domingo, 19 de dezembro de 2010

WikiLeaks (Cablesgate) ( XXXII ): EUA não têm bandeira que comova


São Paulo, domingo, 19 de dezembro de 2010

Cerco a Assange deixa jornalismo vulnerável, afirma especialista

JANAINA LAGE
DO RIO

O escritor e advogado constitucionalista norte-americano Glenn Greenwald afirma que, caso os EUA consigam processar o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, jornalistas ficarão mais vulneráveis a ações judiciais.
Colunista da revista digital Salon.com, Greenwald tem sido uma das vozes de defesa do WikiLeaks na imprensa americana.
Para ele, não há base legal para processar o site porque é uma organização dissociada de qualquer Estado e só existe na internet.
Jornais norte-americanos já citaram como possíveis bases legais para um processo contra Assange a lei de espionagem, de 1917, e a lei de fraude e abuso de computadores, de 1986.
O escritor concedeu entrevista à Folha após palestra no Iesp-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos).
Greenwald vive no Rio de Janeiro há quase seis anos. A seguir, trechos da entrevista.

Folha - O que os documentos vazados pelo WikiLeaks revelam sobre a diplomacia americana?
Glenn Greenwald
- Não existe uma diplomacia americana à parte dos demais objetivos do governo. Os diplomatas são usados para espionar outros países e para levantar dados de inteligência da mesma forma que a CIA seria usada.
O papel da diplomacia é evitar guerras, mas muitos documentos mostram tudo menos isso. Há diplomatas tentando convencer outros países a deixar que os EUA participem de ações militares em seus territórios.

Na semana passada, a Força Aérea dos EUA bloqueou o acesso às páginas de veículos que publicam vazamentos. A polêmica em torno do WikiLeaks pode trazer de volta a discussão sobre censura na internet?
Isso vai justificar na cabeça de muita gente que seja criado algum tipo de repressão ou censura na internet, o que é um retrocesso. As pesquisas com o público americano mostram que a maioria acredita que o WikiLeaks causou mais danos do que benefícios e que Assange deve ser encarcerado.
Os governos sempre querem controlar a internet. A razão pela qual não podem fazer isso é a oposição pública. O compromisso do WikiLeaks com a transparência pode aumentar o apoio público ao controle da internet.
Como o sr. compara os governos de Barack Obama e George W. Bush em relação à liberdade de imprensa?
Quando Obama concorreu à Presidência, criticava Bush por sua guerra contra a transparência. A realidade é que não só ele continuou a maioria destas políticas como, em alguns casos, elas até pioraram.
O governo Bush ameaçou mover ações contra jornalistas que publicaram informações secretas e processar pessoas do governo responsáveis pelos vazamentos, mas quase nunca fez isso. O governo Obama já trouxe cinco diferentes ações contra pessoas do governo que vazaram informações.

O sr. citou um artigo do professor Jay Rosen, da New York University, que afirma que parte da repercussão do WikiLeaks é resultado da morte do jornalismo americano...
Depois do 11 de Setembro, a grande imprensa se tornou completamente identificada com o governo.
Eles cobriram a Guerra do Iraque embarcados com o Exército e começaram a ver o mundo pela perspectiva do governo.
A maior desgraça é que nosso governo levou o país a uma das mais terríveis guerras dos últimos cem anos baseado integralmente em mentiras, e a classe jornalística não se deu ao trabalho de submeter as informações a qualquer escrutínio.

Quais as consequências de um eventual processo dos EUA contra Assange?
Isso vai tornar os processos contra jornalistas muito mais prováveis. Se você criar uma teoria legal que permita um processo contra o WikiLeaks, isso dará poder ao governo de processar jornalistas por revelar seus segredos.
Revelar segredos de governo representa o corpo e também a alma do jornalismo investigativo.
Por que o sr. afirma que o WikiLeaks não está sujeito às leis americanas?
O WikiLeaks não é brasileiro ou americano. É uma organização sem Estado, não pertence a nenhum país e não existe fisicamente em lugar algum, apenas na internet. Não há mecanismo para definir qual lei se aplica a ele. Não se pode levá-lo à Justiça e obrigá-lo a revelar suas fontes. A maioria das pessoas não consegue pensar dissociada do Estado.
Parte do caráter único do WikiLeaks vem do fato de Assange ter sido criado de forma transnacional.
Ele se mudou centenas de vezes e foi criado de forma a não confiar ou seguir nenhuma autoridade.

