sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

WikiLeaks (Cablesgate) ( XXX ): A vingança do mundo vigiado




Estado de S. Paulo, 16/12/2010
WikiLeaks ou a vingança do mundo vigiado


Por Eugênio Bucci


Sorria, você está sendo filmado. Ou chore, você está sendo filmado.
A propósito, não é improvável que você esteja sendo filmado enquanto lê este artigo. Os seus hábitos de consumo estão catalogados em bancos de dados que são vendidos por aí. A marca de papel higiênico que você compra no supermercado faz parte da sua ficha pessoal em algum arquivo de marketing. Os exames do seu check-up, realizados naquele laboratório todo informatizado, bem, eles podem cair na rede. As chamadas do seu celular são rastreáveis, todas elas. A que horas você ligou para quem e de que lugar você chamou, tudo se sabe.
Pelas pesquisas que você faz no Google, os administradores podem levantar o seu rol de preferências, mesmo aquelas que você não gostaria de declarar em público. Os radares da cidade registram por onde você passeia de automóvel. As consultas que você faz na Amazon fazem parte do seu perfil, devidamente armazenado. Pelo seu cartão de crédito, podem saber os restaurantes em que você anda almoçando, os vinhos que você pede, a dieta que você segue. As portarias de prédios que você cruzou, as catracas que atravessou, os elevadores em que subiu ou desceu, tudo isso é sabido.
E aqui não estamos falando de vírus espiões instalados em seu computador, das escutas encomendadas pelos rivais (amorosos, religiosos, políticos ou econômicos), mas apenas dos mecanismos supostamente lícitos pelos quais, como já foi dito, você está sendo filmado. Não é bem que a privacidade tenha diminuído de uns tempos para cá. A privacidade, nos moldes em que costumávamos imaginá-la, virou uma categoria impossível, irrealizável. A privacidade foi extinta pela História.
Mais ainda: no nosso tempo a vigilância se massificou. Todos da massa são potencialmente vigiados, o que, em lugar de incomodar, parece excitar o público. A bisbilhotice ganhou status de um gênero lucrativo da indústria do entretenimento, com os reality shows se disseminando como epidemia. Quanto à massa, além de usufruir a vigilância indiscreta, pratica alegremente o esporte de espionar os semelhantes. Câmeras instaladas em celulares fizeram de cada cidadão um agente voluntário a serviço da grande rede de vigilância global. O "Grande Irmão" não é mais o ditador imaginado por George Orwell, aquele que tudo via, protegido em seu bunker supertecnológico. Hoje, o "Grande Irmão" é a massa. Todo mundo bisbilhota todo mundo.
Para chegar a esse estado passamos por duas grandes inversões. A primeira delas transformou o controle de presidiários numa forma de controle dos cidadãos. Há séculos o inglês Jeremy Bentham (1748-1832) imaginou uma prisão que permitiria aos carcereiros verificar a qualquer instante os movimentos de cada um dos prisioneiros. As celas seriam dispostas numa linha circular, alinhadas e empilhadas num imenso edifício arredondado. A parede externa desse edifício, aquela voltada para o lado de fora da circunferência, seria opaca, mas, e aí vem o detalhe perverso, a parede interna do edifício seria transparente, de tal modo que quem se postasse no miolo da prisão poderia ver, ao mesmo tempo, o interior de todas as celas. Por uma fresta em seu escritório central, o carcereiro veria todos, mas não seria visto pelos presidiários, que também não poderiam ver uns aos outros.
Muitos anos depois, como se sabe, o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) refletiu caudalosamente sobre esse sistema, identificando nele uma forma de dominação que extrapolaria em muito a penitenciária de Jeremy Bentham. O panóptico estaria presente em todos os campos sociais e, ao saber-se visível o tempo todo, o sujeito, solto ou encarcerado, não importa, estaria intimidado, controlado, perderia a sua privacidade, a sua liberdade, a sua espontaneidade.
A segunda inversão tem um sabor de anedota: os vigiados, longe de se lamentar, entraram com tudo na brincadeira. Nas redes sociais, intimidades as mais improváveis roubam a cena; as pessoas encenam e vazam suas próprias privacidades. O exibicionismo e o voyeurismo digitais são a marca por excelência do século 21. Foi então que o voyeurismo, cansado de obscenidades da extinta vida privada, começou a explorar os segredos mais valiosos dos que bisbilhotam o planeta em nome dos governos mais poderosos da atualidade. Era inevitável: mais cedo ou mais tarde, a indústria da vigilância total cairia na rede ela também.
Dentro disso, qual a grande surpresa do WikiLeaks? Ora, ora, nenhuma.
Pelo WikiLeaks, a espionagem oficial, antes guardada pelos carimbos de "secreto" ou "confidencial" nos gabinetes diplomáticos, vai-se convertendo em divertimento planetário. A profusão dos documentos vazados e a irrelevância da imensa maioria das informações conferem ao circo um certo ar de banalidade, como se segredos de Estado não fossem lá grande coisa. E talvez não sejam mesmo. O WikiLeaks sobrevém, assim, como a vingança dos que não têm mais privacidade contra os que ainda se imaginavam controladores das privacidades dos comuns. Não há mais segredos bem guardados, nem mesmo na Casa Branca. O panóptico estilhaçou-se, caiu como a velha Bastilha. Reis e rainhas trafegam nus. Os esconderijos esfacelam-se.
Nesse meio tempo, as reações do poder – econômico e político – contra o WikiLeaks revelam uma mentalidade pateticamente totalitária. Num jogo combinado, típico de coalizões militares, as instituições financeiras internacionais fecham o cerco. Governos agem de modo análogo. Será que esse pessoal acreditava que controlava a sociedade de modo tão absoluto?
Quem acreditou nisso errou. O WikiLeaks não é um site, mas uma possibilidade da era digital que se materializou num site. Outros virão. O vazamento indiscriminado vai continuar. Outras caixas de Pandora estão para cair. Que caiam.

