coords.). Supermercados, no gracias. Grandes cadenas de distribución: impactos y alternativas. Barcelona: Icaria, 2007).
Wal-Mart é também um claro exemplo da desigualdade entre o preço de compra e o preço de venda, obtendo muitos bons lucros sobre os alimentos nos EUA, mediante a exploração do agricultor. “Wal-Mart fica com 68 centavos de cada dólar por alimento vendido […] e 30 centavos são gastos com publicidade, transporte e embalagem. O produtor camponês recebe o resto do lucro: dois centavos por cada dólar” (ver Castro, Gustavo e ZinnRyan. Wal-Mart y el asalto contra campesinos y consumidores. Disponível em http://www.ciepac.org/
Em Bogotá, um consumidor paga 100 pesos por um alimento que foi comprado ao produtor por 35 pesos. Quando os vendedores são as grandes cadeias de distribuição de alimentos, os lucros que elas obtém podem chegar a 43%, sendo geralmente as camadas populares quem mais pagam pelos alimentos,
Este tipo de asfixia comercial aos produtores e compradores de alimentos é que atualmente está sendo imposta, sob diversos matizes, no mercado global, sendo claramente prejudicial para a agricultura familiar, os pequenos negócios, a produção sustentável e os grupos populares de comercialização de alimentos, definindo também o que comemos, por que o comemos, quem produz, como se produz, e onde se produz.
Ao lucro gerado pela margem entre o preço de compra e o preço de venda, é preciso acrescentar outras estratégias das GCDA (Grandes Cadeias de Distribuição de Alimentos) para aumentar a captação de recursos, como uma política trabalhista interna precária e superexploradora dos empregados, a deslocação da produção de alimentos e a concorrência desleal contra setores tradicionais de vendas como os armazéns, os supermercados de bairro e as feiras livres.
A distribuição e comercialização alimentar em Bogotá
Apesar dos camponeses de Cundinamarca, Boyacá, Tolima e Meta serem responsáveis pela provisão de 75% das 2,8 milhões de toneladas de alimentos consumidos anualmente em Bogotá, isso não significa que sejam eles quem obtém os melhores dividendos do negócio.
Efetivamente, a distribuição e comercialização de alimentos está concentrada em poucas mãos. Assim que saem do campo os alimentos são armazenados principalmente em dez grandes estabelecimentos pertencentes a cadeias integradas de comercialização - Cadenalco (Almacenes Éxito), Cafam, Carulla (Almacenes Éxito), Tía, Alkosto, Olímpica, Makro, Carrefour, Colsubsidio e YEP – enquanto a “Corabastos cumpre a função de atacadista para os pequenos e médios comerciantes” (Ver Mondragón, Héctor e Montoya, Gloria. Los mercados campesinos: comercialización alternativa de alimentos en Bogotá. Bogotá: Instituto Latinoamericano para una Sociedad y un Derecho Alternativos, 2010).
É nesse cenário que se pode ver o formato de “funil” que caracteriza o processo de produção, distribuição e comercialização de alimentos: 2.000.000 de produtores rurais anuais -> 1.846 intermediários -> 4.800 atacadistas -> 135.000 varejistas -> 7.363.782 consumidores (Mondragón e Montoya, idem).
Os números mostram que nas lojas, supermercados independentes e grandes redes, 78% das vendas correspondem a alimentos (seguidos por produtos de higiene pessoal e bebidas). Embora na distribuição das vendas por canal comercial no país, os supermercados de redes 23%, os supermercados independentes 21% e as pequenas mercearias 55%; o volume de gastos (isto é, a quantidade de dinheiro que corresponde a cada canal) mostra que as famílias consomem nos supermercados de redes 51% de seus gastos, nos supermercados independentes 25% e nas pequenas mercearias 24%.
Um modelo alternativo de produção e consumo de alimentos
As propostas feitas pelos hipermercados (basicamente Carulla Express e los Éxito Express) para ampliar sua cobertura e chegar a mais consumidores permitem ver que seu objetivo é se apropriar também as vendas e lucros obtidos hoje pelos pequenos supermercados e pelas mercearias de bairro, prevendo-se a geração de um oligopólio com Casino, Carrefour e Wal-Mart, prejudicando também os camponeses e pequenos produtores rurais, os consumidores urbanos e os pequenos comerciantes. Projetando-se também a geração de mais fome, desemprego e miséria, tanto no campo como nas cidades, com o aprofundamento do modelo capitalista agroalimentar e a distribuição neoliberal de alimentos na Colômbia.