Por que a "Time" elegeu Mark Zuckerberg personalidade do ano quando os leitores escolheram Assange? Muitas pessoas usam o Facebook e Mark Zuckerberg ganha muito dinheiro com isso, mas se ele não existisse, nada iria mudar. A "Time" já elegeu Adolf Hitler e Joseph Stalin como personalidades.
Quando as pessoas perguntam zangadas: "Mas como vocês fizeram isso"? Eles sempre dizem que não é a opção de que gostamos, mas a que teve maior impacto.
Em 2001 a pessoa de maior impacto foi Osama bin Laden, mas eles tiveram muito medo e escolheram Rudolph Giuliani [ex-prefeito de Nova York]. Agora, é claro que Assange tem mais impacto do que Zuckerberg.

ANÁLISE

EUA não têm bandeira em guerra contra o WikiLeaks

JOAQUIM FALCÃO ESPECIAL PARA A FOLHA

Existem basicamente duas estratégias numa guerra: a ofensiva e de conquista, e a defensiva e de preservação.
Aquela se move o tempo todo e avança. Esta se imobiliza e se protege.

O que chama atenção nesta guerra cibernética é justamente a estratégia de conquista do WikiLeaks, de conquista não territorial, mas virtual, e a aparentemente imobilidade e defesa do governo americano.
Por que isto?
Como em qualquer guerra de conquista, antes de tudo é preciso ter objetivo político, uma bandeira que conduza exércitos e que comova as populações.
O WikiLeaks levantou a bandeira da liberdade de expressão, da liberdade de informação. Radicalizou o princípio democrático da transparência dos governos e dos Estados. Esta bandeira é transnacional e atemporal, comove multidões, multiplica adeptos.
WikiLeaks capturou a bandeira com a qual os EUA têm justificado a sua primazia mundial: fazer avançar os direitos humanos, a democracia e a liberdade. Bandeira que lhes serve para enfrentar a China e com ela manter amistosas e produtivas relações comerciais. Como defender a não publicação dos documentos? Proibi-la. Impedi-la. Sob que argumento racional e apelo emocional arregimentarão exércitos virtuais, instituições políticas e a opinião pública mundial a seu favor?
Este é o grande desafio para os EUA atualmente. A defesa do Estado, o controle da internet, a segurança nacional não têm sido bandeiras suficientes para neutralizar a ofensiva do WikiLeaks de conquistar o território virtual e os corações e as mentes mundiais.
As bandeiras no campo de batalha aumentam devoção e eficiência dos exércitos. A estratégia de defesa americana tem sido de tentar atacar o líder individualmente ou estrangular a cadeia de suprimentos do WikiLeaks. Seja econômica, tecnológica, política ou juridicamente.

LIBERDADE DE IMPRENSA
O "New York Times" anunciou que o WikiLeaks não é fonte, mas parceiro. A partir daí dificilmente uma ação judicial contra o WikiLeaks deixará de respingar na liberdade de imprensa.
Cada documento publicado surpreende, determina o timing e o local da batalha.
Age como um homem-bomba, obrigando os envolvidos a se explicarem mutuamente e apaziguarem a opinião pública mundial.
Mas a guerra não acabou.
E ela é feita de batalhas sucessivas. Além de cortar a cadeia de suprimentos e tentar expulsar o WikiLeaks do território virtual, falta a bandeira em nome da qual a guerra seria vencida.
É a segurança do Estado contra a liberdade de expressão? A guerra continua.

JOAQUIM FALCÃO é professor de Direito da FGV-Rio

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