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Os eleitores da Time, por voto direto via internet, elegeram Assange a "personalidade do ano". A direção da Time elegeu o dono do Facenook. Que piada! Que piada!

Alguma dúvida do porque a Time contariou a opinião de seus leitores?



Sexta-feira, 16 de dezembro de 2010

O que está por trás da escolha do “homem do ano”

por Carlos Castilho

Realmente os tempos mudaram. Os dois principais candidatos ao título de Homem do Ano da revista norte-americana Time têm menos de 40 anos e alcançaram notoriedade mundial pelo que fizeram na internet.  Mark Zuckerberg, o criador da rede social Facebook superou Julian Assange, do site Wikileaks, mostrando que a web não é mais apenas um item no nosso cotidiano, mas o eixo de uma nova forma de viver.
Zuckerberg conseguiu o inédito feito de reunir meio bilhão de pessoas, mais de duas vezes a população brasileira, em torno de uma rede de relacionamentos pela internet. Assange, estava na lista do nomes favoritos, mas não foi escolhido pela Time porque  é o ícone de um desafio inédito às grandes potências mundiais, cujos segredos estão sendo desvendados por uma página na web.
A internet está deixando de ser uma curiosidade tecnológica ou o objeto de desejo dos fascinados por novidades e quinquilharias eletrônicas, para começar a mostrar a sua verdadeira cara.  Os criadores do Facebook e do Wikileaks são apenas a personificação de um processo mais profundo que é o da mudança das regras que orientam nosso convívio social, as relações econômicas, os padrões culturais e até mesmo a nossa participação política.
É importante dar-se conta de tudo isso porque as mudanças já estão acontecendo e muitas pessoas e instituições  estão sendo atropeladas pela nova conjuntura.  Zuckerberg e Assange não se tornaram personalidades mundiais apenas pelas suas virtudes pessoais.  Na verdade, eles são figuras absolutamente comuns.  A diferença está no contexto e na natureza imprevisível do processo deflagrado pela internet e pela web.
Da mesma forma que a descoberta da imprensa e o surgimento da produção industrial mudaram a cara no mundo, estamos agora começando a assistir e participar do surgimento de uma nova era. E como toda coisa nova, ela é incerta, imprevisível e ameaçadora para muitos. As reações ao desafio proposto pelo Wikileaks mostram a intensidade do temor de governos, empresas e organizações que construíram sua cultura sobre o controle da informação.
O Facebook cresceu porque ao contrário das demais redes concorrentes, como a MySpace,  conseguiu desenvolver entre os seus usuários a sensação de que eles eram os donos do espaço onde trocavam mensagens e informações. Mas nas quatro vezes em que  Zuckerberg tentou mudar as regras para ampliar a publicidade e ganhar mais dinheiro, ele acabou tendo recuar devido ao temor de protestos e de uma fuga em massa de clientes.
O homem do ano da revista Time também está no centro de uma polêmica sobre direitos autorais que ainda não foi resolvida. O caso criado com colegas de universidade e com seu ex-sócio, o brasileiro Eduardo Saverin, foi abafado por um acordo financeiro, mas a discussão sobre quem é o dono da idéia da Facebook ainda continua e n
É que a internet está abalando toda a estrutura de negócios criada em torno da posse de direitos autorais, uma estrutura concebida quando as idéias eram muito mais escassas porque o fluxo mundial de informações era concentrado e pouco intenso.  As dimensões reduzidas do processo permitiam o controle sobre as novidades, mas agora, com a avalancha informativa, não é mais possível diferenciar uma idéia de outras, tudo passou a ser um processo.
Não é por acaso que a personalidade de 2010 tem 26 anos, uma idade em que a maioria dos jovens está saindo da universidade e começando a tentar achar um lugar no mercado de trabalho. Zuckerberg já é um bilionário, mas sua fortuna pode virar fumaça em questão de dias caso surja uma novidade ainda mais fascinante. O ritmo frenético da inovação e a imprevisibilidade do mercado criam condições para que personagens improváveis nas regras atuais tornem-se personalidades mundiais.
Quando a rede Facebook surgiu, o mercado era dominado pela MySpace, que começou a cair quando foi comprada pelo megaempresário Rupert Murdoch, que viu cifrões e não expectativas de usuários ao fechar o negócio. 
A incerteza e mudança constantes são padrões novos em ascensão contrastando com nossa formação onde a estabilidade, segurança e previsibilidade são valores ainda considerados essenciais.  É difícil saber se a Time levou em conta todos estes fatores ao escolher Zuckerberg para a sua capa da edição de fim de ano.  Mais provavelmente a revista está mais preocupada com a popularidade do criador do Facebook, num momento em que Assange e seu Wikileaks são muito mais ameaçadores para os padrões vigentes.
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São Paulo, sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Feliz Natal, Sr. Assange

