Quem precisa ser rápida e definitivamente executado, e ter todos os seus órgãos de sustentação devidamente extirpados, é o sistema Capitalista, antes que execute a todos nós.
Jornal do Brasil, 17/12/2010
Salvar os banqueiros e assassinar os pobres
Por Mauro Santayana
OS GOVERNOS da União Europeia se preparam para, uma vez mais, salvar os bancos da crise financeira, sob o pretexto de que isso é necessário, a fim de salvar a economia. Prevê-se uma injeção de capital da ordem de seiscentos bilhões de euros. Com esse dinheiro, aplicado em programas de desenvolvimento econômico e de assistência urgente contra a fome e as endemias e epidemias nos países pobres (como é o caso mais dramático, o do Haiti), seria possível impedir a morte prematura de milhões e milhões de pessoas, sobretudo de crianças. Os banqueiros enriquecem-se com o dinheiro dos depositantes e devedores; distribuem grandes lucros a si mesmos, como representantes dos acionistas, cometem crimes calculados, certos de que os governos os salvarão. É o que ocorre, quase sempre: em lugar de serem punidos, são salvos pelos Estados, que deveriam defender os interesses dos cidadãos que trabalham e produzem bens. Nos últimos tempos globalizantes e neoliberais,o que vem ocorrendo é a mais brutal transferência de renda dos produtores (trabalhadores e empresários industriais) ao sistema financeiro, e a crescente irresponsabilidade dos principais bancos do mundo.
Também ontem se soube que, em Kosovo, na guerra que conduziu à independência, houve a matança organizada e coordenada de sérvios e kosovos-albaneses, para que de seus cadáveres se retirassem os rins, destinados ao mercado negro europeu de órgãos. De acordo com a investigação, realizada por Dick Marty, ex-juiz suíço e atual membro do Conselho da Europa, pelo menos 500 pessoas, presas durante o conflito, foram retiradas das celas improvisadas, conduzidas a locais escolhidos e equipados de instrumental adequado. Ali, uma a uma, recebiam um tiro na cabeça e, ato contínuo.eram estripadas. Os rins imediatamente se destinavam a hospitais e cirurgiões privados que os aguardavam, para atender à demanda dos pacientes na Europa rica.
Os pobres sempre foram vistos como servidores da vida dos ricos, como escravos formais ou sob contratos leoninos de trabalho. O avanço da ciência médica, em lugar de servir para dar-lhes mais tempo de vida saudável, condena-os, em determinadas circunstâncias, a se tornarem vítimas de brutal canibalismo. A eventual doação de órgãos deve ser decidida pelas pessoas enquanto vivas, mediante documentos claros e precisos de sua livre vontade. Como sempre se denuncia - e em alguns casos há indícios fortes, como nessa denúncia de uma pessoa idônea e respeitável, o suíço Marty - os pobres têm servido de conjuntos desmontáveis, como os automóveis roubados, a fim de oferecer peças de reposição aos que podem pagar bem a fim de adiar a própria morte.
E temos outras informações chocantes, como a do surgimento de uma organização de moradores do tradicional bairro da alta classe média de São Paulo, Higienópolis, em defesa de seus cães. Como informou a Folha de S. Paulo, exigem que a prefeitura cuide das praças do bairro elegante, onde seus cães passeiam todos os dias, levados por empregados ou pelos próprios donos, de forma a dar dignidade aos animais. Entre outros benefícios, reivindicam tanques de água fria, para o banho refrescante de seus animais, além da higiene cuidadosa do chão onde transitam.
Como pagam seus impostos municipais, talvez em dia, é provável que a prefeitura os atenda, concedendo existência digna aos cães de raça nobre, como os labradores, são-bernardos, huskies siberianos e pastores belgas, sem esquecer os diminutos lhassas e pequineses.
Quanto às crianças, perambulames pelas ruas, que tratem de ser astutas, para não serem mortas pelos que querem sanear as metrópoles, como ocorreu na Candelária e em outros lugares. Elas e os moradores de rua – mais odiados ainda do que os cães sem dono - não têm tanques onde banhar-se e exalam o odor dos desprezados.
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Há que se lutar implacável e intransigentemente para acabar com a miséria no mundo.
99,99% dos atos de barbárie cometidos são consequências dela.
Jornal do Brasil, 22/11/2009
BARBÁRIE
Por Mauro Santayana
A beleza e a morte.
Mais de 60 pessoas, nos primeiros cálculos da polícia peruana, foram assassinadas na região Huánuco, na selva, ao nordeste de Lima, e de seus corpos foi extraída gordura – para o comércio. Quatro dos assassinos foram detidos, mas faltam outros.
Segundo as primeiras informações, um estrangeiro, provavelmente italiano, de acordo com testemunhas, fornecia-lhes uma serra circular finíssima, para que pudessem degolar as vítimas de pé. Em seguida, os corpos eram escarnados e a gordura extraída.
O comprador lhes pagava 15 mil dólares por litro.
Sentimos horror diante das informações de que pessoas sejam mortas para que a sua gordura sirva de matéria-prima, na Europa, para a fabricação de cosméticos. Eram sequestradas, manietadas e mortas; descarnadas, e, depois de extraída a gordura, seus restos eram sepultados no meio da selva. Não é possível que camponeses mestiços morram para que algumas mulheres – que nada sabem disso – possam embelezarse no outro lado do mundo.
Estamos em tempo mais enlouquecido do que supúnhamos.
Em um hospital do Rio, várias crianças recém-nascidas quase morreram, intoxicadas com morfina pela enfermeira. Há alguns anos, enfermeiro do Rio matava pacientes de que cuidava, sob encomenda de corretores de serviços funerários. Adolescentes matam adolescentes, “para ver como é matar alguém”, conforme confessou, nestes mesmos dias, uma menina norte-americana de 15 anos, depois de assassinar outra, de 9. Filhos matam pais, pais matam filhos, como o que, em São Paulo, para vingar-se da mulher que o abandonara, jogou do terraço de um edifício o filho, antes de se matar.
Há 31 anos – em 18 de novembro de 1978 – o “pastor” norteamericano Jim Jones levou 913 pessoas ao suicídio: 276 delas crianças, em uma comunidade que criara na Guiana Inglesa. Os nazistas faziam abajures com peles de judeus, de ciganos e de outros prisioneiros, curtidas com cuidado – conforme os horripilantes testemunhos daquele tempo brutal. Mas não é preciso recuar tanto no tempo.
Além dos crimes cometidos no Vietnã, no Iraque ainda sobrevivem milhares de crianças, das que, atingidas pelas bombas de fragmentação produzidas com material radioativo, contraíram leucemia e outros tipos de câncer. E os massacres se repetem. No Afeganistão e no Paquistão, os ataques das tropas invasoras e os atentados, quase diários, matam – e matam, quase sempre, pessoas inocentes.
É provável que os mesmos crimes estejam ocorrendo em outros lugares do mundo pobre. Se o primeiro preço do produto é de 15 mil dólares o litro, deve ser de mil vezes mais o do creme final.
Trata-se do horrível conluio entre Eros, que incita à busca da beleza, e seu eterno adversário, Tanatos, o senhor da Morte. Nesse caso peruano, e em outros casos semelhantes – como o da falsa adoção e do sequestro de crianças para o “desmonte” em clínicas europeias, há o mesmo fator horripilante: a miséria. É a miséria que produz as vítimas “doadoras”, de fígados e de gordura, e seus algozes imediatos, os assassinos e pequenos traficantes.
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