Somada a esta expansão, se encontram as políticas e programas como os tratados de livre comércio (com os EUA e a União Europeia), a agenda interna de competitividade, o Programa de Transformação Produtiva para o Setor Agropecuário e Agroindustrial, a legislação anti-economia camponesa e pro-agroindustrial, que obrigam o fortalecimento de processos e a construção de alternativas em torno da possibilidade de exercer o direito à alimentação adequada, à segurança, à soberania, à autonomia, à auto-suficiência e à autogestão alimentícia, especialmente apoiando processos de produção, distribuição e comercialização de alimentos em condições de proximidade, diversidade e justeza.
Para isso são necessárias propostas organizativas do campesinato, associações de consumidores, redes de produtores e consumidores (tendentes a construir uma relação direta entre o agricultor e o consumidor), que denunciem a situação das GCDA, os abusos que cometem contra agricultores, empregados e consumidores, a cumplicidade dos governos e administrações, e, sobretudo, que identifiquem nas GCDA um modelo capitalista de alimentação que aprofunda a fome e a pobreza, e que lutem pela implementação de um modelo alternativo de produção e consumo de alimentos, dentro de um marco da luta por um modelo econômico e de sociedade diferente, diametralmente diferente ao que é imposto pelo capital.
*Freddy Ordóñez é colaborador de la Agencia Prensa Rural.
Fonte: Agencia Prensa Rural (Colômbia)
Tradução: José Carlos Ruy
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Jornal do Brasil, 12/10/2010
Cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo, diz estudo
Sabrina Craide , Agência Brasil
Um estudo do Instituto Internacional de Investigação sobre Políticas Alimentares (IFPRI, na sigla em inglês) mostra que pelo menos 1 bilhão de pessoas sofrem de desnutrição no planeta. A situação é considerada grave na América Latina, especialmente na Bolívia, na Guatemala e no Haiti. As informações são da BBC Brasil.
A pesquisa, intitulada Índice Global da Fome 2010, mostra que quase metade dos afetados pela desnutrição são crianças. Os níveis mais altos se encontram na África Subsaariana e no sul da Ásia.
O Brasil é considerado pelos pesquisadores como um caso de sucesso na questão do combate à fome. Segundo o estudo, entre 1974 e 1975, 37% das crianças brasileiras eram subnutridas. O índice caiu para 7% entre 2006 e 2007, melhora atribuída aos aumentos nos investimentos em programas de nutrição, saúde e educação.
O estudo aponta também que o número de desnutridos voltou a crescer, após cair entre 1990 e 2006. A explicação é a crise econômica e o aumento nos preços globais dos alimentos. O IFPRI considera a situação “extremamente alarmante” em três países, todos africanos (Chad, Eritreia e República Democrática do Congo). Outros 26 países vivem situação “alarmante”.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Segurança Alimentar (FAO), um ser humano passa fome quando consome menos de 1.800 quilocalorias por dia, o mínimo para levar uma vida saudável e produtiva.
Com sede em Washington, o IFPRI é mantido pelo Grupo Consultivo de Pesquisas Internacionais em Agricultura (CGIAR, sigla em inglês), que é uma aliança de 64 governos, fundações privadas e organizações regionais. O objetivo do instituto é buscar soluções sustentáveis para acabar com a fome e a miséria no mundo.
A pesquisa, intitulada Índice Global da Fome 2010, mostra que quase metade dos afetados pela desnutrição são crianças. Os níveis mais altos se encontram na África Subsaariana e no sul da Ásia.
O Brasil é considerado pelos pesquisadores como um caso de sucesso na questão do combate à fome. Segundo o estudo, entre 1974 e 1975, 37% das crianças brasileiras eram subnutridas. O índice caiu para 7% entre 2006 e 2007, melhora atribuída aos aumentos nos investimentos em programas de nutrição, saúde e educação.
O estudo aponta também que o número de desnutridos voltou a crescer, após cair entre 1990 e 2006. A explicação é a crise econômica e o aumento nos preços globais dos alimentos. O IFPRI considera a situação “extremamente alarmante” em três países, todos africanos (Chad, Eritreia e República Democrática do Congo). Outros 26 países vivem situação “alarmante”.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Segurança Alimentar (FAO), um ser humano passa fome quando consome menos de 1.800 quilocalorias por dia, o mínimo para levar uma vida saudável e produtiva.
Com sede em Washington, o IFPRI é mantido pelo Grupo Consultivo de Pesquisas Internacionais em Agricultura (CGIAR, sigla em inglês), que é uma aliança de 64 governos, fundações privadas e organizações regionais. O objetivo do instituto é buscar soluções sustentáveis para acabar com a fome e a miséria no mundo.
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