BARBARA GANCIA


UMA DAS PIORES PERDAS de tempo da face da terra é a tal da reunião de pauta, em que jornalistas se reúnem para pensar a próxima edição.
Negócio é um porre inominável e eu sempre procurei chegar o mais atrasada possível a esse tipo de convescote, uma vez que ninguém consegue produzir nesses ambientes contaminados um pensamento minimamente aproveitável.
Imagino o desastre que não deve ter sido a reunião de pauta da revista "Time" que decidiu por Mark Zuckerberg como Homem do Ano de 2010. Tudo bem, o cara criou uma rede social que hoje tem mais de 500 milhões de usuários. Mas, vem cá: o Facebook já não existia no ano passado?
E, é claro, como o universo conspira contra gente desleixada, horas depois de a "Time" anunciar seu Homem do Ano, a Justiça inglesa libertou da prisão Julian Assange, criador do site Wikileaks. Alô? É da revista "Time"? Desculpe, engano!
Até concordo que, na essência, Zuckerberg e Assange tenham cores semelhantes. Ambos são gênios do teclado com a habilidade de antever os nossos desejos. Ou, como diria sobre Mark Zuckerberg o roteirista do filme "A Rede Social", Aaron Sorkin: "Ele criou uma ferramenta de que precisava."
Mas, entre sentar para jantar com um e com outro, prefiro mil vezes parlamentar por horas com Assange. Veja bem, não vejo Zuckerberg como um completo canalha. O filme com sua história dá pistas de que ele tem sérios problemas com o tamanho de seu pênis e que não passa de um sujeitinho árido. Mas mostra também que, entre sócios e pretendentes a sócio do Facebook, Zuckerberg foi o único a ser imprescindível na construção do negócio e o que mais pegou no batente.
Julian Assange está em outra liga, como diriam na América. É um Giuseppe Garibaldi da liberdade de expressão, um sujeito com outro grau de profundidade do que o nerdzinho de Harvard. Encurralou o Pentágono, o Departamento de Estado e a CIA e aposentou de vez a obsoleta diplomacia de salão que capengava desde a era do telex.
A crise de 2008 ensinou que é ilusão imaginar os governos das democracias mais avançadas atentos e fiscalizando o que precisa ser fiscalizado. Aceitamos conviver com o capitalismo, nas suas formas mais lamentáveis e predatórias, porque chegamos à conclusão de que a democracia vale a pena. Mas democracia só existe com transparência.
Norteado por esse princípio, surge o loirinho sem turbante, sem barba e sem discípulos treinados em simulador de voo. Julian Assange é a pedra no sapato das megacorporações, dos bancos, das grandes potências, enfim, do sistema. Ele é o cara que muita gente estava esperando. Andam dizendo que provoca os EUA a fazer coisas ruinosas, que, assim como Bin Laden, ele quer que seu inimigo responda autodestrutivamente à provocação.
A premissa é uma bobagem, os EUA que se endireitem. A Homeland Security não está tendo de aprimorar seus métodos na marra por pressão do público?
Será preciso gastar mais e treinar melhor. Não é Julian Assange quem tem de mudar. É o governo dos EUA, são os governos, os bancos, a indústria farmacêutica, a forma de fazer negócios e -por que não?- a maneira de escolher o Homem do Ano da revista "Time".

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